Terminou a relação? Será que o cérebro está por trás da perda de interesse?
Pode até ser frase de pessimista, mas tudo tem seu fim, inclusive o amor. Em "Soneto da Fidelidade", Vinicius de Moraes já falava da fantasiosa ideia do "para sempre": "Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure." É claro que as causas para o término de uma relação mudam de pessoa para pessoa, mas será que, assim como na paixão, o cérebro também estaria por trás da perda de interesse pelo outro?
Como a paixão é abrupta para o corpo e a mente, é mais fácil estudar o cérebro nessa fase e entender a bagunça que ocorre ali: há liberação de dopamina, dando sensação de prazer e vontade de ver o outro constantemente, e de cortisol, causando estresse. Já a serotonina é diminuída, o que reduz as sensações de tranquilidade e bem-estar.
Fazer uma pesquisa de como o cérebro funciona no amor, entretanto, é bem mais difícil. Começando pela definição: o que é amor para você? "É difícil entender o que é esse sentimento, quanto mais estudá-lo racionalmente", diz Julio Pereira, neurocirurgião da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Segundo o médico, na paixão as alterações são grandes, sendo facilmente detectadas, mas amar alguém deixa as coisas mais tranquilas, em um ou dois anos os hormônios voltam ao seu estado natural, dificultando o que estaria de diferente no cérebro de alguém que não ama ninguém --aliás, essa pessoa existe?
O cérebro e a perda de interesse em relações longas
Dos poucos estudos que existem sobre o assunto, as conclusões são que as experiências que vivemos em relacionamentos longos geram mudanças hormonais e nos neurotransmissores, que por sua vez intensificam a perda de interesse naquela pessoa. Por exemplo: amar geralmente significa ter uma rotina com alguém, o que é ótimo. Mas com o tempo, isso diminui os níveis de testosterona, ou seja, os casais vão perdendo a vontade de transar.
Foi o que concluiu um estudo da Universidade de Harvard, que observou os níveis hormonais de 58 homens casados e solteiros sem filhos e casados com filhos. As análises mostraram pouca diferença entre homens casados com e sem filhos, mas ambos tiveram níveis de testosterona significativamente mais baixos do que os solteiros.
De acordo com os especialistas, a explicação para a queda do hormônio está justamente na evolução da espécie: "Estes resultados sugerem que os níveis de testosterona envolvem os esforços de acasalamento e paternidade. Os homens solteiros investem apenas no acasalamento, enquanto os pais diminuem seus esforços de reprodução em favor da criação dos filhos", observa Peter Ellison, professor de antropologia de Harvard, em entrevista ao site da universidade. Segundo Pereira, os evolucionistas acreditam que o ser humano é um dos animais cujas crias mais dependem dos pais até se desenvolver e por isso procuramos alguém para ficar por bastante tempo.
Para piorar, ter relações sexuais é uma das formas de liberar oxitocina, o hormônio do amor, que dá a sensação de segurança e bem-estar físico e emocional. Então, se você não transa com o parceiro, logo terá uma relação mais morna.
Outro hormônio por trás dessa perda de interesse é a prolactina. Geralmente ligado à produção de leite na gravidez e durante a amamentação, quando ele se encontra em níveis aumentados também é um bloqueador da estimulação dos ovários, o que diminui a produção dos hormônios sexuais, ou seja, de libido. Excluindo situações provocadas por doenças, a prolactina é alterada por causa do estresse crônico, o que também pode ter a ver com as relações.
"O sofrimento tem um impacto muito grande no desequilíbrio hormonal", diz Carlos Eduardo Seraphim, médico endocrinologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, da Endoclínica SP. "Estradiol, que tem a ver com a libido, cortisol, oxitocina, prolactina e os neurotransmissores ligados à relação humana precisam estar em sintonia. É como se fosse uma orquestra: se um desafina, os outros entram em colapso".
E a infidelidade?
De acordo com Pereira, o ser humano tem um aspecto cultural que influencia seu comportamento de forma diferente dos animais, mas a monogamia sem dúvida tem relação com o cérebro.
"Aquele papo de que o órgão do amor é o coração não tem nada a ver. O cérebro que é", diz o neurologista. Na paixão, o córtex pré-frontal, área relacionada à racionalidade e que controla a impulsividade, é inibido, fazendo com que o indivíduo tenha comportamentos sem pensar nas consequências da atitude. Mas no amor, essa área do cérebro volta a funcionar normalmente, ou seja, você consegue racionalizar sobre querer estar com alguém e dizer se aquela relação vale a pena ser mantida. E o fato de querer ser fiel a alguém está justamente relacionado a essa razão.
"É como uma pessoa com impulsos de agressividade. Cada ser tem suas características, exemplos, criação, mas todo mundo passa por aqueles sentimentos. Você tem controle até determinado ponto. O mesmo ocorre no amor. Temos influência até determinado ponto, mas temos o poder de decisão. O córtex está funcionando", explica ele.
O contexto social explicaria inclusive os dados de que os homens traem mais do que as mulheres --50,5% dos homens brasileiros admitem já terem sido infiéis em seus relacionamentos e entre as mulheres, 30,2%, segundo a pesquisa Mosaico 2.0, conduzida pela psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do ProSex (Projeto Sexualidade) do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), com o apoio da farmacêutica Pfizer.
Tem a questão da testosterona, da seleção natural, mas também tem a cultura, além da pressão evolutiva. Historicamente, a traição masculina era mais aceita como algo natural e esse pensamento permanece em algumas pessoas, o que explica a pesquisa do ProSex. "E esse contexto social às vezes pesa mais. Tem impulso que tem que controlar, dependendo do que você quer e dos seus valores."
Dá para amar para sempre?
Talvez você conheça alguém que esteja há décadas junto com o parceiro e ainda se diga apaixonado. Segundo a ciência, é possível. Um estudo publicado em 2012 no periódico Journal of Social Psychological and Personality Science analisou 274 casais e descobriu que 46% das mulheres e 49% dos homens relataram estar muito apaixonados.
Ao serem questionados sobre os segredos do amor intenso a longo prazo, a resposta foi manter comportamentos fisicamente afetuosos, como abraços e beijos --lembra da história da oxitocina? A teoria dos pesquisadores é que esse "hormônio do amor" percorre o corpo quando recebemos abraços ou fazemos amor, fazendo a gente se sentir mais próximo do parceiro e a ligação de longo prazo segue.
Os resultados também mostraram que ver o lado positivo do parceiro e ter experiências compartilhadas, como ler um livro em comum ou aprender um esporte novo, também ajuda. Mas os especialistas alertam: é claro que o estudo não representa todo mundo. Às vezes o relacionamento não dá certo mesmo e tudo bem. E se for o fim do amor, pense pelo lado positivo: viver uma nova paixão é muito gostoso e quem sabe ela não vira amor de novo e a roda gira mais uma vez?
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