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A psicologia explica por que somos supersticiosos

Ferradura e trevo-de-quatro-folhas são considerados amuletos de boa sorte - iStock
Ferradura e trevo-de-quatro-folhas são considerados amuletos de boa sorte Imagem: iStock

Danielle Sanches

Do VivaBem, em São Paulo

29/10/2019 04h00

Poucas coisas conseguem unir o ser humano em uma única crença como as superstições. Quer apostar? Imagine quantas pessoas acreditam que o número 13 é sinônimo de azar (em Nova York, por exemplo, é comum os prédios pularem esse andar). Ou quantas pessoas acreditam que usar um amuleto as protege do mau-olhado. Há ainda os que fogem dos gatos pretos (pobrezinhos!) e evitam a todo custo passar embaixo de uma escada.

Sendo mundialmente famosas ou de efeito local, o mais fascinante dessas crenças populares é que, por mais que saibamos que são irracionais, ainda assim preferimos não dar chance para o azar e continuar acreditando nelas. Por que será?

A resposta é simples: a velha necessidade humana de controlar todos os aspectos da vida. Até mesmo os que não dependem de nós.

"Superstições são úteis quando não temos controle sobre algo que desejamos muito que aconteça", explica o psicólogo comportamental Stuart Vyse, especialista em crença e superstições e autor do livro "Believing in Magic: The Psychology of Superstition" ("Acreditando em Mágica: A Psicologia da Superstição, ainda sem tradução no Brasil).

Segundo ele, esse processo acontece em situações associadas a algo importante, como o nascimento dos filhos, um casamento ou uma entrevista de emprego. "Queremos muito que aquilo dê certo, mas não temos como garantir que isso vai acontecer do jeito que queremos".

Os rituais e amuletos, então, criam uma falsa sensação de que algo foi feito para garantir que o desfecho positivo vai acontecer. E isso nos dá uma sensação de alívio e conforto.

Mas isso é normal?

boa sorte, amuleto, nazar - iStock - iStock
O olho turco, também conhecido com Nazar ou olho grego, é um famoso amuleto de proteção
Imagem: iStock

Sim. De acordo com Bruce Hood, diretor do Centro de Desenvolvimento Cognitivo da Escola de Psicologia da Universidade de Bristol, na Inglaterra, e especialista em mitos e superstições, os humanos são seres deterministas causais, ou seja, enxergamos tudo —fenômenos relacionados à vida e morte, ao mundo etc.— como sendo causado por algo ou alguma coisa.

Dessa forma, criamos associações o tempo todo, em um processo automático, para tentar achar padrões que expliquem e organizem as informações que recebemos todos os dias. O problema é que, quando não há uma explicação clara aparente, o cérebro acaba fazendo uma associação que não é 100% racional. É daí que nascem as superstições.

"Essas crenças oferecem um senso de controle por meio de um processo puramente associativo", explica Hood. "Se você fizer uma apresentação excelente, e quiser repetir o resultado, vai tentar refazer todos os passos da primeira performance para garantir que tudo aconteça igual de novo", afirma.

A necessidade de controle vem de outra característica tipicamente humana: o medo frente ao desconhecido. "O cérebro não aceita a dúvida, a incerteza. Isso gera angústia e sofrimento", explica o psiquiatra Rodrigo Leite, coordenador dos ambulatórios do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). "E, para se proteger da dor, ele cria essa 'história', essas associações que o fazem sentir que temos controle sobre o que está acontecendo", diz o especialista.

E, mesmo sabendo que esse controle é ilusório, continuamos acreditando porque, bom, melhor isso do que nada, certo? "As superstições nos dão uma sensação de previsibilidade que é reconfortante", acredita Jane Risen, professora de ciência comportamental na Universidade de Chicago Booth, nos Estados Unidos, "E, mesmo que elas sejam diferentes e individuais, o processo psicológico por trás é geralmente o mesmo para todo mundo", acredita.

Mas as superstições podem mesmo nos ajudar?

boa sorte, figas - iStock - iStock
Fazer figas com os dedos são garantia de boa sorte, diz a superstição
Imagem: iStock

Por mais incrível que isso pareça, sim, elas podem ajudar você a ter uma performance melhor. Mas não do jeito que você imagina —elas não possuem nenhum poder mágico ou de outro mundo.

"Nossas expectativas e nossa ansiedade influenciam na forma como agimos, muitas vezes de forma negativa", afirma Vyse. "Por isso, seguir um ritual que consideramos que trará sorte nos dá confiança de que tudo vai correr bem", explica. Em outras palavras, ela tem um efeito semelhante ao que conhecemos como efeito placebo.

É um parecido com o que acontece quando o personagem Harry Potter usa a poção Felix Felicis, também chamada de sorte líquida. A mistura teria o poder de "ajudar a sorte" de quem a ingere, possibilitando que ele ou ela concretize tudo aquilo que desejar. É com esse incentivo que Harry consegue roubar um bruxo importante e ainda enfrentar os comensais da morte (seres horripilantes que sugam sua energia vital).

Mas a poção pode causar um excesso de confiança perigoso e levar a pessoa à loucura —indicando que seu efeito, na verdade, não é mágico, e sim psicológico, fortalecendo a confiança de quem a ingere. Exatamente como acontece com as superstições.

Até mesmo a ciência possui evidências (ainda que poucas) sobre isso. Em um estudo feito por cientistas da Universidade de Colônia, na Alemanha, eles concluíram que "ativar" amuletos por meio de frases relativas à boa sorte (algo como "quebre a perna", uma tradição dos atores de teatro) antes de qualquer performance melhorou o desempenho durante a prática de golfe e solução de anagramas e jogos de memória.

E quando elas fogem ao controle?

Superstições estão muito ligadas aos rituais. Conhecemos inúmeras superstições ligadas ao esporte, por exemplo —quando temos muito tempo para esperar por um resultado absolutamente fora do nosso controle.

Para amenizar essa ansiedade, criamos então os rituais para aliviar o estresse na medida em que acreditamos que isso garantirá um bom resultado. É comum, por exemplo, vermos jogadores de beisebol ou tênis realizarem alguns movimentos antes de começarem a jogar. Também encontramos torcedores que só assistem aos jogos do time se estiverem usando uma determinada peça de roupa.

O problema é quando esse excesso de ritualização da vida foge ao controle, com comportamentos repetitivos que podem estar associados ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

Aqui, no entanto, há uma diferença importante: enquanto a superstição é uma forma de garantir que algo aconteça como queremos, trazendo conforto, o ritual do TOC é feito para impedir que algo ruim aconteça, e não provoca alívio. "O ritual do transtorno é individual e faz sentido apenas para aquela pessoa. Não vemos isso nas superstições", explica Rodrigo Leite.

Ou seja, não há nada de errado usar a "camisa da sorte" em toda reunião importante, ou dar três pulinhos para São Longuinho encontrar logo o objeto que se perdeu, se isso não torna a sua vida mais angustiante. Afinal, quem nunca, não é mesmo?

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