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Multa paga a quem teve problema com vacina mostra que imunização é segura

Em uma foto do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, um menino com sarampo em 1963 - Centers for Disease Control and Prevention via The New York Times
Em uma foto do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, um menino com sarampo em 1963 Imagem: Centers for Disease Control and Prevention via The New York Times

Pam Belluck e Reed Abelson

Do New York Times

29/06/2019 04h00

Numa época em que a falta de imunização das crianças está causando o maior surto de sarampo em décadas, uma base de dados pouco conhecida oferece uma maneira de avaliar a segurança das vacinas.

Nos últimos doze anos nos Estados Unidos, aproximadamente, foram aplicadas cerca de 126 milhões de doses da vacina contra o sarampo, uma doença que já chegou a infectar milhões de crianças americanas e matava entre 400 e 500 pessoas por ano. Durante esse período, 284 pessoas apresentaram queixas de danos causados por essas imunizações por meio de um programa federal criado para compensar quem se sentisse prejudicado de alguma forma pelas vacinas. De todas as queixas, mais ou menos metade foi descartada, enquanto 143, compensadas.

As informações são do Programa Nacional de Indenização por Danos de Vacinas, um sistema que não levava em conta a culpa do requerente, estabelecido em 1988 por uma lei federal para servir de lugar onde queixas relacionadas a danos causados por vacinas pudessem ser registradas e avaliadas. Hoje em dia, é responsável por atender a reclamações relacionadas a 15 vacinas infantis e à imunização anual contra a gripe.

Durante as três últimas décadas, em que bilhões de doses de vacinas foram dadas a centenas de milhões de americanos, o programa indenizou perto de 6.600 pessoas por danos que alegavam ter sido causados pelas vacinas. Cerca de 70 por cento dos prêmios foram acordos em casos em que as autoridades do programa não encontraram evidência suficiente de culpa da imunização.

"Os prejuízos causados por vacinas são raros", afirmou Renée Gentry, advogada que, há 18 anos, representa requerentes que entram com reclamação por danos causados por vacinas. Mesmo assim, disse, "elas são produtos farmacológicos e as pessoas podem reagir a elas - você pode ter uma reação à aspirina. Elas não funcionam com mágica".

Nos últimos anos, a maior parte dos pagamentos feitos pelo programa está relacionada à vacina contra a gripe e os casos envolviam majoritariamente adultos. Desde que o programa foi criado, já foram pagos 4,15 bilhões de dólares (quase 16 bilhões de reais) em indenização. Uma pequena parcela das reclamações envolvia óbito. Em 30 anos, aproximadamente 520 queixas de morte foram indenizadas. Quase metade delas envolvia uma vacina antiga contra a coqueluche que há duas décadas não é mais usada.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) estimou que as vacinas preveniram mais de 21 milhões de hospitalizações e 732.000 mortes entre crianças em um período de 20 anos.

Os dados mostram que a probabilidade de uma pessoa vir a sofrer graves consequências ao contrair o sarampo é muito maior do que ao tomar a vacina contra o sarampo. Cerca de 1 em 4 pessoas infectadas pelo sarampo é hospitalizada e, para cada mil pessoas infectadas, existe o risco de morte para 1 a 2 pessoas, segundo informações do CDC. Como base comparativa, queixas de malefícios oriundos da vacina contra o sarampo foram registradas a cada 2 entre 1 milhão de doses.

Houve cerca de duas reclamações de danos para cada milhão de doses de todas as vacinas distribuídas nos Estados Unidos de 2006 até 2017, período em que foram rastreadas as informações de doses. Segundo os mesmos dados, mais de 3,4 bilhões de doses de vacina foram distribuídas durante aquele período.

A raridade das queixas é especialmente notável porque o programa facilita a abertura de processo. Segundo Narayan Nair, que supervisiona o programa como diretor da divisão de programas de indenização por danos do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, normalmente o programa arca com os honorários dos advogados e peritos criminais dos requerentes, independentemente de serem indenizados ou não.

A indenização por morte está limitada a 250.000 dólares (957.000 reais). Em casos de danos à saúde, não há limite para a cobertura do programa em matéria de despesas médicas, perdas salariais e outros custos. Os dois maiores valores pagos até hoje estão entre 32 e 38 milhões de dólares (122 a 145 milhões de reais) por queixas envolvendo crianças prestadas há aproximadamente 20 anos, segundo relatado por autoridades do programa.

Nair descreveu o mote do programa como "a vacina é culpada, a não ser que se prove inocente". Fica disponibilizada uma tabela com uma lista dos males e das condições que poderiam ser causadas por cada vacina dentro de uma determinada janela de tempo após a aplicação. Entre eles, desmaio, obstrução intestinal e encefalite. Nair garantiu que, se as condições médicas de alguém forem compatíveis com a descrição da tabela, "ele ou ela recebem presunção de causalidade".

O programa também faz acordo em casos em que não se determina a culpa da vacina pela lesão. O caso ainda pode ir para o que é informalmente conhecido como tribunal da vacina, em que especialistas no assunto podem exigir a indenização.

Uma condição que não está na lista de possíveis efeitos colaterais das vacinas é o autismo. No início dos anos 2000, depois que um estudo, que se provou falso, tentou relacionar o autismo a vacinas, o programa recebeu muitos milhares de queixas. O assunto foi avaliado à exaustão por diversos anos pelos tribunais federais, que, em última instância, julgaram, segundo evidências, que o autismo comprovadamente não é causado por vacinas e, portanto, essa não seria uma queixa legítima a ser feita ao programa de indenização. Todas as acusações relacionadas ao autismo foram indeferidas.

O governo tenta tornar conhecido o programa, imprimindo o número de telefone de contato e o website nas declarações de imunização entregues pelos médicos aos pacientes após receberem as vacinas. Existe ainda uma comissão de consultoria do programa, cujos membros incluem pais e mães de crianças prejudicadas por vacinas, que avalia qualquer sugestão de condição ou lesão ainda desconhecida relacionada a elas, contou H. Cody Meissner, vice-presidente da comissão de consultoria e professor de pediatria da Escola de Medicina da Universidade Tufts.

Os que não acreditam na eficácia das vacinas e aqueles que se opõem a elas, às vezes, alegam que a própria existência do programa sugere que a periculosidade delas é maior do que o indicado pelas evidências médicas. Algumas pessoas consideram alarmante a quantidade de dinheiro já paga aos requerentes durante a existência do programa.

"Se vacinas não são prejudiciais, por que o fundo de indenização já pagou 4.061.322.557,08 bilhões de dólares (mais de 15 bilhões de reais) por danos causados por vacinas?", questionou o deputado Bill Posey, republicano da Flórida, em uma carta defendendo o direito dos pais de tomar suas próprias decisões sobre imunizar ou não os filhos.

No entanto, especialistas em saúde pública observam que esses dados são, na verdade, uma evidência da segurança das vacinas. "A esmagadora maioria das vacinas dadas é completamente segura e não foi associada a nenhum tipo de efeito adverso. Isso mostra o contrário absoluto do que o movimento antivacina está tentando divulgar", declarou Meissner.

Gentry, codiretor do Escritório de Litígio para Danos Causados por Vacinas na Faculdade de Direito da Universidade George Washington, informou que a vasta maioria das reclamações é aberta por pessoas que acreditam em vacinas. "Fomos chamados de todos os tipos de coisas malucas, incluindo antivacina. Não somos. A irmã do meu sócio no escritório de advocacia passou a vida em uma cadeira de rodas porque teve poliomielite; eu gostaria que ela tivesse tomado a vacina", relatou.

Uma proporção cada vez maior de reclamações recentes, cerca de metade de todas as petições desde 2017, não envolve a vacina em si. Em vez disso, refere-se a lesões nos ombros, normalmente em adultos, ocasionadas por incompetência do profissional responsável pela aplicação, que ou pode ter injetado a vacina alto demais no ombro ou no espaço da articulação, em vez de no tecido muscular, levando a uma resposta inflamatória e consequente dor nos ombros e limitação de movimentos.

Angela Barry, que apresentou uma queixa ao Programa de Compensação de Lesões por Vacinas após uma vacina de tétano administrada inadequadamente ferir seu ombro - Wes Frazer/The New York Times - Wes Frazer/The New York Times
Angela Barry, que apresentou uma queixa ao Programa de Compensação de Lesões por Vacinas após uma vacina de tétano administrada inadequadamente ferir seu ombro
Imagem: Wes Frazer/The New York Times

Angela Barry, de 58 anos, professora da quinta série em Niceville, na Flórida, relatou que sentiu uma dor intensa instantaneamente e mal conseguia erguer o braço quando recebeu a vacina antitetânica em uma farmácia, depois de ter sido arranhada no rosto por seu gato em 2015. Em seguida, contou ter descoberto que a pessoa responsável por lhe administrar a imunização tinha acabado de se formar e aparentemente aplicou a vacina no lugar errado. Barry acabou precisando de injeções de corticoide, cirurgia e meses de fisioterapia.

Ela disse que não demorou para reportar o incidente ao Sistema de Registro de Efeitos Adversos de Vacinas, mantido pelo CDC e pela FDA (agência federal norte-americana responsável pelo controle de alimentos e remédios). Durante o processo, ficou sabendo do programa de indenização. Este entendeu que a lesão dela fora causada pela vacina e arcou com as despesas médicas que ela teve e com as futuras que poderá vir a ter. Barry afirma que ainda toma vacinas. "Não gostaria que alguém escutasse essa história e dissesse: 'Olha aí, outra razão para não tomar vacina'", acrescentou.

Meissner comentou que as autoridades de saúde pública agora enfatizam às instituições responsáveis por treinar os profissionais de saúde que ensinem a administrar vacinas sem machucar o ombro das pessoas.

Muitas das queixas de lesões nos ombros envolvem a vacina contra a gripe, que o programa começou a cobrir em 2005. As vacinas contra a gripe - que as autoridades federais recomendam a adultos e crianças anualmente - foram responsáveis por aproximadamente dois terços das queixas indenizadas de 2006 a 2017. Durante o mesmo período, as imunizações contra a gripe representaram cerca de 44 por cento de todas as doses vacinais dos Estados Unidos.

Por causa da vacina contra a gripe, as queixas feitas no programa hoje em dia envolvem um número muito maior de adultos do que de crianças. Ela também tem levado a um número muito maior de acusações envolvendo a síndrome de Guillain-Barré, um distúrbio neurológico raro em que o sistema imunológico passa a atacar o corpo.

Para todas as vacinas, a maior proporção de queixas - 26 por cento - alega algum dano não listado como uma consequência verificada ocasionada por uma vacina. Mesmo assim, as pessoas ainda podem receber indenização se provarem que foi a vacina que causou o dano.

Especialistas médicos argumentam que os resultados do programa são prova de que as vacinas são bem estudas antes de serem aprovadas para uso público. Por exemplo, entre 2006 e 2017, 311 queixas envolveram a vacina do HPV, aprovada em 2006, que previne o câncer de colo de útero. Menos da metade recebeu indenização. Durante o mesmo período, cerca de 112 milhões de doses foram administradas, ou seja, houve mais ou menos três queixas para cada 1 milhão de doses. Em comparação, mais de 2 entre cada 100.000 mulheres americanas morrem de câncer de colo de útero, segundo estatísticas federais.

A vacina antitetânica é considerada tão vital que 576 milhões de doses que a contêm (normalmente em conjunto com difteria e coqueluche) foram administradas de 2006 a 2017 - e 719 queixas de lesões relacionadas a ela foram indenizadas, segundo os dados informados.

Ser infectado por tétano pode ser devastador, como um caso de 2017 no Oregon mostrou. De acordo com um relatório do CDC sobre esse caso, um menino de seis anos, não vacinado, desenvolveu o tétano depois de ter a testa cortada e precisou ficar 57 dias no hospital.

Durante grande parte desse tempo, ele teve tanta dor em decorrência de espasmos musculares que precisou ser mantido em um quarto escuro usando tampões de ouvido. O custo do tratamento superou os 800.000 dólares (mais de 3 milhões de reais). O custo das cinco doses necessárias da antitetânica, que teria evitado o sofrimento da criança, é de aproximadamente 150 dólares (574 reais).

Em circunstâncias muito raras, as vacinas podem levar ao óbito. Uma pessoa pode entrar em choque anafilático ou ter um caso fatal da síndrome de Guillain-Barré. Desde 1988, mais da metade das 1.300 queixas de morte foram indeferidas porque o programa não encontrou evidências suficientes de que a vacina fosse a responsável.

Aproximadamente 90 das 520 queixas de mortes indenizadas envolviam a vacina contra a gripe. Quase metade das queixas de mortes indenizadas envolvia a DTP, uma vacina dada no início da vida que protege contra difteria, tétano e coqueluche. A formulação da vacina contra a coqueluche que envolvia a célula inteira foi substituída nos anos 1990 por versões acelulares, que são usadas hoje nas vacinas DTP-acelular e Tdap.

O programa de indenização de vacinas foi criado porque uma enxurrada de processos legais, especialmente aqueles envolvendo a DTP, estava levando empresas farmacêuticas a abandonar o mercado das vacinas. Autoridades de saúde pública e o Congresso temiam que não sobrassem fabricantes suficientes para o fornecimento de vacinas cruciais.

Uma lei de 1986 estabeleceu o fundo indenizatório, financiado por um imposto pago por produtores de vacinas no valor de 75 centavos de dólar por dose. A lei funciona como um escudo de responsabilidade para as farmacêuticas: quem alegar prejuízo à saúde precisa primeiro buscar reparação junto ao programa de vacina no Tribunal Americano de Queixas Federais e ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos antes de processar um fabricante.

Há um acúmulo de aproximadamente 2.800 casos que precisam ser resolvidos, um processo que demora, em média, de dois a três anos. Se as pessoas não aceitarem a indenização oferecida ou se a queixa delas não for atendida, elas podem processar legalmente o fabricante da vacina. No entanto, segundo Gentry, uma vez que o programa exige "um número mais baixo de provas" do que um tribunal civil, seria difícil ganhar uma ação legal baseada na mesma alegação.

"Depois de ter passado pelos procedimentos do programa, se você perder, provavelmente não vai tomar a próxima medida, que seria processar judicialmente", ponderou.

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