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Ela perdeu parte da audição na gravidez: "Não ouvia a bebê chorar à noite"

Raquel perdeu a audição por causa da otosclerose, doença genética que pode ter seu processo acelerado devido a alterações hormonais na gestação - Arquivo pessoal
Raquel perdeu a audição por causa da otosclerose, doença genética que pode ter seu processo acelerado devido a alterações hormonais na gestação Imagem: Arquivo pessoal

Renata Turbiani

Colaboração para o UOL VivaBem

04/08/2019 04h00

Ganho de peso, estrias, cicatriz. Essas são algumas das sequelas mais conhecidas da gravidez. Mas existem outras, e bem menos comuns, como a perda da audição. No relato abaixo, a enfermeira obstetra Raquel Lotti, de 39 anos, conta como enfrentou o problema

"A família toda da minha mãe tem uma doença genética que pode causar surdez: a otosclerose. Sempre soube disso, só que, como não tinha tanto contato com os parentes que sofriam com o problema --a não ser com a minha mãe, mas que tem uma perda muito pequena -- e também por nunca ter sentido nada, confesso que não fui atrás de mais detalhes.

Há seis anos engravidei e, durante a gestão, a enfermidade se manifestou. Perdi 60% da audição do ouvido direito e não percebi, descobri isso apenas bem mais tarde.

Quando minha filha nasceu, eu e meu e ex-marido brigávamos muito porque eu não acordava à noite sempre que a bebê chorava. Ele achava que eu não queria levantar, mas a verdade é que, dependendo de como eu dormia, da posição do ouvido bom (o esquerdo) no travesseiro, eu não escutava.

Apesar disso, não consegui dar muita atenção à situação, pois na mesma época meu pai descobriu que estava com câncer. Fiquei muito focada nele e não valorizei o que estava acontecendo comigo, até porque o outro ouvido funcionava bem, então compensava.

As pessoas falavam comigo no trabalho e eu não escutava

Raquel - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Raquel perdeu 60% da audição do ouvido direito na gestação
Imagem: Arquivo pessoal
Quando voltei a trabalhar, minha chefe notou que havia algo errado. Um dia ela até comentou: 'Raquel, acho que você está surda. Nós falamos com você, te chamamos, e você não responde, não olha, não atende'.

Ali a ficha começou a cair e fui percebendo algumas coisas. Por exemplo: eu só colocava o telefone no ouvido esquerdo, e, quando estava dirigindo e tinha alguém comigo, ficava virando muito a cabeça para escutar o que a pessoa dizia.

Conversei com uma prima que é fonoaudióloga e trabalha na Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Ela me aconselhou a marcar uma consulta com um otorrinolaringologista de lá. O médico me pediu alguns exames e o resultado foi mesmo otosclerose. Ele disse que o start da doença certamente ocorreu na gravidez, por conta das alterações hormonais.

Há três anos consegui o aparelho auditivo, mas não me adaptei muito bem. Uso apenas de vez em quando. Mesmo assim, levo uma vida normal, com algumas adaptações. Uma delas é que, quando converso com alguém, a pessoa tem de ficar do meu lado esquerdo. Também preciso fazer audiometria a cada seis meses para acompanhar a evolução da doença e não posso tomar anticoncepcional a base de estrogênio.

Raquel com mãe e filha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A otosclerose é um problema genético e tios de Raquel já perderam completamente a audição
Imagem: Arquivo pessoal
Meu médico me recomendou não engravidar novamente. Ele diz que uma nova gravidez pode fazer com que eu perca totalmente a audição do ouvido direito e iniciar a perda no esquerdo. Não é certeza que isso aconteceria, mas as chances são grandes. De toda forma, ter outro filho não está nos meus planos, e não por causa da otosclerose, mas porque não tenho mais esse desejo.

Minhas únicas preocupações hoje são quanto à velhice, pois tenho medo de ficar totalmente surda, como os meus tios, e com a minha filha, de acontecer algo com ela e eu não escutar e também de ela vir a perder a audição no futuro."

O que é otosclerose?

A otosclerose é uma doença hereditária e progressiva, caracterizada pela desregulação no metabolismo do cálcio, com absorção e aposição de tecido mineralizado nos três pequenos ossos (cadeia ossicular) do ouvido médio. A condição provoca o crescimento anormal dos ossinhos, impedindo a movimentação de um deles, o estribo. Isso dificulta a transmissão do som até a cóclea (parte auditiva do ouvido interno) e provoca diminuição na audição.

A surdez, neste caso, é classificada como condutiva, sendo reversível em determinadas situações. Porém, há risco de a enfermidade causa uma lesão coclear, provocando a surdez neurossensorial, que é irreversível.

A patologia acomete mais as mulheres do que os homens, pode ocorrer em um ou nos dois ouvidos e tem seu progresso acelerado na gravidez, por conta das alterações hormonais, em especial o aumento da progesterona e do estrógeno --o motivo não se sabe com clareza.

Seu principal sintoma é a perda progressiva da audição, eventualmente acompanhada de zumbido e até tonteira. O diagnóstico é feito pelo otorrinolaringologista, com o auxílio de exames como audiometria tonal, tomografia e impedanciometria.

Como é o tratamento

Apesar de ainda não se conhecer a cura, a ostoclerose tem tratamento, feito com acompanhamento regular com o médico, uso de remédios -- exceto na gestação, para não prejudicar o bebê -- e de aparelho auditivo. Em alguns casos, ainda é indicada a cirurgia, chamada de estapedectomia, ou a colocação de implante coclear.

Outras sequelas menos comuns da gravidez

Dentre as diversas alterações sofridas pelo corpo da mulher durante a gravidez, algumas estão relacionadas a importantes funções e sentidos. A maioria delas ocorre de forma temporária, com resolução espontânea associada ao fim da gestação, porém, algumas podem deixar sequelas permanentes.

A obstrução nasal é uma delas, seja por exacerbação de uma rinite alérgica pré-existente, seja por um quadro de rinite gestacional. A teoria mais aceita é a de que o aumento do hormônio trofoblástico placentário estimula a hipertrofia da mucosa nasal, diminuindo assim o espaço para a passagem de ar. A progesterona em altos índices também parece ter participação nesse processo, ao provocar vasodilatação na região nasal pelo excesso de volume sanguíneo.

Outra situação muito comum entre as mulheres grávidas, e que pode persistir depois, é a sensação de olfato mais aguçado, principalmente quando expostas a perfumes, alimentos, inclusive estragados, e fumaça. Estudos sugerem que isso é provocado por alterações no processamento das informações no sistema nervoso central.

Além disso, diversas mães relatam que, após a gravidez, tiveram aumento no tamanho do pé. A explicação é que o arco do pé se achata devido ao peso extra e a mudança na estrutura dos ligamentos do corpo, que passam a ter mais flexibilidade por causa dos hormônios. E, por falar em hormônios, eles ainda fazem com que a velocidade de crescimento da cartilagem seja maior, o que pode, eventualmente, provocar uma pequena mudança no tamanho do nariz e da orelha.

Fontes: Alexandre Pupo Nogueira, ginecologista e obstetra membro do corpo clínico do Hospital Albert Einstein; Daniel Curi, otorrinolaringologista e diretor da clínica Dr. Daniel Curi; e Gilberto Ulson Pizarro, otorrinolaringologista do Hospital Paulista