Ela é mãe de 3, avó e corre 100 km: "Com jogo de cintura dá pra fazer tudo"
Aos 17 anos, Vera Saporito já estava casada e tornou-se mãe. Sua segunda filha nasceu alguns anos depois. Com duas crianças pequenas, ela se dedicava à família e não pensava em praticar esportes. "Comecei cedo a cuidar da casa. Essa era minha vida", conta.
Foi só quando passou a levar os filhos para fazer atividades no clube que frequentava, em São Paulo, que a corrida entrou em sua vida. "Eu e uma outra mãe ficávamos ali, sem fazer nada. Então, ela sugeriu que fôssemos correr. Achei uma péssima ideia, mas acabei convencida."
As duas começaram com uma hora no Parque do Ibirapuera, em ritmo bem leve, conversando... Logo o exercício tornou-se um hábito. "Íamos duas ou três vezes por semana, bem tranquilas. Depois de um tempo, ela parou e eu continuei."
Fisgada pela corrida, Vera se dedicava aos treinos pela manhã enquanto os filhos estavam na escola e, à tarde, cuidava da prole e do lar. Ao entrar na casa dos 30 anos, orientada por um treinador especialista em corridas de montanha, fez algumas provas curtas da modalidade, obtendo resultados expressivos. "Sempre chegava entre as três primeiras colocadas. E fui gostando da brincadeira", conta.
Grávida e corredora
No final de 2009, quando os filhos Giovanni (na época com 16 anos) e Giuliana (11 anos) estavam mais independentes e a rotina mais tranquila, Vera ficou grávida de sua terceira filha. "Estava em uma fase bem boa de treinos e resultados. A Maria Luiza foi um acidente de percurso", brinca. Mas ela garante que a caçula chegou para trazer ainda mais sorte, energia e determinação à sua história.
Durante a gestação, por já estar acostumada, manteve a rotina de exercícios, sempre atenta às recomendações médicas. "Esqueci performance, claro. Mas corri até o oitavo mês. A última prova que fiz nesse período foi de 10K. Ia correr bem tranquila e fiz isso até o quilômetro cinco, quando percebi que estava ficando muito para trás. Daí dei uma aceleradinha porque não queria chegar em último. Completei em uma hora", conta rindo do seu espírito competitivo.
Após 15 dias do nascimento da filha, Vera estava novamente nas pistas, encarando uma prova de 16 km. "Terminei em pouco mais de duas horas e fiquei superfeliz. Foi maravilhoso."
Paixão pelas longas distâncias
Aos 34 anos, com a caçula com apenas um ano, Vera decidiu encarar sua primeira prova de 42,195 km. Escolheu a Maratona do Rio, concluindo o percurso em 3h30min --uma marca muito boa para uma amadora, mãe de três filhos... "Gostei da distância. E meu treinador veio com a ideia de eu encarar uma prova de montanha de 50K. Tinha acabado de fazer 42K no asfalto, fiquei com medo, mas me interessei. Então, me inscrevi sem qualquer pretensão."
Vera foi lá e fez. Não só fez, como foi campeã, com o tempo de 5h30min. "Foi em Ilhabela. Perto da chegada, a moto da organização começou a me acompanhar e avisou que era a primeira. Não acreditei!" A partir daí, decidiu se dedicar às ultramaratonas. "Comecei a abraçar todas as provas. Pulei para uma de 80K, fiquei em terceiro lugar. E olha que no meio da competição prendi meu pé em uma raiz e tive ruptura parcial de ligamento. Corri 50 km lesionada, com uma 'bota de esparadrapo'. Depois vieram os 100K da Indomit, na primeira vez que houve uma prova de montanha com essa distância no Brasil, e fiquei em quarto lugar no geral."
Em 2018, Vera se jogou nas longas distâncias, obtendo grandes resultados. "Fiz 10 provas de 80K, porque estava em busca da pontuação para participar da Ultra Trail du Mont Blanc (UTMB), a 'ultra das ultramaratonas'. Com os resultados que consegui, pude escolher a distância de 101K --saímos da Itália, passamos pela Suíça e terminamos na França. Completei em 24 horas. Foi a melhor das melhores. Inesquecível!".
De volta à sala de aula
Em meio a toda essa escalada de alta performance, surgiu a vontade de cursar a faculdade de educação física. "Meus amigos falavam que eu devia fazer, mas eu achava que não dava, afinal, tinha casa e filha pequena para cuidar."
Ela praticamente viveu uma ultramaratona na vida pessoal para conciliar cuidados com a família, estudos e treinos. "Quem ajudou muito foi meu filho mais velho. Eu pedia para ele cuidar da irmã para que eu fosse treinar. Minha irmã também colaborou, muitas vezes passando o final de semana com minha filha para que eu pudesse competir", conta.
Com dois anos, a pequena Malu foi para a escola de manhã. No mesmo período, Vera cursava a faculdade. "Saia de casa às 5h30 da manhã e chegava às 22h30. Essa era minha rotina: estudo, estágio, trabalhos da faculdade. Muitas vezes, tinha de levar minha filha junto para fazer um trabalho em grupo ou ir a algum compromisso. E os finais de semana eram sempre frenéticos."
Aos sábados, ela tinha os treinos longos para se preparar para suas competições. "Foi um período difícil. Meu marido é uma pessoa bem legal, mas na época não entendia. Dizia que eu saia às 7h manhã e voltava 12h, que não entendia como uma pessoa podia correr tanto. Além disso, chegava cansada e tinha de ver comida, limpeza da casa, cuidar das crianças... Aos domingos muitas vezes ainda tinha de ir a algum evento de corrida, como parte do meu estágio."
Período de turbulência
Ela sempre foi uma mãe muito presente na vida dos dois filhos mais velhos e se culpava por não conseguir dar a mesma atenção à caçula. "Tive de ser um pouco egoísta. Precisava treinar e me formar. Se não focasse, principalmente quando estava finalizando a faculdade, já fazendo estágio, trabalhando, não conseguiria meus resultados e não teria meu diploma."
Nem nos momentos mais críticos, com cobranças internas e externas, passou por sua cabeça desistir do sonho de se tornar uma profissional de educação física. "A Malu teve problemas na escola quando eu estava para finalizar a faculdade. Fiquei afastada do dia a dia da minha filha e só aparecia quando havia um problema realmente grande. Explicava para as professoras minha situação, mas por dentro me perguntava se estava fazendo o certo. Só que se não fizesse dessa forma, não teria me formado. Digo que meu marido aprendeu a paternidade com a Malu, porque ele abraçou a ideia e assumiu tudo."
Apesar de toda turbulência, Vera conta que seu casamento só ficou mais forte. "Na época da faculdade era para ter rachado. Mas sobrevivemos e agora em agosto completamos 27 anos de casados. Não dá para desistir dos sonhos diante das dificuldades. Com jogo de cintura, tudo se ajeita."
Atleta, treinadora, dona de casa e agora avó
Vera se formou aos 42 anos. "Nunca é tarde para dar uma virada na vida e correr atrás do que você realmente quer. Mas não posso dizer que é fácil estudar mais velha, dividindo a sala com pessoas da idade do seu filho. Além do mais, se você não entrar no meio do esporte, se não tiver experiência, mesmo com diploma fica difícil consolidar sua carreira."
Enquanto estudava e treinava, ela fez estágio em uma academia por quatro anos trabalhou em três assessorias esportivas de corrida. Hoje, aos 43, a professora de educação física Vera Saporito respira mais aliviada com a rotina familiar e segue firme e forte em sua trajetória profissional e de atleta de alta performance, ainda que se depare com algumas surpresas pelo caminho.
"Meus filhos estão grandes: Giovanni está com 26 anos, Giuliana, 20, e Malu, 8. As agendas de trabalho e de treinos também estão bem organizadas. Assim, consigo me dedicar ao esporte e curtir vida. Até porque recentemente me tornei avó. Meu mais velho casou e teve uma menininha, o que tem sido uma experiência incrível!"
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