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Casal faz fertilização para ter 2° filho e salvar mais velha de doença rara

Wala e Hussein recorreram à fertilização in vitro para oferecer transplante compatível à filha Cyrin - Arquivo pessoal
Wala e Hussein recorreram à fertilização in vitro para oferecer transplante compatível à filha Cyrin Imagem: Arquivo pessoal

Giulia Granchi

Do UOL VivaBem, em São Paulo

18/07/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Após período de internações quando tinha poucos meses, Cyrin foi diagnosticada com Doença Granulomatosa Crônica, uma condição rara
  • Por orientação médica, o casal recorreu à fertilização in vitro para que o segundo filho possa proporcionar um transplante à Cyrin
  • Os médicos coletarão material genético do cordão umbilical do irmão, que nascerá em setembro, para realizar o transplante de medula na menina

Para alegria de Hussein e Wala Chalhoub, após uma cesárea sem complicações, na tarde de 9 de setembro de 2015 nasceu Cyrin, primeira filha do casal libanês que vive no Brasil. A bebê tinha 3,1 kg e deixou o hospital dias depois, sem quaisquer sintomas incomuns notados pelos médicos.

Foi só quatro meses após o parto, às vésperas de uma viagem para Foz do Iguaçu (PR), que a pequena deu os primeiros sinais de complicações com a saúde. O diagnóstico foi de pneumonia comum e ela recebeu medicação para que a família pudesse seguir viagem. Mas, dias depois, quando voltaram para São Paulo, a febre e dores ainda persistiam. Cyrin foi internada em um hospital perto de sua casa, onde iniciou um tratamento intensivo.

"Ao passar dos dias, a pneumonia só aumentava. Começamos a ficar preocupados e chegamos a procurar médicos de fora do país, mas eles queriam acompanhar o caso pessoalmente, que levássemos exames...", conta Hussein.

A família pediu para a filha ser transferida para o Hospital Sabará, pois alguns especialistas que atendiam no locam foram indicados por amigos a Hussein e Wala. Mas o plano de saúde negou e, em vez disso, levou Cyrin a outro hospital conveniado.

Lá, a bebê foi examinada por um médico que apontou que ela havia nascido com o pulmão malformado. O plano, de acordo com ele, era diminuir a pneumonia e depois operar para resolver o problema.

Hussein, Wala e Cyrin - viagem - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
"Nessas horas a gente quer se apegar a qualquer coisa", desabafa Hussein. Como a menina começou a melhorar com o tratamento, o pai pediu para retornarem ao primeiro hospital, que era mais perto de casa, até o dia da cirurgia.

"Por coincidência, um dia encontrei o médico que fez o parto da minha esposa em uma lanchonete perto do hospital. Contei todo o quadro e ele disse que tinha a certeza de que não havia má formação, que minha filha nasceu 100%", conta.

Hussein procurou outros médicos, lutou para mudar de hospital pelo convênio, mas sem sucesso. Por fim, decidiu por conta própria levar a filha ao Sabará. Lá, Cyrin foi atendida por uma equipe integrada pela imunologista Alessandra Miramontes Lima. A médica conta que para chegar a um diagnóstico foi necessário olhar o quadro com atenção. "Não foi fácil, os episódios que ela viveu, como as internações precoces e complicações na pneumonia, são graves e raros para alguém tão jovem. A partir disso, suspeitamos de que poderia ser algo relacionado à imunodeficiência."

A descoberta da doença granulomatosa crônica

A partir de uma série de exames que tiveram sua complexidade aumentada conforme as suspeitas iniciais não eram confirmadas, Cyrin foi diagnosticada com doença granulomatosa crônica (DGC), uma condição rara e ainda sem estimativa de ocorrência no Brasil.

O problema é hereditário e ocorre porque os genes dos pais passados aos filhos causam uma disfunção no sistema imunológico.

Hussein, Wala e Cyrin - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
"No corpo de Cyrin, os fagócitos não funcionam normalmente. Esses glóbulos brancos englobam as bactérias, mas não liberam enzimas responsáveis por matá-las. Então, os micro-organismos ficam presos nos fagócitos, se proliferando e causando infecções", aponta Lima.

A médica explica que a imunidade comprometida resulta, principalmente, em infecções, que podem ser crônicas e aparecer em locais como pele, pulmões, linfonodos, boca, nariz, trato urinário e intestinos, podendo levar à morte.

A busca pela cura

Após o diagnóstico, Wala e Hussein, que trabalha como lojista, foram procurar os medicamentos que controlariam o quadro. "Tentamos no governo, mas eles negaram o pedido por ser uma droga de alto custo. Depois, encontramos uma empresa que importava da Alemanha: 10 ampolas, que durariam duas semanas, custavam cerca de R$ 40 mil. Ficamos assustados. O menor preço que conseguimos foi de uma importação argentina, pagamos R$ 4 mil pelo mesmo tempo de uso. É o medicamento que damos até hoje a Cyrin", conta Hussein.

Em paralelo, a família seguiu enfrentando uma vasta busca em bancos de doadores para achar alguém compatível para um transplante de medula --única forma de cura da doença. Após anos sem sucesso, o casal abraçou a ideia de ter um segundo filho, gerado a partir de fertilização in vitro, que teria a compatibilidade perfeita.

"Em laboratório, foram criados embriões com o óvulo de Wala e o esperma do marido, e conseguimos analisar cada um. Com cinco dias, quando o embrião já tem milhares de células, fizemos uma biópsia e análise cromossômica e genética para a seleção de um saudável e compatível", afirma Alfonso Massaguer, especialista em reprodução humana e diretor da clínica Mae, onde o procedimento foi realizado.

A inseminação foi bem-sucedida e o nascimento está previsto para setembro. "Para o tratamento de Cyrin serão usadas células do cordão umbilical, então, o recém-nascido não será afetado em nada", aponta Massaguer.

Para os pais, o momento é de alívio. "Foram quatro anos de sofrimento, lutando para manter os remédios da minha filha. Agora, podemos ser felizes, conseguiremos salvar nossa filha", desabafa Hussein.

Aos quatro anos, Cyrin ainda não pode ir à escola

Como a DCG é caracterizada pela imunodepressão, bactérias e fungos ficam muito mais perigosos para quem tem a doença. Então, além de tomar antibiótico e antifúngico preventivos, os locais frequentado pela pessoa precisam ser escolhido com cuidado.

"A infância é uma época comum de infecções e, mesmo que sejam leves, para Cyrin, qualquer vírus pode significar mais de um mês de internação. Como a data do transplante está próxima, a recomendação é que ela fique mais alguns meses sem frequentar a escola", esclarece Lima.

Hussein, Wala e Cyrin - ano novo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
O pai conta que cada saída de casa é um planejamento completo: "Precisamos pensar no clima, se o local é aberto, se muitas pessoas estarão lá... Mas a levamos para passear sempre que possível, porque Cyrin é muito sociável, adora conversar com outras pessoas".

E, apesar de não ter um dia a dia de aprendizado comum, aos quatro anos, a pequena já fala português, árabe e inglês. "A mãe dela a ensina em casa. Cyrin assiste a vídeos, desenha... Faz todo o possível para aprender", conta.

Após o transplante, a expectativa é que a menina logo consiga levar uma vida normal, como a de qualquer outra criança, respeitando apenas o período de repouso e recuperação. "Estamos confiantes já que 90% dos casos são bem-sucedidos e ela está em uma idade ideal para o procedimento", conclui a médica.