Quando vale a pena fazer teste genético para diagnosticar doenças?
Há 15 anos, uma espécie de força-tarefa científica que envolveu diversos países, inclusive o Brasil, e se estendeu por mais de uma década concluiu o mapeamento dos genes que compõem o nosso DNA --foi o Projeto Genoma Humano. Os genes guardam os dados sobre as características que nos fazem ser quem somos: da cor dos olhos à predisposição para ficar careca e engordar ao risco de desenvolver câncer, Alzheimer ou intolerância ao glúten, entre muitas outras informações.
A partir daí foi possível criar exames capazes de, sobre uma amostra biológica (saliva, sangue ou mucosa bucal), diagnosticar doenças genéticas e estimar o risco de desenvolver males hereditários mesmo antes de manifestar sintomas. Quem não se lembra da atriz Angelina Jolie, que decidiu remover os dois seios depois de um teste revelar que ela apresentava variantes genéticas associadas a um risco alto de ter câncer de mama, doença que vitimou a mãe dela?
Cada vez mais acessíveis, testes que mapeiam o DNA também fornecem informações úteis para orientar a escolha do melhor tratamento médico e alertar para doenças que podem vir a se manifestar no futuro, identificar mutações passadas de pais para filhos (inclusive ainda no feto), selecionar embriões saudáveis para procedimentos de fertilização in vitro e até identificar características que podem influenciar nos resultados do treino e da dieta que você segue no dia a dia.
Desde 2014 os convênios médicos oferecem cobertura para exames destinados a identificar doenças genéticas, de vários tipos de câncer a síndromes raras hereditárias, desde que solicitados por um médico geneticista. No site da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é possível consultar a lista de procedimentos incluídos na cobertura.
Moda na internet
Nos Estados Unidos, kits para testes genéticos vendidos direto ao consumidor em farmácias, pela televisão ou internet, viraram febre há alguns anos, a maioria oferecendo análise de ancestralidade (se você tem ascendência europeia, africana, indígena etc.) e perfil nutricional, metabólico e de aptidão física (voltados, por exemplo, para personalizar rotinas de alimentação e exercícios). Depois de enviar seu material genético por correio para análise, o resultado chega junto com um relatório detalhado do perfil analisado.
O alerta dos médicos quanto a esse tipo de teste é que, sem o conhecimento de um especialista em genética capaz de interpretar as informações (o que é chamado de aconselhamento genético), há pouco o que fazer com os dados.
Recentemente, o FDA, agência norte-americana que regula a venda de remédios e procedimentos médicos naquele país, apertou a vigilância sobre esses serviços alegando que podem representar uma ameaça à saúde pública. No início de 2017, porém, liberou a venda direto ao consumidor do primeiro teste genético de saúde, que mapeia o DNA em busca de mutações associadas a dez doenças específicas, entre elas Parkinson, Alzheimer, distonia e doença celíaca. Não o fez sem ressalvas: além de destacar que a decisão foi tomada com base em literatura científica consistente, o órgão alerta para jamais usar os resultados do teste para tomar decisões sobre tratamento sem antes se consultar com um médico especialista.
Se o acesso aos testes genéticos está cada vez mais democrático (hoje estão disponíveis em diversos laboratórios, não apenas nos especializados nesse tipo de exame), os preços também estão: uma análise nutrigenética, por exemplo, pode ser realizada por R$ 2 mil, em média, enquanto testes específicos, como os que identificam intolerância a glúten ou lactose, podem sair por menos de R$ 500, dependendo do laboratório. Em todos os casos, vale saber que possuir uma alteração genética associada a determinada condição de saúde não representa certeza de desenvolvê-la. (Encontrar o marcador para obesidade, por exemplo, não quer dizer que você vá ser obeso no futuro.)
Entenda algumas situações em que os testes genéticos podem fazer muita diferença:
- No tratamento de câncer: a oncogenética prevê a análise do DNA da pessoa para detectar mutações associadas a diversos tipos de câncer e estimar o risco de desenvolver a doença quando há casos na família (ou o próprio indivíduo já teve a câncer). Em tumores já existentes, o exame pode ser realizado sobre o tecido a fim de "entender" seu funcionamento e evolução e determinar o tratamento mais adequado visando a qualidade de vida do paciente.
- Na prescrição de remédios: um medicamento que funciona para uma pessoa nem sempre tem efeito positivo em outra com a mesma doença, e a farmacogenética está ai para estudar a resposta individual aos remédios para, assim, orientar tratamentos mais efetivos. Por exemplo, saber se o paciente tem tendência a metabolizar lenta ou rapidamente os medicamentos pode ser determinante para indicar a droga ideal, evitando efeitos colaterais e dosagem alta ou baixa demais.
- Na reprodução humana: casais tentando engravidar e que têm o risco de transmitirem variantes genéticas patológicas aos filhos podem investigar essa probabilidade antes da concepção. Em processos de fertilização in vitro, o exame pode ser aplicado no embrião para determinar a presença de mutações específicas. Além disso, o feto em desenvolvimento dentro do útero pode ser testado caso haja suspeita de alteração genética.
- No condicionamento físico: centros esportivos avançados nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente Médio há anos empregam o conhecimento obtido com os exames genéticos na elaboração de estratégias para aumentar o rendimento de atletas de elite. Fora do cenário esportivo profissional, muita gente passou a buscar no DNA a resposta por que transpira litros e levanta muitos quilos sem conseguir as perdas (de gordura) e ganhos (de músculo) que deseja. Os genes podem, ainda, revelar a tendência a acumular gordura e ganhar massa magra, a que tipo de treino (aeróbico, de força, de explosão) os músculos respondem melhor e até o risco de desenvolver lesões.
- Na nutrição: alterações nos genes associados ao processamento de açúcares, gorduras e proteínas podem ajudar a explicar por que você digere mal determinado alimento, por que está engordando ou tendo dificuldade para emagrecer ou por que demora para ter saciedade, entre outras questões. Também dá para avaliar a predisposição a obesidade, hipertensão e diabetes. Não custa lembrar que a genética tem em torno de 25% de influência sobre o metabolismo - o resto se deve ao estilo de vida. Ou seja, a ideia não é tomar o resultado positivo como uma sentença de que vai ficar doente ou ter problemas com o peso, mas sim como alerta de que talvez precise de um esforço maior para se manter saudável.
- Na estética: a tendência a ter pele oleosa ou flácida, alterações inflamatórias (como celulite e melasma), alopecia androgênica (calvície) e melanoma (o tipo mais agressivo de câncer de pele) está expressa no DNA. Com essas informações em mãos, o médico pode direcionar o tratamento para retardar a evolução dos problemas, formulando produtos e tratamentos com mais precisão.
Fontes: Ana Carolina dos Santos Fonseca, bióloga com mestrado e doutorado em genética humana e gestora do setor de exames genéticos do Centro de Genomas; Tatiana Ferreira de Almeida, médica geneticista da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein; Luis Izquierdo, médico geneticista e diretor médico da Veritas Genetics.
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