Pesquisa identifica como o cérebro registra e ativa as memórias
O cientista francês Michael Zugaro é diretor de pesquisa do instituto francês CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Cientifica). Ele é responsável pela equipe “Ritmos Cerebrais e Codificação Neural da Memoria”, um campo da Ciência que visa compreender, entre outras questões, como as atividades elétricas dos neurônios influenciam na cognição.
No início de novembro, o cientista francês e sua equipe descobriram que os neurônios que se reativam durante o sono reproduzem uma atividade diurna. Essas células estão situadas no hipocampo, uma parte do cérebro que tem um papel fundamental na memorização. Os resultados da experiência foram publicados em 9 de novembro na revista Science. Para chegar a essa conclusão, Zugaro acompanhou a atividade neuronal dos ratos dentro de um labirinto.
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Os neurônios do hipocampo “acendem” em função da posição do animal no meio ambiente. Uma parte deles se ativa em tempo real, ao mesmo tempo em que o rato executa o movimento. Paralelamente, um outro grupo de células, chamadas pelo pesquisador de “sequências emaranhadas”, em tradução livre, reproduz essa trajetória de forma acelerada.
Essa mesma sequência a alta velocidade, cerca de 20 vezes mais rápida, pode ser observada durante o repouso. Essa seria a maneira utilizada pela memória espacial para registrar o caminho feito pelo animal.
“Se pudéssemos olhar todo o hipocampo --e estamos próximos disso -- e observar a atividade de cada neurônio, poderíamos dizer onde está o animal sem precisar olhar para ele, apenas seguindo a atividade neuronal. Como se ele tivesse um mapa dentro do seu hipocampo que mostrasse sua localização”, explicou Zugaro à RFI Brasil. Esse registro cerebral confirma o que os cientistas estudam há anos: quando o animal volta para um ambiente familiar, ele se lembra de seus deslocamentos.
Além disso, durante o sono, diz o pesquisador, os mesmos neurônios se ativam e reproduzem, “virtualmente”, a trajetória que os ratos efetuaram acordados. Como se eles estivessem sonhando que passeiam em seu labirinto, com o objetivo de fixar na memória sua trajetória executada durante o dia.
Para comprovar esse mecanismo, a equipe de Michael Zugaro inibiu a atividade dos neurônios do hipocampo durante o sono, que permite a consolidação dessas lembranças. A conclusão da equipe é que o animal não pode se movimentar como de costume, provando que essa atividade na fase de repouso é essencial para ativação da memória.
Primeiros traços de memória
“Provamos que isso era necessário. Impedindo a atividade no hipocampo com o animal acordado, não há consolidação”, diz Zugaro. “Imagine que o animal esteja passeando de manhã em seu labirinto e durma cerca de uma hora depois. Como o hipocampo retém a informação para poder reativá-la no sono? Para que isso fosse possível, algo já vinha se formando no cérebro. Essa foi a base do nosso estudo: explicar como esses primeiros traços de memória se formam durante o movimento, ou comportamento”, detalha.
Foi essa análise que permitiu aos cientistas entender quais neurônios estavam envolvidos na consolidação das lembranças enquanto os ratos passeavam. “São realmente essas sequências rápidas e emaranhadas que são indispensáveis para que possamos fazer uma primeira memorização dessas trajetórias, para que depois elas possam ser consolidadas durante o sono”. Sem essa etapa da consolidação, diz, é provável que não nos lembrássemos do que aconteceu durante o dia.
Os estudos sobre o registro da atividade neuronal na memorização espacial começaram nos anos 90. “As pesquisas na época foram feitas com a tecnologia existentes, que não possibilitavam o registro de um grande número de neurônios. Não se podia analisar trajetórias, como hoje, apenas pares de neurônios, que atuavam da mesma maneira quando os animais estavam acordados ou dormindo. Aos poucos foi possível “gravar” um número cada vez maior de neurônios e poder observar essas trajetórias”, ressalta o cientista francês. Fenômenos similares foram constatados em outras estruturas cerebrais.
Os estudos vão continuar em animais, explica Michael Zugaro, já que sua equipe se interessa pelos mecanismos neuronais, que não podem ser testados em humanos, já que o risco seria muito grande. A única exceção é em pacientes epiléticos hospitalizados que já necessitam, por conta da doença, usar eletrodos no cérebro e tem certos circuitos desativados. Mas se tratam de cérebros doentes, que não podem ser usados como parâmetro.
A pesquisa, no futuro, também poderá ser usada para ajudar pacientes com Alzheimer, cujas estruturas cerebrais, incluindo o hipocampo, acabam por ser destruídas de maneira paulatina, provocando a perda de memória.
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