Será que o que você considera um problema em você realmente é?
Resumo da notícia
- A psicóloga norte-americana Susan Henkels prega a aceitação do que consideramos um defeito, ao questionar "e se não houver nada de errado com você?"
- Autoaceitação se mostrou mais eficiente para o crescimento pessoal e o que é defeito ou qualidade depende do ponto de vista
- Inclusive, aceitar suas características psicológicas é importante até mesmo para transformá-las em estímulos mais positivos
Cansada de ouvir os pacientes a listar seus inúmeros defeitos, ao longo de 45 anos de carreira, a psicóloga norte-americana Susan Henkels passou a rebatê-los com a seguinte pergunta: e se não houver nada de errado com você?
A experiência rendeu um livro com o mesmo título, "E se não houver nada de errado com você? - Uma Prática da Reinterpretação", assim como histórias interessantes. Como a que ela compartilhou, recentemente, em um TEDx nos Estados Unidos sobre seu encontro com um diretor de cinema. Após uma conversa rápida com a psicóloga, em tom desafiador, ele listou ali mesmo oito de seus defeitos, entre eles o transtorno opositivo desafiador (TOD).
Aos poucos, Henkels fez com que ele percebesse que aquela característica que muitas vezes o distanciava das pessoas estava por trás do sucesso de seu trabalho. "Na realidade, eu gostava mesmo de ficar sozinho, e assim conseguia escrever histórias e roteiros na minha cabeça. Pensando bem, o TOD me fez ser quem eu sou", contou a ela, por fim, o diretor.
Autoaceitação faz bem
Não que a autocrítica seja destrutiva em si, o excesso é que faz mal. "Quando exagerada, em vez de potencializar as capacidades do indivíduo, ela o limita", explica a psicóloga Marcia Epstein, professora do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo. Em contrapartida, a teoria de Henkels sugere a autoaceitação.
E a ciência já comprovou, aliás, que isso surte mais efeito quando o assunto é crescimento pessoal. Uma pesquisa da Universidade Carnegie-Mellon, dos Estados Unidos, publicada este ano na revista científica Proceedings of the National Academy of Science, mostrou que um aplicativo de meditação que incentivou a aceitação como parte da prática reduziu o impacto do estresse nos participantes do estudo.
De acordo com o psicólogo Antonio Carlos Amador Pereira, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), as cobranças demasiadas são resultado de nossas interações com o meio nos diferentes círculos sociais: família, escola, trabalho... "Todos eles dialogam entre si, isto é, são influenciados uns pelos outros", afirma.
E o que em algumas culturas pode ser um problema, segundo o professor, em outras, é visto como qualidade. "Por aqui, é comum a gente se tocar ao cumprimentar as pessoas. Já nos Estados Unidos, houve um caso de um menino de 6 anos que foi acusado de assédio sexual na escola por ter beijado a mão de uma coleguinha", exemplifica.
Defeito está nos olhos de quem vê
Nesse contexto, aceitar a si --e aos próprios defeitos -- pode ser também uma questão de ponto de vista. Para Pereira, o "defeito" (assim mesmo, entre aspas) em si não é o problema, mas o que é feito dele. "Até mesmo algumas patologias mentais podem gerar coisas boas, desde que canalizadas de forma positiva", diz. Foi o que aconteceu, afinal, com o diretor de cinema do início da reportagem.
O professor cita como exemplo também o Museu de Coleções Arenas, que visitou no Uruguai. O acervo, que inclui lápis, canetas, chaveiros, frascos de perfumes e cinzeiros, entre outros objetos, começou como uma brincadeira de infância de seu fundador, o uruguaio Emilio Arenas, e parte dele já entrou para o Livro Guinness dos Recordes Mundiais. "Ele pode ser considerado tanto um colecionador quanto um acumulador, não é mesmo? Depende da maneira como se enxerga", conclui.
Aceitação é diferente de resignação
Mas isso não significa que você precisa se resignar e ponto final. Tanto que Epstein prefere dizer "aceitar-se do jeito que a gente está" no lugar de "do jeito que a gente é", pois não somos seres fixos e podemos mudar aquilo que não nos agrada.
No entanto, aceitar é o primeiro passo para conseguir transformar. "Quando você se recusa a acolher algo, pode reprimir, disfarçar ou se distrair do fato de mil maneiras, o que só retarda a mudança que deseja", acredita a especialista.
Epstein ressalta que esse processo só acontece, então, a partir do autoconhecimento. Por isso, toda vez em que você ouvir a sua voz interna tagarelando na sua cabeça "você não é bom o suficiente" ou algo similar, ela recomenda prestar atenção ao que está acontecendo e de ter compaixão, adotar uma atitude de não-julgamento consigo mesmo e suas experiências. (Veja quais outros padrões de pensamento podem estar de boicotando).
Porque, como disse o escritor Fernando Sabino a gente faz o que pode: "o importante é que cada um seja do seu tamanho, nem maior, nem menor".
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