Ela levou 20 anos para descobrir doença rara: 'Não pude correr na infância'
Nascida na pacata cidade de Ibiraiaras (RS), Deise Zanin, 35 anos, enfrentou durante muito tempo diversos problemas de saúde que nenhum médico sabia ao certo eram.
"Comecei a sofrer problemas de visão aos 6 anos e os especialistas inicialmente acharam que ser glaucoma. Depois, fui encaminhada para um médico reumatologista, que me diagnosticou com artrite reumatoide juvenil. Só depois de 20 anos descobri que tratei a doença errada a vida inteira", conta Deise.
A gaúcha soube a real causa de seus problemas em 2005, quando iniciou um tratamento no Hospital de Clínicas em Porto Alegre e foi diagnosticada com mucopolissacaridose tipo 1, uma doença rara, genética, hereditária e sem cura. A enfermidade impede o corpo de produzir normalmente enzimas essenciais aos processos químicos vitais do organismo.
No tipo 1, conhecido também como Síndrome de Hurler ou de Scheie, o paciente carece da enzima alpha-L-iduronidase, responsável pela degradação de alguns tipos de açúcares. A condição pode comprometer ossos, articulações, vias respiratórias e sistema cardiovascular, além das funções cognitivas.
Limitações na infância
Deise conta que sofreu muita rejeição na infância e adolescência por conta das dificuldades geradas pela mucopolissacaridose, que a faziam se retrair por se sentir diferente das demais crianças.
Nas brincadeiras com meu irmão e meus primos, eles corriam, subiam em árvores e isso eu não conseguia fazer."
Ela também não podia realizar os exercícios e esportes nas aulas de educação física. ''Mas os professores compreendiam minhas limitações e faziam questão de me inserir nas atividades como assistente."
Mesmo diante de dificuldades, ela sempre se esforçou para levar uma vida normal e nunca deixou se abalar. "Desde que comecei o tratamento, em 2005, nunca desisti. Cada descoberta sempre foi e é um motivo a mais para seguir em frente. O preconceito existe, mas o que mais me tira do sério é a reação de pavor e medo das pessoas quando se fala em doença rara, isso é muito triste'', afirma Deise, que atualmente preside o Instituto Atlas Biosocial, uma organização sem fins lucrativos, que trabalha em prol das pessoas com doenças crônicas, graves e raras.
O tratamento
Como a doença se dá pela não produção de alpha-L-iduronidase, o tratamento de Deise basicamente consiste na reposição desse substância. Mas isso não é tão simples quanto pode parecer: a cada 15 dias, ela fica quatro horas no hospital recebendo a enzima que seu organismo necessita.
Apesar de a mucopolissacaridose tipo 1 não ter cura, com a terapia é possível estabilizar o problema e ter qualidade de vida. "Felizmente, consegui recuperar parte de minha coordenação motora e diminuir a rigidez nos músculos e nas articulações que restringe a movimentação normal."
A rotina de tratamento é muitas vezes exaustiva, ficar horas no hospital, ir para consultas, fazer exames, mas hoje vejo que tudo valeu a pena, pois graças a isso tenho qualidade de vida"
Nova terapia é esperança
No Rio Grande do Sul, pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) estão desenvolvendo uma nova técnica para tratar a mucopolissacaridose tipo 1.
O procedimento, ainda em fase de teste e inédito no Brasil, está sendo realizado com Deise e outros cinco pacientes. "O tratamento alternativo consiste na correção da mutação genética que causa a doença no DNA'', explica Guilherme Baldo, um dos pesquisadores da UFRGS.
O método tem alto custo, em média, 300 mil dólares por paciente ao ano. No entanto, no final de 2018 o SUS (Sistema Único de Saúde) incorporou novos tratamentos para doenças raras, inclusive para mucopolissacaridose tipo I e II.
Enquanto a pesquisa da UFRGS não é concluída e o método disponibilizado a todos, os pacientes com a doença rata têm à disposição gratuitamente dois novos medicamentos: alaronidase e a idursulfase alfa.
Entenda melhor a mucopolissacaridose
Segundo o Ministério da Saúde, a mucopolissacaridose tipo 1 está associada a três formas clássicas, que diferem entre si com base na presença de comprometimento neurológico, na velocidade de progressão e na gravidade do cometimento dos órgãos (fígado, pâncreas, coração).
Na forma grave, também conhecida como síndrome de Hurler, os pacientes costumam ser diagnosticados até os dois anos de idade, apresentam atraso de desenvolvimento cognitivo aparente entre os 14 e 24 meses de vida e estatura geralmente inferior a 110 cm. Problemas respiratórios são características comuns na maioria das crianças, com diagnósticos de infecção nas vias aéreas, além de otite média recorrente e rinorreia.
Já na forma intermediária ou moderada, também chamada de síndrome de Hurler-Scheie, os pacientes costumam apresentar evidência clínica da doença entre os três e oito anos de idade. A baixa estatura final é relevante, a capacidade intelectual não costuma ser afetada e a sobrevivência até a idade adulta é comum.
Na condição atenuada, ou síndrome de Scheie, os sintomas costumam iniciar-se entre os cinco e 15 anos de idade e progridem de forma lenta. O curso clínico é dominado por problemas ortopédicos e a altura final é normal ou quase normal, assim como o tempo de vida, o qual, entretanto, pode se ser reduzido pela doença cardíaca.
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