"Sentia vergonha do diabetes e não usava insulina com medo de engordar"
Fabiana Couto,37, demorou anos para aceitar o diabetes tipo 1. Na adolescência, ela comia doce escondido dos pais, sentia vergonha de falar que tinha o problema e desenvolveu diabulmia, um transtorno alimentar em que a pessoa deixa de aplicar insulina com receio de ganhar peso. A seguir, ela como superou tudo isso:
"Descobri que tinha diabetes tipo 1 aos 13 anos, quando comecei a apresentar sintomas clássicos da doença: ia ao banheiro com frequência para fazer xixi, sentia cansaço, emagreci. Minha mãe me levou ao médico, fiz alguns exames e recebi o diagnóstico da condição.
Iniciei o tratamento imediatamente. Tomava doses diárias de insulina, media a glicemia (nível de açúcar no sangue) antes das refeições e duas horas depois de comer e seguia a dieta recomendada. Não podia consumir nada com açúcar refinado. Nas festas de aniversários, minha mãe comprava um bolo diet só para mim, para eu não ficar com vontade de comer doce, mas eu me sentia diferente das outras pessoas.
Não aceitava os limites que a doença me impunha. Sentia vergonha de dizer que tinha diabetes
Quando passava mal, tinha hipoglicemia, ia ao banheiro ou a um lugar reservado e comia açúcar para controlar o nível da glicose. Não falava para ninguém da minha condição. Não queria ser estigmatizada como a doente.
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Me entupia de chocolate escondida
Na frente da minha família, eu seguia a alimentação que a médica havia prescrito, mas quando ficava sozinha tinha outro comportamento.
Minha mãe escondia os doces em casa, mas eu achava e comia sozinha no meu quarto, me entupia de chocolates. Ela encontrava as embalagens e isso gerava conflitos entre nós. Eu achava que podia levar a vida de qualquer jeito e isso custou caro à minha saúde
Aos 22 anos, desenvolvi uma compulsão alimentar. Quando minha glicemia ficava alta, tinha muita fome. Descontava na comida os meus problemas emocionais. Comia excessivamente. Acordava de madrugada e 'assaltava' a geladeira. Engordei 5 kg e me sentia fora dos padrões de beleza, não gostava do meu corpo. Fazia dietas muito restritivas e cheguei a tomar laxante e diurético para perder peso.
Achava que ficaria magra sem insulina
Um dia, uma pessoa me falou que eu nunca emagreceria com a alta quantidade de insulina que tomava. Fiquei com aquilo na cabeça. Antes de festas ou nos dias em que eu extrapolava na comida, eu usava menos insulina do que precisava com medo de engordar e de ficar inchada. Achava que fazendo isso eu ficaria magra. Nos dias em que eu comia moderadamente, aplicava a quantidade correta. Fazia isso com naturalidade, mas só anos depois descobri que se tratava de um transtorno alimentar chamado diabulimia.
Houve uma ocasião em que faltei à uma reunião importante no trabalho porque fui internada com hiperglicemia. Não havia tomado insulina suficiente. Esse episódio me marcou de forma negativa. Percebi a gravidade do que estava fazendo.
Entrei em depressão, era uma pessoa agressiva, irritada e ansiosa. Negar o diabetes era uma prisão, estava enjaulada dentro de sentimentos e emoções negativas. Vivia em guerra comigo mesma
Meu insight para mudar veio aos 27 anos, quando conheci uma pessoa que, assim como eu, havia sido diagnosticada com diabetes na adolescência. Eu me identifiquei com ela. Comecei a falar sobre a doença e isso me ajudou no processo de aceitação. Recuperei minha autoconfiança e quis me cuidar.
Minha primeira atitude foi colocar uma bomba de insulina para aperfeiçoar o meu tratamento. O aparelho envia microdoses de insulina ao longo do dia e me ajuda a gerenciar a glicemia com mais eficiência. Também adotei uma alimentação mais equilibrada e sem neura. Como frutas, verduras, legumes e alimentos integrais. Geralmente, como sobremesa sem açúcar nos finais de semana. Eventualmente me permito consumir doces com açúcar e aplico a insulina de forma adequada.
Aceitação e melhora da autoestima
Em 2010, fui para a Califórnia (EUA) ser voluntária numa ONG voltada a portadores de diabetes. Foi um chamado. Encontrei uma forma de me ajudar e de auxiliar outras pessoas com o mesmo problema que o meu. Nesse período, aproveitei para fazer uma especialização em coach, psicologia e me aprofundar nos aspectos emocionais da doença.
Ano passado, fundei o movimento Divabéticas. Nele, abordo a aceitação e a autoestima de mulheres com a condição. O objetivo é incentivá-las a ter uma melhor adesão ao tratamento. Hoje em dia, aceito a doença e as suas limitações. Como diz uma amiga minha:
Vivo a minha vida com o diabetes sem deixar que o diabetes viva a minha vida"
Usar insulina engorda?
O diabetes tipo 1 representa cerca de 10% dos casos da doença. Ele é um problema autoimune, no qual o sistema imunológico ataca células do pâncreas, responsável pela produção de insulina. Por isso, pessoas com a condição precisam aplicar o hormônio para sobreviver. Se doses são omitidas, os pacientes podem sofrer de hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue) crônica, trazendo complicações à saúde.
Em curto prazo, o paciente pode necessitar de internação e compensação da glicemia devido a episódios de cetoacidose (aumento da glicemia acompanhada de desidratação e falta de insulina). Em longo prazo, o indivíduo corre o risco de cegueira, insuficiência renal, doença cardiovascular e neuropatia diabética, explica Denise Franco, endocrinologista e coordenadora da Sociedade Brasileira de Diabetes e diretora da ADJ Diabetes Brasil.
A diabulimia é um distúrbio alimentar em que pessoas com diabetes tipo 1 limitam ou ignoram a dosagem de insulina e manejo da dieta, por questões de aparência e aceitação social. Se a pessoa com diabetes tipo 1 aplica a dose adequada de insulina e não apresenta hipoglicemia (queda de açúcar) com frequência, ela consegue manter seu peso ideal. Entretanto, se o paciente toma doses inadequadas, tem episódios recorrentes de hipoglicemia, faz várias correções ao longo dia, ele tende a ter mais fome e, consequentemente, pode engordar.
"A omissão da dose de insulina para a perda de peso não é uma indicação médica. A insulina é vital para a sobrevivência do paciente com diabetes tipo 1. Deixar de usar corretamente ou suspender o medicamento pode representar sérios riscos à saúde", reforça a endocrinologista.
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