Hepatite pode evoluir para um câncer e é silenciosa; como evitar doença
Resumo da notícia
- Hepatite é o termo genérico que define uma infecção ou inflamação no fígado
- O tipo da doença mais comum no Brasil é o C, seguido pelo B e o A
- Vírus que provocam hepatites podem ser transmitidos por relação sexual sem proteção, sangue, alimentos e água contaminados
- A doença também pode ser causada por excesso de gordura no fígado, devido à obesidade, consumo de álcool, dieta ruim
- O problema geralmente é silencioso, mas a pessoa pode ter sintomas como febre, cansaço e dor abdominal
- A melhor forma de prevenção é se vacinar, além de higienizar bem alimentos e fazer sexo com proteção
Se você pensa que educação custa caro, imagine a ignorância. Esta frase, geralmente utilizada para justificar o benefício do alto investimento em escolaridade, aplica-se muito bem à saúde. No caso da hepatite, não conhecer a presença da doença faz que se percam anos de um possível tratamento e permite que a doença avance e se espalhe.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2018, os casos de hepatite no Brasil mais que dobraram em homens com idade de 20 a 39 anos, grupo mais exposto à enfermidade. No ano anterior, foram registrados 40.198 novos eventos.
Para todas essas pessoas, superar a falta de informação, a própria vulnerabilidade, o estigma e a discriminação pode ter um custo ainda maior. A boa notícia é que o SUS (Sistema Único de Saúde) oferece tratamento para todos os tipos de hepatite, independentemente do grau da doença.
O que é a hepatite?
Hepatite é o termo genérico que define uma infecção ou inflamação no fígado. Esse órgão é conhecido como o filtro do organismo. É ele o encarregado de processar alimentos, filtrar o sangue e combater infecções. O uso pesado de álcool, drogas, alguns tipos de medicamentos e até determinadas doenças podem afetá-lo.
Outra situação capaz de atrapalhar o funcionamento do fígado é a infecção por vírus. Nesses casos, as hepatites são classificados pelas letras do alfabeto: A, B, C, D e E. Em nosso país, 70% das mortes por hepatites virais decorreram dos tipos mais comuns entre nós: a C, seguida pela B e a A.
De forma menos comum, o fígado pode também ser acometido por hepatites consequentes a doenças autoimunes ou por depósito excessivo de metais como o ferro (hemocromatose) ou cobre (doença de Wilson), problemas associados a alterações genéticas.
Como acontecem as infecções virais
- Hepatites A e E São transmissíveis por meio do consumo de água e alimentos contaminados. Os médicos podem se referir a esse tipo de contaminação como transmissão oral-fecal.
- Hepatite B É considerada uma IST (Infecção Sexualmente Transmissível, antes denominada DST). Logo, a infecção se dá, principalmente, por relações sexuais sem proteção. Contudo, pode haver contágio por via sanguínea —nesse caso, decorrerá, por exemplo, do compartilhamento de seringas, agulhas, lâminas de barbear, alicates de unha e outros objetos cortantes ou que furem.
- Hepatite C Seu contágio é percutâneo, ou seja, sangue contaminando outro sangue. Estamos falando de todo utensílio que perfura a pele (alicates, instrumentos cirúrgicos, seringas, agulhas etc.). E até por relações sexuais sem proteção o vírus se espalha, basta que haja alguma lesão na mucosa local.
- Hepatite D ou Delta Requer sempre a companhia do vírus B para se multiplicar. Ele é mais comum na região amazônica ocidental. A transmissão se dá por via sanguínea e por relações sexuais sem proteção.
- Hepatite E Mais rara no Brasil. Como na hepatite A, a transmissão se dá na forma oral-fecal. Cuidados como consumir somente água tratada, bom cozimento dos alimentos, especialmente carne suína (o vírus pode afetar rebanhos suínos), ajudam na prevenção.
Atenção: nas hepatites B, C e D, a transmissão dos vírus pode se dar por meio da chamada transmissão vertical, isto é, ocorre durante a gravidez ou no parto.
Obesidade também causa hepatite
Para além desses vírus, a hepatite também pode ter como causa o acúmulo de gordura no fígado (esteatose hepática). Atualmente, em razão do aumento da obesidade e hábitos ruins da vida moderna, esse quadro é comum.
O acúmulo de gordura no órgão inicia um processo inflamatório local e crônico, que leva o indivíduo a evoluir para a esteato-hepatite não alcoólica, que pode progredir para cirrose em 10, 20 ou 30 anos, adverte o médico Mário Guimarães Pessoa do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Quais são os possíveis sintomas
As enfermidades hepáticas têm a característica de serem silenciosas —ou seja, demoram para apresentar sintomas porque o órgão não possui nervos em seu interior. Assim, a maioria das pessoas não terá sinal algum da doença.
Entretanto, pode acontecer que, em uma infecção aguda, aquela que aparece de repente e dura apenas algumas semanas (de duas a seis semanas), ou até mesmo nas crônicas, quando a infecção já ocorreu há mais de seis meses, os seguintes sintomas se manifestem.
- Febre
- Cansaço
- Perda do apetite (rejeitando carne vermelha, inclusive)
- Náuseas
- Vômito
- Dor abdominal
- Urina escura (colúria)
- Fezes claras
- Dor articular
- Pele e olhos amarelos (Icterícia)
- Tontura
- Mal-estar
- Rejeição ao cigarro, quando a pessoa é fumante
Quem precisa ficar atento
As infecções agudas mais comuns, isto é, as hepatites B e C, podem tornar-se crônicas e ter como consequência doenças como a cirrose e câncer de fígado.
Já as hepatites crônicas podem levar anos ou até décadas para evoluírem. Contudo, essa deterioração contínua do fígado poderá resultar em cirrose, insuficiência hepática e câncer. Importante saber que, mesmo sem a doença ativa (sem sintomas), um portador de hepatite C ou B pode transmiti-la a outras pessoas.
Grupos determinados são mais suscetíveis à infecção viral. Isso porque estão mais expostas aos fatores de risco que você vê a seguir:
Hepatite B
- Homens que fazem sexo com outros homens;
- Pessoas que usam drogas injetáveis;
- Pessoas com HIV;
- Convívio ou relação com pessoas que tenham Hepatite B;
- Pacientes submetidos à terapia imunossupressora;
- Pessoas no estágio final de doença renal (incluídas as que fazem hemodiálise);
- Indivíduos com hepatite C;
- Pacientes com alta taxa no exame ALT ou TGP (que revela eventual lesão no fígado);
- Mulheres grávidas;
- Filhos de mulheres infectadas pelo vírus B.
Hepatite C
- Usuário (ou ex) de drogas injetáveis, incluindo quem fez uso uma única vez muitos anos atrás;
- Todos os nascidos entre 1945 e 1965;
- Pessoas que receberam fatores de coagulação sanguínea antes de 1987;
- Recebedores de transfusão sanguínea ou transplante de órgãos antes de 1992. A partir desse ano, os doadores passaram a ser testados para investigar a presença do vírus da hepatite C;
- Quem fez cirurgia cardíaca até 1995;
- Pacientes que fazem hemodiálise há anos
- Indivíduos que se expuseram ao vírus, como enfermeiros, socorristas, ou manipularam recipientes com sangue ou órgão de doador infectados com Hepatite C;
- Pessoas com HIV;
- Crianças nascidas de mães com Hepatite C.
Como é feito o diagnóstico da hepatite
Seja na hepatite aguda, seja na crônica, o médico deve conversar com o paciente para investigar alguma pista de um possível contágio. Na hepatite aguda, em cerca de 30% dos pacientes os sintomas podem estar presentes. Neste caso, serão solicitados exames específicos para cada vírus (A, B ou C).
A ideia é descartar uma eventual hepatite decorrente do uso de medicamentos. Além disso, são investigadas as funções do fígado por meio de exames que mostram a presença de inflamação, explica Adriana Zuollo, médica do Serviço de Transplantes de Fígado da Santa Casa de São Paulo. Com esses dados em mãos, define-se o diagnóstico.
Já na hepatite crônica, geralmente o paciente é assintomático e só descobre que tem a doença ao fazer um exame que avalie eventual lesão ou função hepática. O médico, então, avaliará a história da pessoa para identificar o uso excessivo de álcool, a presença de síndrome metabólica e/ou gordura no fígado, além de pedir o teste para pesquisar os vírus B ou C.
Como é o tratamento da hepatite
Hepatites agudas, virais e induzidas por toxidade geralmente são autolimitadas, ou seja, elas se resolvem de forma espontânea e desde que seja suspensa a droga ou medicamento suspeito. Mas há casos graves que evoluem rapidamente, chamadas pelos médicos de hepatites fulminantes. Nessas situações, o tratamento é a indicação de transplante.
Nas hipóteses de hepatites crônicas (B e C), o tratamento é realizado com o uso de medicamentos antivirais específicos. Se a causa for o consumo de álcool, haverá restrição completa de sua ingestão. Os especialistas lembram que desde que o tratamento (disponível na rede pública) seja adequado e acompanhado por um médico, é possível evitar que a hepatite crônica progrida para as formas mais graves.
Caroline Ehlke Gonzaga, professora da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), diz que o que mais preocupa os médicos atualmente é a hepatite relacionada à síndrome metabólica (esteato-hepatite não alcoólica), que tem uma ligação direta com a obesidade, o sedentarismo e a hipertensão arterial.
Essa doença também evolui de forma silenciosa e é a causa de cirrose que mais cresce no mundo. Investir em uma vida saudável, atividade física, controle adequado da pressão e da glicemia são fundamentais para evitar essa causa de hepatite crônica.
Suplementos devem ser evitados
Caso você seja adepto de tratamentos baseados na medicina complementar e integrativa e esteja considerando usar Silimarina do Cardo Mariano ou Prata Coloidal para combater os efeitos da hepatite C, saiba que, até o momento, não existe comprovação científica de que esses suplementos sejam eficazes e seguros para esse fim.
A Silimarina, apesar de ser considerada protetora do fígado, deve ter dose individualizada e jamais ser usada nos casos de hepatite. A Prata Coloidal também é tida como de alto risco e deve ser evitada.
Fale sempre com seu médico ao decidir usar algum suplemento ou fitoterápico para evitar efeitos como a interação medicamentosa, que ocorre quando uma substância altera o efeito da terapia indicada.
"O tratamento inadequado pode aumentar o risco de danos permanentes ao fígado. Fazer um acompanhamento nutricional com restrição de gorduras e escolhas de vegetais mais adequados como couve, brócolis e similares pode ser até mais protetor do que o uso de suplementos", fala Vanderli Marchiori, nutricionista com especialização em fitoterapia integrativa e membro da Câmara Técnica do CRN3 (Conselho Regional de Nutrição).
Mas dá para prevenir?
A resposta é sim. Fazer exames periódicos para a detecção do problema e eventual tratamento, medidas de higiene e precauções durante a prática sexual são essenciais. Mas a melhor forma de se evitar as hepatites é vacinar-se.
Embora, até o momento, não exista uma vacina para a hepatite C, as hepatites A, B e D podem ser prevenidas por meio de vacinas.
No Brasil, a vacina contra o vírus B, há muitos anos, já é oferecida nos postos de saúde para adultos e crianças, sem limite de idade. Ela também protege do vírus D. A partir de 1989, ela entrou no calendário do recém-nascido e, portanto, os nascidos a partir desta data já estão protegidos. Quanto aos adultos, menos de 50% deles foram vacinados. Daí a importância da imunização.
Em 2014, a vacina da hepatite A também entrou no calendário nacional gratuito para crianças com idade entre 1 a 5 anos (dose única), que têm uma alta produção de anticorpos, protegendo perto de 90%, diz Melissa Palmieri, da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). Segundo ela, quem puder fazer a segunda dose, como no esquema sugerido pela SBIm, a proteção contra a hepatite A pode perdurar pelo resto da vida.
A melhoria das condições sanitárias no país e o tratamento de esgotos que contaminavam praias reduziram os surtos de hepatite aguda durante o verão. Apesar disso, em 2018 ocorreram dois grandes surtos em São Paulo e Rio de Janeiro. Essa é a razão por que os jovens devem se vacinar.
Saiba se você precisa ser vacinado ou fazer um teste para as hepatites virais
A infecção mais comum no Brasil é a hepatite C, para a qual ainda não existe vacina. Mas, segundo dados do Ministério da Saúde, o número de pessoas com hepatites virais tem aumentado rapidamente.
Como a doença pode se manter silenciosa por muitos anos, isto é, não apresenta sintomas, responda o teste a seguir e avalie seu potencial de risco. Lembre-se: este teste não substitui o devido atendimento médico.
Você já teve diagnóstico de problemas de coagulação?
Se sim, fale com seu médico sobre a necessidade de vacinar-se contra a hepatite A.
Você já teve diagnóstico de alguma doença crônica do fígado?
Se sim, fale com seu médico sobre a necessidade de vacinar-se contra as hepatites A e B.
Você ou alguém da sua família nasceu na Amazônia?
Se sim, fale com seu médico sobre a possibilidade de fazer um teste para hepatite B. O Amazonas tem altos índices de infecção.
Você vive atualmente com alguma pessoa que teve diagnóstico de Hepatite B?
Se sim, fale com seu médico sobre a necessidade de vacinação contra a hepatite B.
Você teve algum diagnóstico recente de alguma IST (Infecção Sexualmente Transmissível)?
Se sim, fale com seu médico sobre a necessidade de vacinação contra a hepatite B.
Você teve diagnóstico de diabetes?
Se sim, fale com seu médico sobre a necessidade de vacinação contra a hepatite B.
Você teve diagnóstico de HIV/AIDS?
Se sim, fale com seu médico sobre a necessidade de vacinação contra hepatite B; peça também um teste para hepatites B e C.
Você é homem e tem encontros sexuais com outros homens?
Se sim, fale com seu médico sobre a necessidade de vacinação contra hepatites A e B; e peça um teste para hepatites B e C.
Você usa drogas injetáveis?
Se sim, fale com seu médico sobre a necessidade de vacinação contra hepatites A e B; e peça um teste para hepatites B e C.
Você nasceu entre 1945-1965?
Se sim, peça a seu médico um teste sanguíneo para hepatite C.
Você recebeu alguma transfusão ou fez algum transplante antes de julho de 1992?
Se sim, peça a seu médico um teste sanguíneo para hepatite C.
Recebeu algum fator de coagulação antes de 1987?
Se sim, peça a seu médico um teste sanguíneo para hepatite C.
Já usou drogas injetáveis, pelo menos uma vez?
Se sim, peça a seu médico um teste sanguíneo para hepatite C.
Você pretende viajar para o exterior nos próximos meses?
Se sim, fale com seu médico para que ele avalie a necessidade de vacinação prévia.
Fontes: Mario Guimarães Pessoa, médico assistente-doutor da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), membro da diretoria da SBH (Sociedade Brasileira de Hepatologia) e Secretário Geral da ALEH (Associação Latino-americana de Hepatologia); Adriana Zuollo, gastroenterologista que atua na área de hepatologia e médica primeira-assistente do Serviço de Transplantes de Fígado da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Caroline Ehlke Gonzaga, médica gastroenterologista, professora da Faculdade de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná); Melissa Palmieri, diretora da SBim (Sociedade Brasileira de Imunizações), Regional São Paulo; Vanderli Marchiori, nutricionista com especialização em Nutrição Clínica, Funcional e Fitoterapia Integrativa, membro da câmara técnica do CRN3 (Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª Região SP-MS); com informações do Ministério da Saúde; CDC (Centers dor Disease Control and Prevention); National Center for Complementary and Integrative Health. O teste foi adaptado conforme dados do Hepatitis Risk Assessment Tool, do CDC Revisão técnica: Mario Guimarães Pessoa. Referências: Meryem Jefferies, Bisma Rauff, Harunor Rashid, Thao Lam, and Shafquat Rafiq. Update on global epidemiology of viral hepatitis and preventive strategies. World J Clin Cases. 2018 Nov 6; 6(13): 589-599.
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