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Cientistas descobrem molécula que pode ajudar no diagnóstico de Alzheimer

Peptídeo desenvolvido na USP é capaz de se ligar à barreira que protege o sistema nervoso central e pode auxiliar na criação de novos exames para diagnóstico de doenças como Alzheimer e Parkinson - PNAS
Peptídeo desenvolvido na USP é capaz de se ligar à barreira que protege o sistema nervoso central e pode auxiliar na criação de novos exames para diagnóstico de doenças como Alzheimer e Parkinson Imagem: PNAS

André Julião

Da Agência Fapesp

09/05/2019 10h38

Uma molécula desenvolvida por pesquisadores brasileiros e norte-americanos e nomeada FRW apresentou em testes com camundongos a capacidade de se ligar apenas aos vasos sanguíneos do cérebro quando injetada na circulação. A técnica permitiu um mapeamento inédito do sistema vascular cerebral, abrindo caminho para a criação de novos exames de imagem para diagnóstico de doenças como Alzheimer e Parkinson.

O trabalho teve apoio da FAPESP e foi coordenado por Ricardo José Giordano, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). Os resultados foram publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

Como explicou Giordano, o principal obstáculo para o desenvolvimento de drogas capazes de se ligar aos vasos sanguíneos cerebrais é a chamada barreira hematoencefálica, estrutura que protege o sistema nervoso central de substâncias potencialmente tóxicas presentes no sangue. No entanto, os testes com camundongos mostraram que a ligação da FRW com os vasos cerebrais ocorre justamente na junção das células da barreira hematoencefálica.

Além de gerar um mapa vascular completo do cérebro, a nova técnica poderia também detectar a perda da integridade da barreira hematoencefálica, uma possível causa de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson.

"Teoricamente, se a FRW não se ligar ao sistema vascular cerebral, é sinal de que a barreira está prejudicada", disse Giordano à Agência Fapesp.

Para realizar o estudo, os pesquisadores usaram uma biblioteca de bacteriófagos (ou fagos), uma coleção de vírus capazes de infectar apenas bactérias. Por serem inofensivos a outros organismos, podem ser usados como carreadores de moléculas.

"Cada um dos fagos da biblioteca é modificado por meio de engenharia genética para ter em sua superfície um peptídeo [pedaço de proteína] diferente do que teria o vírus original. Esse peptídeo carrega um marcador, que é detectado quando se liga a proteínas específicas, sejam do sistema vascular do cérebro, de tumores, rins ou outras regiões do organismo", disse Giordano.

A técnica, conhecida como phage display, rendeu aos seus criadores - George P. Smith e Gregory P. Winter - o Prêmio Nobel de Química em 2018. Criada em 1985, foi adaptada para aplicação em animais vivos na década seguinte pela brasileira Renata Pasqualini, pesquisadora da Rutgers University, nos Estados Unidos, e uma das autoras do artigo publicado na PNAS.

A pesquisa começou a ser desenvolvida ainda em 2011, no projeto de iniciação científica de Fenny Hui Fen Tang, primeira autora do artigo. Posteriormente, Tang continuou o estudo durante o mestrado e o doutorado, concluído recentemente no IQ-USP.

Para chegar à molécula, os pesquisadores injetaram em camundongos uma biblioteca inteira, com cerca de 10 bilhões de fagos diferentes. Os vírus modificados circularam pela corrente sanguínea e, embora a maioria tenha sido eliminada pelo organismo, alguns se ligaram à vasculatura de diferentes órgãos e tecidos, entre eles à barreira hematoencefálica.

Esses fagos foram resgatados dos cérebros dos animais e cultivados em bactérias, a fim de que se multiplicassem. A nova geração de microrganismos foi injetada em outros camundongos para aprimorar a seleção e, após três ciclos, aproximadamente 3 mil fagos se ligaram aos vasos do cérebro.

"Nesse processo, os peptídeos com maior afinidade com o sistema vascular cerebral foram vencendo a seleção e aumentando em número", explicou Giordano.

Dos cerca de 3 mil peptídeos que aderiram à barreira hematoencefálica, em 1.021 estavam presentes uma sequência de três aminoácidos: fenilalanina, arginina e triptofano.

"Vimos que esse peptídeo é um marcador panvascular do cérebro, ou seja, reconhece todos os vasos cerebrais. Porém, não se liga a vasos de outros tecidos que também são protegidos por barreira, como os do cólon e do intestino", disse o pesquisador.

Para a surpresa do grupo de Giordano, a FRW não se ligou aos vasos da retina, até então considerada uma extensão do sistema nervoso.

"Acreditava-se que a barreira protetora dos vasos da retina era muito semelhante ou mesmo idêntica à barreira hematoencefálica. E acabamos vendo uma diferença, pelo menos nos camundongos, por conta dessa molécula", disse. Esse achado, por si só, dá margem a novos estudos sobre a chamada barreira hematorretiniana.

Molécula sintética

Diante de dificuldades para identificar o receptor celular em que os fagos se ligavam por técnicas bioquímicas, a equipe do IQ-USP se uniu a pesquisadores do Instituto Adolpho Lutz, em São Paulo. Especialistas na técnica de miscroscopia eletrônica por transmissão (TEM, na sigla em inglês), eles ajudaram não só a visualizar a molécula no cérebro dos animais vivos como demonstraram que a ligação com os vasos ocorre na junção das células da barreira hematoencefálica.

A estrutura é conhecida em inglês como tight junction ("junção justa", numa tradução livre), exatamente por ter uma "cola" tão forte que não deixa substâncias estranhas, nem mesmo a água, atravessarem a barreira hematoencefálica.

"Agora precisamos detalhar isso melhor, pois há várias moléculas que compõem essa estrutura", disse Giordano.

O passo seguinte foi sintetizar o peptídeo e averiguar se a versão produzida em laboratório teria a mesma ação da FRW nos animais. Os pesquisadores acreditam que a versão sintética também se liga aos vasos sanguíneos cerebrais, porém não foi possível visualizá-la in vivo.

Outro aspecto da pesquisa será explorar os demais peptídeos selecionados que não contêm FRW e selecionar os que permanecem em algumas regiões específicas do cérebro, como cerebelo, bulbo olfatório e os hemisférios, permitindo futuramente exames ainda mais específicos.