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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Somos frágeis: ansiedade e depressão não precisam de trauma para aparecer

Muita gente não se sente no "direito" como se fosse preciso um pré-requisito traumático para o diagnóstico - Getty Images
Muita gente não se sente no 'direito' como se fosse preciso um pré-requisito traumático para o diagnóstico Imagem: Getty Images

Simone Cunha

Colaboração para o VivaBem

23/10/2019 04h00

Ainda existe uma falsa ideia de que ansiedade e depressão acontecem em decorrência de uma situação traumática, como a perda de um ente querido, um acidente ou uma doença grave. No entanto, é preciso esclarecer que o comprometimento da saúde mental não depende necessariamente de um motivo válido como algo traumático. Portanto, mesmo quem leva uma vida supostamente feliz e perfeita pode sentir-se vulnerável e, o melhor, não há nada de errado nisso.

"Ser bem-sucedido, em geral, decorre de inúmeras renúncias e privações que podem se manifestar sob a forma de um quadro depressivo ou ansioso", avalia o psiquiatra Rodrigo Leite, coordenador dos Ambulatórios do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP (Universidade de São Paulo). Afinal, pode ser comum aos bem-sucedidos privar-se do convívio familiar ou o suporte de uma rede efetiva de vínculos.

Não precisa de motivo para ter depressão

Somos frágeis. E estamos tendo dificuldade em aceitar que somos imperfeitos, falhos e mutáveis. A qualquer momento o roteiro pode ser alterado: a perda do emprego ou uma separação afetiva. "Não é à toa que os filmes de super-heróis alcançam recordes de bilheteria: eles refletem um desejo humano de força e poder que na verdade não temos", alerta o psiquiatra.

E lidar com essa realidade não é fácil. Ainda assim, muita gente não se sente no 'direito' de ter depressão ou ansiedade, como se fosse preciso um pré-requisito traumático para chegar ao diagnóstico. "Doenças possuem uma base biológica, química e, muitas vezes, hereditária. Traumas podem funcionar como gatilhos para o surgimento desses transtornos, mas não são o único fator", garante a psicóloga Adriana Nunan, doutora em psicologia clínica pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro).

Uma frase clássica identifica isso: "Nossa, sua vida é tão boa! Você não sabe o que é ter problemas de verdade". Como se ter emprego, carro, roupas e joias fosse garantia de prevenção ao problema. No entanto, o estresse e a competitividade, quesitos tão presentes no dia a dia, podem desencadear a situação. "A vida traz muitos desafios e imprevistos. E os neurônios nem sempre conseguem absorver os impactos da vida de forma a preservar a saúde mental", destaca Leite.

Cuidado com o julgamento

O julgamento pode agravar o problema e até fazer o paciente sentir-se culpado. "Se não há motivo, a pessoa pode considerar que não é preciso buscar tratamento", alerta Mariângela Savoia, psicóloga clínica do Programa Ansiedade do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP. Por isso, é muito importante combater tais crenças e buscar ajuda psiquiátrica e psicológica adequada.

Afinal, existe o estigma em relação aos transtornos mentais e o narcisismo que atrapalha o reconhecimento de 'imperfeições'. Como se só fosse justificável adoecer mediante uma grande catástrofe. "O estresse é algo cumulativo. Se ele estiver somado a hábitos de vida pouco saudáveis como tabagismo, uso de álcool, privação de sono, uso excessivo de tecnologias e isolamento social a chance dos mecanismos neurofisiológicos e psicológicos 'apitarem' é grande", avisa o psiquiatra.

A sociedade ainda associa doença mental com fraqueza de caráter e menor capacidade laboral. Segundo o psiquiatra Primo Paganini, muitas pessoas têm medo de julgamento e vergonha, por isso também optam por omitir a doença. "Confunde-se depressão com dor ou tristeza: de fato isso pode ocorrer, mas a melhor definição para depressão é 'falta de combustível no tanque', e sem essa energia, cérebro e corpo padecem", diz Paganini.

Por isso, nada de apontar o dedo. "É preciso respeitar a dor do outro, sem avaliar se o problema dele é mais ou menos importante", diz Savoia. Ainda temos o hábito de comparação, mas o sofrimento não se compara.

Por que essa tal infelicidade?

E não é preciso ter um diagnóstico de ansiedade e depressão para passar por este tipo de teste. Muitas pessoas vivem situações infelizes que, aos olhos dos outros parece perfeita, e acabam tendo dificuldade em livrar-se desse peso. Aquele relacionamento que não encanta mais, ou o emprego ótimo que não satisfaz, exemplos clássicos que precisam ser encarados. "Tentamos ser racionais e ver as coisas sempre por esse ângulo (o de que parece tudo no lugar), mas felicidade é um conceito diferente e muito individual", ensina Nunan.

Infelizmente, vivemos uma ditadura da felicidade. "Tem sido mais importante parecer feliz do que realmente ser", critica Leite. E a felicidade é um sentimento muito pessoal e particular, que não está diretamente ligado ao casamento estável ou um bom salário.

Portanto, se a pessoa não estiver se sentindo serena, vale reavaliar suas escolhas. E nessa hora, pode ser desafiante ir contra os valores do grupo ao qual pertence.

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