Coceira intensa no final da gravidez pode ser sinal de doença rara e grave
Na 27ª semana de gravidez de gêmeos, a jornalista Fabiana Mariz Moreira, 41, começou a sentir uma intensa coceira pelo corpo. A princípio, tanto ela quanto seu médico acreditavam tratar-se de uma simples alergia. Mas, após alguns dias tomando antialérgico, o problema continuou.
"Era uma coceira insuportável, que piorava à noite. Eu nem conseguia dormir. Também notei alterações na urina; ela ficou escura. Fui para o hospital e fiz alguns exames. No de sangue deu que as enzimas hepáticas estavam alteradas e o ultrassom mostrou que os bebês estavam com restrição de crescimento", relata ela, que engravidou a partir de uma fertilização in vitro.
Resultados que aliados à pressão alta, que chegou a 18x12, a fizeram permanecer 24 dias internada e antecipando o nascimento das crianças. Felipe e Davi, hoje com 5 meses, nasceram com 32 semanas e 6 dias. Um com 41 cm e 1.640 kg, o outro com 39 cm e 1.360 kg. Ambos passaram 20 dias na UTI neonatal.
Colestase gravídica
A situação pela qual a jornalista passou deve-se a uma condição extremamente rara, a colestase gravídica --só para se ter uma ideia, de acordo com a literatura científica mundial, sua incidência é de 0,5 a 2%--, mas que pode ser grave para as mães e, mais ainda, para os bebês.
Esse quadro ocorre quando a bile (substância produzida pelo fígado para ajudar na digestão das gorduras) não flui adequadamente e provoca o aumento dos níveis das enzimas hepáticas TGO e TGP no sangue.
É um problema ainda mal compreendido pela medicina. Por enquanto não se sabe quais são as suas causas, mas uma das hipóteses é a sobrecarga do corpo. Outra suposição é de que um componente genético seja o responsável pelo descompasso hepático no organismo.
A colestase gravídica ocorre, normalmente, do meio para o fim da gravidez e é mais comum em gestações múltiplas e em mulheres com mais de 35 anos ou que foram submetidas à fertilização. As chances também sobem, entre 50% e 70%, em quem já teve a doença.
Seu principal sintoma é coceira (prurido) generalizada e intensa. Conforme o quadro se agrava, provoca aumento da bilirrubina (substância resultante da degradação da hemoglobina), o que compromete a função hepática, deixa a urina com uma coloração escura e a pela amarelada (icterícia).
Também provoca a alteração na placenta, podendo gerar sofrimento fetal --quando há diminuição na troca de oxigênio e de nutrientes entre a mulher e o feto, além da liberação de mecônio (conteúdo fecal verde) no líquido amniótico.
Diagnóstico e tratamento
É fundamental fazer o diagnóstico o quanto antes. A coceira é um sinal de alerta e não deve ser desprezada, principalmente se ocorrer no terceiro trimestre da gestação.
Pelo fato de a colestase ser um problema raro, muitos médicos acreditam que o prurido é proveniente de alergia ou alteração hormonal, e quase sempre é mesmo, mas em alguns casos pode não ser, por isso, é aconselhável e prudente colher exames hepáticos.
Se constatada a enfermidade, o tratamento consiste em repouso e pode envolver a internação da paciente, se o caso for mais grave. Uma vez no hospital, ela terá de fazer testes clínicos para checar as concentrações das enzimas hepáticas, e poderá ou não receber medicamentos. Também pode ser preciso monitorar o bem-estar do bebê através de exames como sonar doppler (que mede o fluxo sanguíneo) e cardiotocografia (que registra a frequência cardíaca).
A mãe de Davi e Felipe relembra que precisou fazer exames diários, e vários no mesmo dia: "a rotina de internação foi bem pesada, e eu ainda tinha o problema da doença hipertensiva da gravidez (DHEG)".
Frente à piora do quadro, a solução final é a antecipação do parto, como aconteceu com a jornalista. No entanto, Nogueira, do Hospital Albert Einstein, garante que esta decisão é sempre muito bem avaliada pelos profissionais envolvidos, prezando, acima de tudo, a saúde e a segurança da parturiente e do filho.
Apesar de rara, a colestase tem a vantagem de ocorrer no final da gravidez, quando os riscos de um parto prematuro são menores. O importante é paciente e médico estarem atentos e trabalharem juntos, e a família não se desesperar e saber que o prognóstico da doença é bastante positivo.
Fontes: Alexandre Pupo Nogueira, ginecologista e obstetra membro do corpo clínico do Hospital Albert Einstein; Georges Fassolas, ginecologista, especialista em reprodução humana e responsável pela fertilização de Fabiana
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