"Injetei meu próprio sangue para melhorar imunidade"; método é perigoso?
Já pensou tirar uma quantidade específica de sangue e injetá-lo de volta em seu corpo, como uma espécie de vacina? Apesar de a ideia parecer bizarra, esse método, chamado auto-hemoterapia, já é feito de forma ilegal em várias farmácias do Brasil --para desespero dos médicos.
No procedimento, são retirados até 20 ml de sangue do braço da pessoa, como em um exame de sangue, e essa quantidade é imediatamente injetada nas nádegas ou no músculo do braço desse mesmo indivíduo.
Em teoria, a técnica aumenta a imunidade do corpo, porque o sangue, ao entrar em contato com o músculo, provoca uma reação de rejeição, estimulando o sistema imune a destruir os tais "invasores". Entretanto, o CFM (Conselho Federal de Medicina) não reconhece a auto-hemoterapia como um tratamento e afirma que não existem evidências científicas confiáveis de que a auto-hemoterapia seja efetiva para prevenir qualquer doença em seres humanos, segundo o parecer n° 12, emitido em 2007 pelo órgão.
A publicação deixa claro que não existem estudos que demonstrem a segurança do método. "Não há nada além de indícios, casos isolados narrados com dramaticidade, que pouco se prestam a provar coisa alguma perante a ciência e que ampare o seu valor, sendo o seu uso atual em seres humanos uma aventura irresponsável", diz a nota.
A opinião é compartilhada pela ABHH (Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia), que em seu site divulga que a "auto-hemoterapia é adotada por leigos e desaconselhada pois, além de não ter nenhum benefício comprovado no campo da ciência, pode apresentar inúmeros riscos à saúde".
Pelo perigo e inconsistência científica, a auto-hemoterapia não pode ser usada pelos médicos."Os profissionais que a praticarem poderão sofrer penalidades que podem chegar ao registro profissional cassado", afirma o corregedor do CFM, José Fernando Maia Vinagre, em nota.
Apesar da posição do Conselho, a prática continua a ser aplicada em locais proibidos por lei. Márcia Coelho*, por exemplo, fez o tratamento em 2017 em uma farmácia, no bairro Santa Cruz, na Zona Sul de São Paulo.
"Eu já conhecia a auto-hemoterapia, mas só fui atrás de um lugar que fazia as injeções após descobrir que tinha uma ferida no colo do útero", diz ela. A farmácia realizava o procedimento por R$ 25 e recomendava a reaplicação a cada sete dias. "Tinha que ser uma vez por semana porque, pelo que me explicaram, a injeção de sangue aumentava minha imunidade por apenas sete dias. Depois desse período, eu teria que voltar lá e fazer novamente a aplicação."
A ideia animou Márcia, já que faria seu corpo lutar sozinho contra a ferida. "Na época, meu corrimento melhorou muito e me sentia mais disposta, com vitalidade. Só parei de fazer após quatro meses porque fui viajar", relata.
A maioria dos serviços oferecidos em farmácias é regulamentada pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 44, de agosto de 2009, onde não consta a auto-hemoterapia. Ele inclui procedimentos como furar orelha, medir pressão, temperatura e glicemia, remover cera de ouvido com água e aplicar injeções de medicamentos (e não de sangue) e vacinas.
Recentemente, Márcia diz que foi a um ginecologista e viu que a ferida ainda está em seu colo do útero, mas isso não a desestimulou a acreditar na eficácia do método. "Eu só não faria de novo por causa desse trabalho de levar injeção toda semana. Fora isso, na época foi muito bom, eu me sentia muito bem e não fiquei doente uma vez."
Segundo o presidente da ABHH, Dante Langhi Jr., esses "sintomas" comuns em quem já fez esse tipo de procedimento nada mais são do que efeito placebo. Um placebo é um medicamento, substância ou qualquer outro tipo de tratamento que se parece com um tratamento normal, mas que não possui efeito ativo. A pessoa sente melhoras simplesmente por acreditar que o placebo funciona, mas ele não tem capacidade de promover alteração real no organismo.
"O que eles chamam de auto-hemoterapia é um procedimento absolutamente infundado de características técnicas e científicas. É empírica e não é sequer reconhecida", reforça o médico.
Os perigos
Além de não apresentar evidências científicas, a técnica controversa pode trazer problemas à saúde do paciente. "Por não ser uma prática realizada de forma legal e consiste em injetar sangue no corpo, há risco de contaminação, infecção e lesão nos músculos. É muito perigoso", afirma Langhi. De acordo com o parecer do CFM, não existem estudos que demonstrem sua segurança.
É bom ressaltar que a auto-hemoterapia não pode ser confundida com a hemoterapia. "O procedimento legal utiliza os componentes sanguíneos e seus derivados para transfusões de sangue e plaquetas, produção de imunoglobulinas para o tratamento de câncer ou produção de fatores de coagulação para pessoas com hemofilia, por exemplo, e de nada tem a ver com esse método absurdo", diz Langhi.
A ABHH reforça a necessidade de procurar um hematologista ou hemoterapeuta sempre que for preciso e que todo tratamento deve ser reconhecido pelos órgãos de saúde competentes no país.
*Fonte pediu para não ter nome revelado.
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