Nada de dormir cheia de fios no hospital: fiz teste para apneia em casa
Resumo da notícia
- A apneia obstrutiva do sono é a interrupção da respiração devido ao bloqueio das vias áreas superiores (garganta e nariz) durante o repouso
- Um aparelho promete ser uma forma mais acessível e confortável do que a polissonografia no hospital
- Com o equipamento o exame é feito em casa. A ideia é melhorar o número de diagnósticos e fazer com que mais pessoas sejam tratadas para a apneia
A primeira vez que fiz uma polissonografia (exame que mede diversas variáveis fisiológicas durante o sono para avaliar se você tem algum distúrbio) foi uma experiência, no mínimo, estranha. Para começar, ir até um lugar (no caso, o Instituto do Sono, na Vila Mariana, em São Paulo) para fazer um exame à noite já não é muito habitual. Agora, imagine dormir em uma sala, com roupinha de hospital, cheia de eletrodos e sensores pelo corpo.
São fios na cabeça, no peito, nos braços e nas pernas. E, se você se mexer em algum momento durante a noite e soltar um deles sem querer, a enfermeira entra no quarto para arrumá-los --digo isso porque acordei assustada várias vezes com uma mulher (que era muito simpática, diga-se de passagem) mexendo em meu braço e sorrindo. Sim, parece filme de terror.
A ideia da polissonografia é justamente reproduzir algumas das características habituais do paciente durante uma noite de sono. Por isso, a salinha tem cobertor, TV e um travesseiro confortável. Enquanto eu dormia, os eletrodos e sensores captaram registros de diversos parâmetros para serem analisados, como o tempo que demorei para adormecer, a quantidade as diferentes fases do sono, o número de eventos anormais (apneias e movimentos dos membros) e teor de oxigênio no sangue.
Mas vamos combinar que dormir fora de casa, com o bumbum de fora, cheia de fios pelo corpo e com uma enfermeira sorrindo para você às 3h da manhã não é lá uma reprodução idêntica do que você faz em casa durante a noite.
É por esse motivo que um engenheiro e um médico brasileiros se uniram para desenvolver um aparelhinho para as pessoas realizarem a polissonografia (ou uma parte dela) em casa, de forma simples e versátil. Após todo o "pesadelo" no hospital --e já sendo uma pessoa diagnosticada com apneia do sono leve em tratamento --, resolvi experimentar o aparelho para ver como é o exame e se o resultado é preciso.
Como é o teste
Chamado de Oxistar e com design assinado pela empresa Questtonó, o equipamento é colocado no dedo (preferencialmente no médio) e fixado com uma fita adesiva (para garantir que, se você se mexer, ele não solte). O aparelho mede a oximetria (porcentagem de oxigênio que está sendo transportado na circulação sanguínea), a frequência cardíaca e os movimentos. Esses dados são enviados para uma "central" por meio de um aplicativo que o paciente baixa no celular, onde são analisados. Ao acordar, o resultado do exame fica pronto em segundos no seu email.
Posso dizer que, se a ideia do exame "caseiro" era analisar meu sono em condições mais parecidas com as habituais, deu muito certo. Afinal, a única diferença das minhas noites normais foi aquele pequeno aparelho no meu dedo --sem fios, sem enfermeira e com meu pijama favorito, sem bumbum de fora do avental médico...
O resultado? O aparelhinho não mede todas as variáveis apontadas no exame tradicional, mas como ele acusa quais as chances de o paciente ter uma apneia, pode facilitar a ida ao médico especialista em sono e acelerar o tratamento. No meu caso, o resultado apontou que tenho um risco baixo de apneia moderada ou grave, mas que tive, sim, alguns minutinhos irregulares de oxigênio --nada muito diferente do que apontou meu exame de polissonografia original.
Como você pode fazer?
Diversos consultórios particulares e centros de diagnósticos espalhados pelo Brasil já trabalham com o exame oferecido pela empresa Biologix. Segundo os desenvolvedores, devido à facilidade de acesso, o aparelho tende a ajudar um número maior de pessoas a diagnosticar distúrbios do sono, em especial a apneia obstrutiva.
"Já que o celular está sempre do nosso lado e não vamos mudar isso, criamos um pequeno aparelho recém-aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A gente sabe que existe uma variabilidade do sono, um dia a gente dorme pior, outro melhor, então esse aparelho você usa em casa", contou o médico pneumologista e especialista em medicina do sono que desenvolveu o Oxistar, Geraldo Lorenzi Filho, em uma palestra que deu no TEDx Talks, em 2018. Ele também é diretor do Laboratório do Sono do Instituto do Coração, em São Paulo.
Eu ronco, tu roncas, mas qual a vantagem do aparelho?
Facilitar a realização de um exame tão complexo como a polissonografia é um grande passo no contexto de qualidade de sono em que estamos.
Segundo levantamento realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), 76% dos brasileiros têm pelo menos uma queixa relacionada à qualidade do sono. Entre os problemas mais comuns está a apneia obstrutiva do sono, que é a interrupção da respiração devido ao bloqueio das vias áreas superiores (garganta e nariz) durante o repouso.
Restringindo o problema apenas a São Paulo, um estudo realizado também pela Unifesp e publicado em 2011 no periódico Sleep Medicine analisou mais de mil pessoas e, por meio da realização de exames de polissonografia, descobriu que quase 33% delas tinham apneia obstrutiva do sono e não sabiam.
Segundo Pedro Genta, pneumologista do Centro de Medicina do Sono do HCor (Hospital do Coração), a falta de diagnóstico é um problema sério no Brasil e ela tem várias causas. "Primeiro porque a doença se apresenta de forma diferente para cada um. Enquanto uns sentem sonolência durante o dia, outros não têm sintomas. Alguns roncam, outros têm dificuldade de manter o sono. A apresentação clínica variada dificulta a pessoa chegar à conclusão que talvez tenha algum problema no sono", diz ele.
Além disso, Genta aponta o desconhecimento da comunidade médica. "O principal sintoma é ronco. Esse é o ponto-chave para se suspeitar do diagnóstico. Mas não é só isso. Os médicos precisam saber da saúde do sono do paciente. Em um hipertenso, por exemplo, o cardiologista deveria escutar em geral sobre o sono desse paciente por causa da associação íntima entre os dois problemas."
O médico também comenta sobre a falta de acesso a exames caros como a polissonografia. "Praticamente não existe esse exame na rede pública. Aqui em São Paulo, por exemplo, menos de dez exames por semana são disponibilizados pelo SUS. É um número ridículo de exames. Mesmo na rede privada a quantidade de exames é restrito. Esse tipo de abordagem [de fazer o exame em casa] certamente é uma vantagem", diz Genta.
George Pinheiro, médico otorrinolaringologista especializado em medicina do sono pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Associação Brasileira do Sono, concorda: "A apneia obstrutiva do sono acomete uma em cada três pessoas. Isso, por si só, gera uma demanda acentuada para o diagnóstico polissonográfico. Somam-se a isso a restrita disponibilidade para exames na rede pública; o insuficiente número de laboratórios de sono em cidades de pequeno e médio porte; o tempo de agendamento em cerca de 45 dias em média por convênios médicos." Todos esses fatores atrasam ou dificultam o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento.
Pinheiro vê no exame "caseiro" uma opção válida para solucionar os problemas que envolvem o exame tradicional. "Um exame com indicação correta, que seja validado cientificamente e com custo menor pode facilitar o acesso de muitos casos suspeitos de apneia do sono. Além do mais, pacientes com limitações para realização em laboratório podem ser diagnosticados em domicílio", diz ele.
"Acreditamos que vamos mudar o paradigma do subdiagóstico da apneia do sono no mundo inteiro", disse Geraldo. Se isso acontecer será muito bom. Afinal, a apneia não é piada. As repetidas pausas na respiração durante a noite, que chegam a passar de 10 segundos, levam à diminuição do fluxo de oxigênio para o coração e o cérebro, o que aumenta a pressão arterial e pulmonar, desencadeia processos inflamatórios (que podem dar início a doenças) e eleva o risco de infarto e AVC (acidente vascular cerebral).
Por isso, se você suspeita de que seu sono não está cumprindo seu papel, ou seja, não é restaurador, ou você tem sonolência excessiva diurna, ronco, pausas respiratórias durante o sono, comportamentos anormais enquanto dorme, movimentação corporal excessiva no sono, dificuldades para iniciar ou manter o sono, é melhor procurar um médico.
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