Doença não o tirou do esporte: "Para mim, escalar é mais fácil que andar"
Resumo da notícia
- Raphael Nishimura, 37 anos, tem distonia muscular, doença que dificulta a coordenação motora e locomoção
- Os pais sempre o incentivaram a ser uma pessoa independente: ir estudar, trabalhar, pegar ônibus sozinho
- Ele conheceu a escalada por meio de um amigo e se tornou um campeão do esporte
- A modalidade permite a Raphael testar os limites e capacidades do corpo, além de trazer uma sensação de liberdade incrível
"Até os oito anos meu corpo funcionava perfeitamente, mas, a partir dessa idade, comecei a apresentar alguns sintomas: tinha tremores no braço direito e falta de coordenação motora. Meus pais me levaram a vários médicos e tomei diversos remédios. Porém, nada produzia efeito e não descobriam o que eu tinha.
Com o tempo, a situação foi piorando, passei a ter movimentos involuntários no pescoço, nas pernas, na coluna. As partes afetadas sofriam torções, eu ficava todo curvado. Na fase mais crítica, tinha dificuldade para segurar os talheres para comer, só ficava sentado se apoiasse a cabeça na parede e não conseguia andar sozinho, só segurando nas pessoas e nos móveis.
Era difícil lutar contra algo que eu nem sabia o que era. Tinha muitas dúvidas, mas não podia desistir. Por um longo período recebi o diagnóstico errado de distrofia muscular, mas um médico constatou que eu não tinha perda de massa muscular. Ao avaliar os sintomas e por exclusão de doenças, aos 15 anos, fui diagnosticado com distonia muscular, um distúrbio neurológico caracterizado por contrações musculares involuntárias. Iniciei um tratamento ortomolecular e comecei a fazer natação.
Sempre fui cercado por pessoas que me apoiaram bastante. Meus pais me incentivavam a ser independente: eu estudava, trabalhava, procurava ter uma vida normal. Na época da faculdade, tinha que me virar sozinho, pegava ônibus, metrô, andava alguns passos, segurava nos postes, portões, descansava um pouco e continuava o meu trajeto. Era cansativo, mas me acostumei à rotina. Nas horas de lazer, saía com meus amigos para shoppings, cinemas, festas e baladas.
Em 2007, aos 26 anos, um amigo, o Fred, me convidou para escalar. Ele disse que a atividade trabalha e estimula todas as partes do corpo. Isso poderia trazer benefícios físicos, emocionais e somar à fisioterapia. Eu o acompanhei em uma aula, fiquei viciado e nunca mais parei.
O que me fascinou no esporte foi o desafio da altura, de testar os limites do meu corpo e da minha capacidade. Achei mais fácil escalar do que andar
Para mim, era um sufoco caminhar, enquanto escalar era tranquilo, eu parecia um gato na parede de tão rápido que subia. Eu praticava escalada indoor, dentro do ginásio, quatro vezes por semana. Seis meses depois, fiz um curso para escalar em rochas, mas sofri uma queda, quebrei o osso da mão esquerda, fiz uma cirurgia e fiquei cinco meses engessado.
Minha maior dificuldade no esporte era convencer minha mãe a me deixar fazer a atividade (risos). Ela achava perigoso, mas eu explicava que era seguro. Outros obstáculos eram as trilhas, que às vezes duravam uma hora e meia para chegar ao ponto de partida.
A escalada é um esporte que não pode ter erro, porque se o praticante errar, ou ele vai cair ou vai derrubar alguém. A comunidade da escalada me acolheu muito bem, ninguém nunca duvidou das minhas habilidades e nem teve preconceito comigo por causa da minha deficiência.
Meu maior desafio foi escalar os 270 metros de altura do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro. Foram cinco horas de subida até chegar ao topo da pedra. Foi uma experiência surreal, a vista de lá é fantástica
Em 2011, o Fred assistiu a um mundial no exterior, viu que eu estava no mesmo nível dos outros atletas e sugeriu que eu começasse a competir profissionalmente para estimular pessoas com deficiência a praticar algum esporte. Aceitei a ideia, percebi que minha experiência poderia ajudar o próximo. Eu me preparei por seis meses, parei de sair, de tomar bebida alcoólica e mudei minha alimentação. Fiquei totalmente focado, treinava três horas um dia sim um dia não.
No mesmo ano participei de um campeonato de escalada com outros competidores que não tinham nenhuma deficiência. Foi aí que percebi a necessidade de se criar uma categoria de para-escalada no país e idealizei o Paraclimbing Brasil, que consiste em divulgar a modalidade e busca a inclusão de deficientes físicos.
A escalada me transformou em uma nova pessoa: a sensação de liberdade é incrível
Em 2012, fui vice-campeão do Mundial de Paraclimbing, na França. Foi um torneio particularmente especial porque eu não tinha nenhuma pretensão de vencer. Fui só para conhecer esse universo de competição e consegui me superar. Mobilizei meus familiares e amigos para me ajudarem a pagar a viagem, fiz rifas, vendi adesivos e camisetas personalizadas. No mesmo ano, fui ouro no Campeonato Brasileiro de Escalada e, desde então, conquistei outros títulos.
Com o esporte, ganhei qualidade de vida, minha mobilidade e condicionamento físico melhoraram, eu viajei para vários lugares dentro e fora do Brasil, conheci bastante gente e culturas diferentes. A escalada me transformou em uma nova pessoa, quando escalo, fico com a mente zerada, a sensação de liberdade é incrível".
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