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Injeção de extrato feito com gordura do paciente é proibida nos EUA

Clínicas estão oferecendo extrato feito com gordura do paciente que promete conter células-tronco e tratar uma série de lesões e doenças, mas isso não foi comprovado cientificamente  - iStock
Clínicas estão oferecendo extrato feito com gordura do paciente que promete conter células-tronco e tratar uma série de lesões e doenças, mas isso não foi comprovado cientificamente Imagem: iStock

Denise Grady

Do New York Times

20/06/2019 12h15

Uma decisão judicial deste mês que determina a interrupção de tratamentos questionáveis com células-tronco em uma clínica na Flórida é amplamente vista como um aviso para uma indústria em crescimento, que atraiu um grande número de pacientes pagando milhares de dólares por procedimentos não comprovados e arriscados.

Mas, com pouca fiscalização regulamentar nas centenas de clínicas que operam essas empresas lucrativas pelos EUA, é muito cedo para dizer até que ponto ela pode impactar.

A decisão, de um tribunal federal no dia três de junho, deu poderes à Administração de Alimentos e Drogas (FDA) de proibir a U.S. Stem Cell, uma clínica privada em Sunrise, na Flórida, de injetar nos pacientes um extrato feito de sua própria gordura abdominal.

A clínica havia afirmado que o extrato continha células-tronco com poderes curativos e regenerativos, que poderiam tratar uma série de doenças e lesões, desde problemas nas costas até o mal de Parkinson, artrite e doenças cardíacas e pulmonares.

Mas os peritos médicos dizem que não há nenhuma prova de que esses tratamentos funcionem, e três pacientes, cada um deles pagando US$ 5 mil pelo tratamento na U.S. Stem Cell em 2015, ficaram cegos depois que os extratos de gordura foram injetados em seus olhos para tratar a degeneração macular.

Ao aceitar o pedido de uma liminar contra a clínica feito pela FDA, a juíza Ursula Ungaro concordou com a agência em que a extração de células-tronco da gordura requer tanto processamento que o resultado acaba sendo um medicamento. Essa alteração coloca tais tratamentos sob a jurisdição da FDA, que tem autoridade para regular drogas.

"Há uma probabilidade razoável de que os réus continuem a violar a Lei de Alimentos, Drogas e Cosméticos", a legislação federal que dá à FDA sua autoridade reguladora, escreveu Ungaro. Ela também observou que, quando a agência advertiu a U.S. Stem Cell sobre práticas inseguras, a resposta da empresa não foi a correção dos problemas, mas o uso do argumento de não estar sujeita à regulamentação da FDA.

Melissa Shuffield, porta-voz da U.S. Stem Cell, disse que a empresa vai decidir se recorrerá da decisão uma vez que a liminar formal seja emitida. A empresa concordou em parar de realizar o procedimento.

Embora a decisão do tribunal seja válida apenas no distrito onde foi emitida, ela pode influenciar os juízes em outras áreas com casos semelhantes. Cerca de 500 clínicas contam com procedimentos similares envolvendo gordura, estimam os especialistas. Mas ainda não está claro, nesta fase inicial, se as empresas vão acatar o aviso legal.

"Tenho a sensação de que muita gente vai ficar assustada com isso", disse Paul Knoepfler, pesquisador de células-tronco da Universidade da Califórnia, em Davis.

"Alguns médicos se preocupam com a FDA, mas é surpreendente como muitos não o fazem. Eles vão em frente, a menos que estejam diretamente envolvidos com algum tipo de ação. Mas acredito que uma decisão de uma juíza distrital federal pode ter um significado maior do que apenas um aviso vago da FDA."

Embora considere a decisão um passo positivo, Knoepfler disse: "Acho uma vergonha que tenha demorado tanto tempo para chegar a esse ponto. Pessoas foram prejudicadas nesse meio-tempo."

Ele disse que o dr. Scott Gottlieb, ex-chefe da FDA, merecia grande parte do crédito por fazer a agência tentar controlar os tratamentos com células-tronco.

Algumas clínicas podem continuar a fornecê-los, esperando que a FDA não inicie uma repressão mais ampla, enquanto outras podem levar suas operações para o exterior ou adotar outras injeções não comprovadas com células-tronco, derivadas de medula óssea, do sangue do cordão umbilical ou de tecidos de recém-nascidos, como a placenta ou membranas amnióticas.

A indústria cresceu tão rapidamente que a FDA não foi capaz de acompanhar. Sem os recursos para verificar todas as clínicas e empresas, a agência adotou o que chama de uma abordagem "baseada no risco", indo atrás daquelas que prejudicaram os pacientes ou que comprovadamente usaram procedimentos arriscados ou talvez prejudiciais.

Mas essa estratégia significa que, em alguns dos piores casos, a agência só agiu depois que as pessoas foram prejudicadas.

"Há muitos casos de empresas que fazem afirmações infundadas sobre o potencial preventivo e curativo do tratamento com células-tronco, e por isso estamos empenhados em tomar medidas e proteger os pacientes", escreveu em um e-mail a porta-voz da FDA, Stephanie Caccomo.

Mas em 2017 a agência deu às empresas de células-tronco um período de carência de três anos, ao longo do qual basicamente fez vista grossa e esperou que elas perguntassem quais regras se aplicavam a elas e o que precisariam fazer para se adaptar. O período termina em novembro de 2020, mas poucas responderam.

Embora autoridades da FDA tenham alertado que, uma vez que o prazo se esgote, haverá o controle da agência, muitas "ações de execução" passadas consistiram em cartas de advertência praticamente inofensivas.

Leigh Turner, professor associado do centro de Bioética da Universidade de Minnesota, considerou a decisão do tribunal "significativa". Mas acrescentou: "Isso não vai fazer com que centenas de empresas desapareçam automaticamente. Algumas vão perceber que não estão dispostas a enfrentar a FDA, e outras podem continuar com os procedimentos baseados na gordura, e dizer: 'A FDA terá de nos confrontar uma por uma'", disse ele.

Em um estudo recente, Turner encontrou 716 clínicas de células-tronco nos Estados Unidos, um número que supõe ser maior. Provavelmente, o total real é de mais de mil, estimou, e um pouco mais da metade está vendendo injeções derivadas de gordura, como as dadas pela U.S. Stem Cell.

A próxima fonte mais popular de células-tronco é a medula óssea, que também não tem a aprovação da FDA, exceto quando é usada para tratar o câncer ou certas doenças genéticas.

Ele acredita que algumas clínicas poderiam mudar da gordura para a medula ou para outras substâncias que alegam ter células-tronco: sangue do cordão umbilical, o próprio cordão ou extratos das membranas amnióticas ou da placenta. Tais tratamentos também não são comprovados nem aprovados pela FDA (embora o sangue do cordão umbilical seja aprovado para tratar a leucemia).

Os produtos dos tecidos do recém-nascido são os favoritos de algumas clínicas, porque podem apenas ser comprados e injetados, e não exigem procedimentos nem equipamento para coletar sangue, gordura ou medula óssea dos pacientes.

Alguns desses tratamentos causaram danos reais. Em dezembro, 12 pessoas foram internadas com graves infecções no sangue, nas articulações ou na coluna após receberem injeções com sangue de cordões umbilicais cheio de bactérias. O produto foi feito pela Genentech e distribuído pela Liveyon, ambas da Califórnia.

A U.S. Stem Cell, na Flórida, já oferece tratamentos feitos a partir de tecidos de recém-nascidos e da medula óssea, e disse que planeja continuar fazendo isso, mesmo tendo afirmado que vai obedecer à ordem judicial e parar de usar extratos de gordura.

Em teoria, disse Turner, a FDA e os tribunais podem aplicar o mesmo raciocínio usado nos tratamentos derivados de gordura para alguns outros produtos de células-tronco: a quantidade de processamento necessário pode transformar o produto final em uma droga, sujeitando-o à supervisão e às regras da FDA.

Especialistas em pulmão dizem estar especialmente preocupados com o agressivo marketing on-line de células-tronco para pessoas com fibrose pulmonar, uma doença mortal de difícil tratamento. Uma fundação dedicada à doença advertiu os pacientes de que "os tratamentos experimentais fornecidos por centros comerciais de células-tronco não regulamentados têm o potencial de causar grande dano aos indivíduos que enfrentam essa doença grave".

Há ensaios clínicos legítimos de células-tronco para doenças pulmonares, mas não nas clínicas com fins lucrativos, disse a fundação.

A dra. Sonye K. Danoff, pneumologista do Johns Hopkins Medicine, disse que viu dois pacientes há vários anos com doença pulmonar grave que haviam sido atraídos para clínicas na Flórida. Seu sangue foi tirado, então "aconteceu o hocus-pocus", disse ela, e o sangue foi injetado de volta.

Não houve nenhum efeito aparente, e ambos os pacientes, que pagaram entre US $15 mil e US$ 20 mil pelo tratamento, acabaram achando que foram lesados. Os dois acabaram morrendo da doença pulmonar.

"Elas visam pessoas que estão desesperadas. Ontem, na clínica, um paciente disse: 'Ei, vi um anúncio desse lugar, eles têm esse tratamento celular que pode curar.' Essa é uma prática incrivelmente enganosa", disse Danoff.

Knoepfler e Turner sugeriram que a sentença judicial poderia fazer com que algumas empresas de células-tronco abrissem clínicas no exterior. Uma empresa, a Regenexx, montou uma clínica nas Ilhas Cayman depois que perdeu um caso judicial e foi proibida de tratar pacientes com células-tronco da medula óssea, que estavam sendo cultivadas para aumentar seus números. (A FDA considera arriscada a cultura e multiplicação das células no laboratório, porque podem gerar mutações e até mesmo células cancerosas.)

Uma empresa do Texas, a Celltex, que usa gordura e cultura de células, levou seus tratamentos para o México após ter recebido avisos da FDA. Ela ainda faz os extratos de gordura no Texas, mas os pacientes devem ir a Cancún para o tratamento.

O dr. Aaron S. Kesselheim, professor de medicina em Harvard, que também dá aulas na Escola de Direito de Yale, disse: "É um bom sinal que a FDA tenha convencido a juíza de que esse procedimento passa dos limites. Também é bom porque há riscos substanciais associados a ele."

A decisão também deve colocar outras clínicas de sobreaviso, afirmou ele. Mas acrescentou que a FDA precisa de mais recursos para perseguir outros casos, porque as clínicas atuam com pouca supervisão.

Patricia Zettler, especialista em regras da FDA e professora assistente da Faculdade de Direito Moritz, da Universidade Estadual de Ohio, chamou a decisão judicial de "uma vitória preliminar, mas importante, para a FDA e para a saúde pública".

Ela foi boa para outro caso, observou, em que a agência busca uma liminar contra outra clínica de células-tronco, a Cell Surgical Network, em Beverly Hills e Rancho Mirage, na Califórnia, com dúzias de afiliadas por todo o país. Um paciente da Flórida ficou cego depois que uma dessas afiliadas injetou um extrato de gordura em seus olhos.

Mas, em um e-mail, um dos fundadores da rede, o dr. Mark Berman, disse que a U.S. Stem Cell não deveria ter perdido o caso, e acrescentou: "Isso não vai acontecer com a gente." Ele disse que seus tratamentos à base de gordura usam partes do corpo do próprio paciente e não drogas, e não devem ser regulamentados pela FDA.

Michael Werner, cofundador e conselheiro de políticas da Aliança para a Medicina Regenerativa, um grupo de defesa de pacientes e empresas envolvidos em terapia genética e celular e em engenharia de tecidos, disse que a decisão da juíza de encerrar os tratamentos da U.S. Stem Cell foi "um acontecimento realmente encorajador".

A equipe da clínica, disse ele, "está manipulando e processando células humanas e administrando-as a uma pessoa, e faz isso sem um ensaio clínico, sem a aprovação do produto. Também garante a eficácia desse tratamento, que não está comprovada".

"Assim, o que a FDA disse é: 'Você não pode fazer isso'", concluiu Werner.