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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Quem guarda arrependimento pode ficar doente e travar a vida; saiba superar

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Imagem: iStock

Sibele Oliveira

Colaboração para o VivaBem

28/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Quem fica se lamentando pelas experiências ruins corre o risco de desenvolver doenças físicas e psíquicas
  • Sentir culpa pelo que aconteceu faz muita gente se punir
  • Os arrependimentos servem para pensar melhor antes de tomar decisões

Você já imaginou se sempre que algo não desse certo fosse possível voltar no tempo e fazer tudo diferente? Escolher outra pessoa para casar, seguir a verdadeira vocação, ter filhos, conviver mais com os amigos, sair da zona de conforto, evitar brigas desnecessárias, pedir perdão na hora certa, se dedicar mais à família, aproveitar os momentos importantes da vida.

Quando fazemos uma escolha, temos a convicção de que ela é a melhor opção entre todas as que estão na nossa frente. Mas se as coisas não acontecem como esperamos, essa certeza é substituída pelo desejo de ter uma segunda chance para mudar o que deu errado ou nos fez sofrer.

Como isso é impossível, muita gente passa a vida sem se perdoar. "Há pessoas que carregam por anos a fio marcas de tudo o que fizeram. Sentem que agiram errado, vão tendo remorsos e tudo vira arrependimento", diz Dorli Kamkhagi, psicóloga e gerontóloga do Laboratório de Neurociências do IPq (Instituto de Psiquiatria) da USP (Universidade de São Paulo).

De acordo com a especialista, quem guarda arrependimentos pode ficar doente. A pessoa fica amarga, cheia de mágoas e com raiva de si mesma. O alto nível de estresse causado por esse estado emocional é um gatilho para desenvolver doenças psíquicas e físicas como a síndrome da fadiga crônica, medo crônico, fobias e até tumores.

Sofrer pelo que passou não é frescura

Ah! Se arrependimento matasse... Quem nunca disse essa frase? Não mata, como diz a expressão popular, mas pode levar a pessoa a viver um luto. Fabio Malcher, professor de psicologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), se baseia no ensaio Luto e Melancolia, de Sigmund Freud, pai da psicanálise, para explicar como ocorre esse processo.

"De modo geral, o primeiro movimento do luto é reinvestir no objeto perdido (um emprego, uma relação amorosa, uma parte do corpo). A pessoa sofre, chora e pensa naquilo o dia inteiro. Com o tempo, vai se desprendendo daquele objeto, mas algum investimento resta nele". Isso seria o natural, mas nem sempre é o que acontece. Em alguns casos, a pessoa fica presa no luto indefinidamente.

Além da sensação de fracasso, os arrependimentos costumam estar associados a um sentimento de culpa. Isso faz muita gente acreditar que está sofrendo porque merece. "Na vida, qualquer situação pode nos culpabilizar, punir e levar para um lado totalmente errado, que é ter arrependimento de tudo", enfatiza Kamkhagi. Pensar dessa forma é nocivo porque faz a pessoa ser cruel com ela mesma.

Quem alimenta arrependimentos ainda lida com a falta de compreensão de outras pessoas. Malcher afirma que hoje em dia não há mais lugar para dor e frustração. É por isso que os arrependimentos são rechaçados. "De algumas décadas para cá, o homem decidiu que se há sofrimento, alguma coisa está muito errada na vida. É como se o sofrimento na atualidade fosse intolerável. É motivo de vergonha", observa.

Outra escolha seria melhor?

Quem não consegue deixar os arrependimentos para trás imagina que estaria mais feliz se tivesse tomado decisões diferentes. Mas como é impossível saber o que de fato aconteceria se as escolhas fossem outras, esse tipo de especulação não leva a pessoa a lugar algum. Ao contrário. Ficar fantasiando como a vida poderia ter sido não tem nada de produtivo. Só serve para desperdiçar energia e as oportunidades que surgem pelo caminho.

Ter um olhar negativo sobre a história que construímos impede que a gente enxergue os aprendizados que as passagens difíceis da vida nos trouxeram. Elas também são úteis porque nos fazem pensar melhor antes de agir, o que nos ajuda a não cometer os erros do passado novamente. "Isso pode evitar de ficarmos presos numa repetição, continuar fazendo tudo igual e tomando decisões que não nos fazem bem", resume Malcher.

Aceitar o passado é libertador

Fazer um balanço da vida é algo natural entre os idosos, por ter menos tempo pela frente e pelo acúmulo de vivências. Anos atrás, a enfermeira australiana Bronnie Ware ouviu de pacientes terminais quais eram os seus arrependimentos. Eles disseram que se pudessem voltar no tempo gostariam de ter trabalhado menos, vivido o que desejavam e não o que esperavam deles, ficado mais tempo com os amigos, expressado mais os próprios sentimentos e sido mais felizes.

Não é preciso chegar a esse ponto para descobrir o que realmente importa na vida. O primeiro passo para se libertar do peso do passado é olhar para trás e admitir o que foi feito. A partir daí, é possível avaliar o que pode ou não ser consertado. Mesmo quando não é possível reparar um erro, como por exemplo pedir perdão a alguém que faleceu, expressar esse sentimento ajuda a aliviar a culpa.

Um dos arrependimentos que mais machucam é o de ter deixado as oportunidades passarem. "É um vazio muito grande por que a gente nem tentou. Não ter feito deixa páginas em branco na nossa história. Ficar se autroprotegendo numa bolha não é só deixar de viver. É adoecer, se anular de tudo", avalia Kamkhagi. Ela diz que nunca é tarde para realizar sonhos antigos como estudar, reencontrar alguém especial, casar ou desenvolver habilidades como cantar, dançar e pintar.

Como diz a música Non, je ne regrette rien (Eu não me arrependo de nada), da cantora francesa Edith Piaf, há quem veja as experiências dolorosas de um jeito positivo. Mesmo que esse não seja o seu caso, procure ressignificá-las, se perdoe e siga em frente. "Sempre existe uma porta no coração, dentro do mundo interno que pode ser aberta. Isso é qualidade de vida, é saúde mental", conclui a psicóloga Dorli.

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