Afundando no vício, ele encontrou na luta o prazer para se livrar do crack
Resumo da notícia
- Perdido nas drogas, o lutador de jiu-jítsu William Medeiros, 31, trocou o tatame pelas ruas
- Ele viveu por seis meses na Cracolândia e sobrevivia com restos de comida
- Mas recebeu ajuda para sair desse mundo e se recuperou com o esporte
- A seguir, William conta sua história
"Eu tive contato com as drogas aos 15 anos, por meio de alguns vizinhos. Comecei com o cigarro, a maconha, a cocaína e, em seis meses, já estava no crack. Inicialmente, usava esporadicamente, por curtição e prazer, para ser descolado.
Em 2007, aos 20 anos, fui morar em Nova Jersey (EUA) com minha mãe e meu irmão, o Fábio. Eu era formado em violoncelo performance no Brasil e me mudei para o exterior com o objetivo de fazer faculdade de música e tocar em orquestras. Não consegui nenhuma bolsa de estudos, fui trabalhar em construção civil e isso me gerou uma grande frustração.
Eu refugiava todas as minhas decepções nas drogas. O crack era a minha preferida, eu gostava da 'onda' de me isolar do mundo, de fugir dos problemas, usava todos os dias no meu quarto ou no banheiro de casa. Todo meu salário era para sustentar o vício. Eu me tornei um dependente químico.
Virei atleta de jiu-jítsu, tive uma decepção amorosa e me afundei
Um dia, estava em uma balada com o meu irmão, que é faixa preta de jiu-jítsu, e o mestre dele, que sabia do meu problema, me ofereceu uma bolsa de treino. Meu irmão foi meu primeiro instrutor, uma influência bastante positiva para mim. Eu treinava de quatro a seis vezes por dia, virei atleta, disputei competições e ganhei várias medalhas.
Fiquei firme por três anos até que voltei ao Brasil em 2014, sofri uma desilusão amorosa e me afundei. Fui internado em uma clínica, mas fugi. Passei por cinco casas de recuperação. No meio desse processo, arrumei um trabalho em uma padaria, aluguei uma casa e treinei em uma academia de jiu-jítsu por duas semanas, em Itaquera, São Paulo.
Tive uma recaída, vendi todas as minhas coisas, abandonei o emprego, não tinha dinheiro para pagar o aluguel e fui morar nas ruas, onde fiquei por quase dois anos, entre idas e vindas
Em 2016, passei pela última casa de recuperação, depois fui acolhido pela igreja Bola de Neve de São Miguel Paulista. Ao total, consegui ficar dez meses limpo, mas não soube lidar com a dependência química e meu destino foi a Cracolândia, onde sobrevivi por seis meses.
Morar na Cracolândia foi o pior período da minha vida. Eu não ligava para nada, fiquei três meses sem tomar banho, uma semana sem comer, às vezes comia resto de comida. Minha única preocupação era como eu ia adquirir a próxima pedra. Eu vivia muito louco
Na época em que estava lá, dei uma entrevista para o jornal Folha de S. Paulo. Minha família viu a reportagem, um tio foi me procurar e me achou. Ele queria me levar para casa, mas eu não queria ter de encarar meus familiares. Ele me hospedou em um hotel por dois dias até eu me restabelecer. Eu deixei a Cracolândia em agosto de 2017.
Em 3 meses de treino, 3 títulos
O Caio Almeida, meu mestre da academia de Itaquera, também viu a matéria, me reconheceu e me chamou para treinar. Ele me colocou de volta no caminho do esporte. Eu dividia uma casa com outros atletas e passava o dia treinando.
Recebia aconselhamento espiritual e, à noite, ia para a igreja. Desenvolver um relacionamento com Deus foi fundamental para a minha recuperação.
O primeiro mês de desintoxicação foi difícil, senti muita vontade de usar drogas nas primeiras semanas, mas depois passou. Dos sintomas de abstinência, transpirava quando dormia e tinha picos de nervosismo.
Ia para o tatame e liberava toda a minha energia, ansiedade e estresse
Durante a reabilitação, voltei a me alimentar corretamente. Eu deixei a Cracolândia com 68 kg, engordei 32 kg, cheguei a 100 kg e fiquei apto a competir na categoria correspondente a esse peso. Tive uma evolução rápida pela experiência e prática que já tinha com a luta no passado. Em três meses de treinamento, ganhei três títulos.
Nesse meio tempo, reencontrei uma antiga namorada, a Andréia, com quem eu havia rompido quando estava nas ruas, nós reatamos e nos casamos em 2017.
Estou há quase dois anos limpo. O jiu-jítsu me salvou das drogas, juntamente com o apoio do eterno Deus e da minha família.
Eu me transformo quando coloco o quimono, a luta substitui a sensação de prazer que eu tinha com o crack, ela me traz disciplina, me ensina a encarar as frustrações e trabalha a minha falha
Quando meu adversário me finaliza e consegue fazer um ponto em mim, eu não posso ficar com raiva, eu compreendo que sou passível de erro e que nem tudo é perfeito. O problema do adicto é justamente esse, lidar com as extremidades, quando se está muito feliz é motivo de se drogar, quando se está muito triste, a mesma coisa. Já o esporte me ensina a constância, a ser a mesma pessoa todos os dias na vitória e na derrota. Não importa se eu ganhar ou perder, tenho de me comportar do mesmo jeito.
Tive algumas lesões e hoje em dia não estou mais competindo profissionalmente. Pratico o jiu-jítsu como lazer e como estilo de vida. Levo os princípios desse esporte para a minha caminhada: a disciplina, a paz interior, a determinação, a sabedoria, a longanimidade, o amor e o domínio próprio."
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