Dá para comandar seus sonhos: entenda o sonho lúcido e como ter um
Resumo da notícia
- Sonhos lúcidos são aqueles em que o sonhador sabe que está sonhando e em casos de muita lucidez, é possível até controlar o rumo do sonho
- Embora a maioria dos brasileiros já tenha tido sonhos lúcidos, eles não são frequentes
- Existem várias técnicas e dicas que ajudam a ter sonhos lúcidos e essa habilidade é útil para interromper pesadelos e ajudar na resolução de problemas
- As regiões frontal e occipital do cérebro ficam mais ativadas quando a pessoa tem sonhos lúcidos
Você já quis voar, ter superpoderes, criar lugares de acordo com a sua imaginação, reencontrar pessoas que já faleceram ou viver outras situações que seriam impossíveis na realidade? Isso é algo normal em filmes como A Origem e Sonhando Acordado, onde os personagens escolhem os sonhos que querer ter. Mas engana-se quem pensa que ter domínio sobre os enredos oníricos é uma exclusividade da ficção científica. Ao contrário. Essas películas reproduzem um fenômeno explicado pela ciência: o sonho lúcido.
Parece mágica, mas não é. O sonho lúcido acontece quando há a consciência de estar sonhando durante o sonho. Ou seja, não é preciso acordar para saber que as aventuras vividas à noite ocorreram em sua mente. Se a pessoa estiver muito lúcida, ela consegue um feito ainda mais incrível: pode controlar o rumo das histórias que vive depois de dormir do jeito que bem entender.
"Quando as pessoas veem uma coisa que é impossível de acontecer, como voar, elas se questionam porque está ocorrendo aquilo e têm consciência de que estão sonhando. Essa autoconsciência, ou metacognição, é como se fosse o início da lucidez", diz Sérgio Arthuro Mota-Rolim, neurocientista e pesquisador do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Mas não é tão fácil assim ter sonhos lúcidos. Em sua tese de doutorado, Mota-Rolim constatou que cerca de 75% dos brasileiros já tiveram pelo menos um sonho lúcido. Dentro do universo pesquisado, a maioria teve, no máximo, dez ao longo da vida. A conclusão é que apesar desse tipo de sonho ser comum, ele é pouco frequente, embora algumas pessoas consigam tê-lo sempre.
Viagem ao mundo dos sonhos
Embora existam relatos de sonhos lúcidos desde o tempo de Aristóteles, as pesquisas sobre sonhos lúcidos são recentes. Sabe-se, por exemplo, que é durante o sono REM (sigla que significa Rapid Eye Movement, ou Movimento Rápido dos Olhos) que costumam acontecer os sonhos lúcidos.
O psicólogo Stephen LaBerge, da Universidade de Stanford, descobriu que a nossa percepção do tempo é diferente nos dois tipos de sonhos. Quem nunca teve a sensação de que sonhou durante horas num cochilo de apenas cinco minutos? Isso acontece nos sonhos comuns. Mas nos lúcidos, percebemos o tempo da mesma maneira que quando estamos acordados.
Para chegar a essa conclusão, LaBerge recorreu a uma polissonografia (exame que registra variações fisiológicas durante o sono). Embora as pessoas estivessem com todos os músculos do corpo relaxados e sem poder falar, podiam se comunicar com o pesquisador através do movimento dos olhos na fase REM do sono. O psicólogo pediu que elas fizessem cinco movimentos com os olhos, contassem dez segundos e repetissem os movimentos, caso estivessem tendo sonhos lúcidos. Foi assim que ele descobriu que a duração dos segundos era parecida com a do relógio.
Muita gente confunde os sonhos lúcidos com os vívidos, aqueles que parecem reais, cujas cores, formas, profundidade e diálogos são tão nítidos que a gente se lembra com detalhes quando acorda. A verdade é que os sonhos lúcidos podem ou não ser vívidos. O "falso despertar", tipo de sonho no qual agimos como se estivéssemos acordados, fazendo coisas como escovar os dentes e preparar o café da manhã, também causa confusão entre as pessoas. Ele também não é lúcido.
Uma questão de treino
Se você quer ter sonhos lúcidos, saiba é que necessário treinamento e muita persistência. Confira a seguir algumas técnicas e dicas que podem te ajudar:
- Programe o despertador para te acordar meia ou uma hora antes do horário de costume. A ideia é despertar na fase REM do sono sem fazer movimentos bruscos ou abrir os olhos. Assim você se lembrará do sonho. Fique concentrado nele até adormecer, de modo que volte a tê-lo. Quando isso acontece, a probabilidade de estar lúcido é maior. Se não der certo, pelo menos terá a chance de continuar um sonho bom.
- Faça um diário de sonhos. Antes de dormir, pense muito no que você deseja sonhar, pois a imaginação facilita o sonho lúcido. Além disso, deixe um caderno ao lado da cama para anotar todos os sonhos que tiver, porque quanto mais você escreve, mais consegue se lembrar deles, inclusive dos lúcidos. Se preferir, pode usar um gravador e descrever suas aventuras oníricas.
- Deixe o celular e a televisão de lado. Os pesquisadores acreditam que uma das razões para as pessoas não se lembrarem dos sonhos é o uso exagerado desses aparelhos. Isso porque o sono REM acontece, sobretudo, no final do sono. Podemos dividir a noite em duas metades. Na primeira, há um predomínio do sono superficial e profundo. Já na segunda, prevalecem o sono superficial e o REM. O primeiro é aquele que descansa o cérebro, repõe neurotransmissores e faz processos anabólicos. Já o sono REM prepara o corpo para o momento de acordar e é importante para a regulação emocional.
- Seja persistente. Mesmo com o treinamento, a maioria das pessoas demora para começar a ter sonhos lúcidos. Algumas nem conseguem. Por isso, uma dica importante é combinar diferentes técnicas para aumentar as chances de ser um sonhador lúcido.
Coadjuvante no tratamento de problemas emocionais
Sonhos lúcidos trazem insights importantes para a vida. É o que enfatizam Patrick Bourke e Hannah Shaw, pesquisadores da Universidade de Lincoln, no Reino Unido. "Sonhadores lúcidos frequentes resolvem mais os problemas significativamente visuais do que sonhadores não-lúcidos. Isso sugere que os insights experimentados durante o estado de sonho podem estar relacionados à mesma cognição necessária para obter informações no estado de vigília".
Marcos Cesar de Freitas, psicanalista e professor de psiquiatria da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), afirma que os sonhos lúcidos são benéficos para resolver questões emocionais. "Eles podem dar uma resolução à pessoa de uma questão que ela traz". O especialista acrescenta que esse sonho é um recurso a mais no tratamento de depressões reativas, ansiedades, fobias, sentimentos de insuficiência, síndrome do pânico e estresse pós-traumático.
Freitas dá um exemplo de como o sonho lúcido pode ajudar nesses casos. "Imagine um homem que está deprimido porque a esposa o está reprovando há três anos. No sonho lúcido ele pode revivenciar essas objeções feitas pela mulher dele. E a partir disso, diminuir o estado depressivo". O psicanalista diz que o único obstáculo nesse processo é a pessoa incluir censuras internas na lucidez que acompanha o sonho.
Útil para interromper pesadelos
Por mais absurdo que seja um pesadelo, acreditamos que ele está acontecendo de verdade. O pior é que muitos deles são recorrentes, principalmente quando a pessoa tem estresse pós-traumático ou depressão grave. Nesses casos, o sonho lúcido é um meio de assumir as rédeas do enredo onírico e transformá-lo em uma história agradável. O problema é que se o grau de lucidez do sonhador for pequeno, ele não consegue controlar o sonho nem acordar. E acaba assim vivendo um pesadelo lúcido, sabendo que é só um sonho.
Mota-Rolim diz que a maioria das pessoas gosta da experiência de ter sonhos lúcidos. Mas algumas se queixam de não descansar tanto quanto gostariam. "Isso faz sentido porque elas têm muito sono REM, muitos despertares e pouco sono profundo, que é o que a gente descansa mais o cérebro e tem menos sonhos", avalia.
Para quem tem sonhos lúcidos junto com a paralisia do sono (não conseguir mexer o corpo após acordar), a experiência também não é nada agradável. Isso porque a paralisia é a impossibilidade de se mover na transição entre o sono profundo e o acordar. Então a pessoa sabe que está sonhando e quer despertar, mas não consegue.
O que acontece no cérebro do sonhador
Para entender melhor o fenômeno, o cérebro de sonhadores lúcidos foi estudado. "A gente viu que essas pessoas tiveram uma reação na região frontal do cérebro, que está relacionada com funções cognitivas superiores, autoconsciência, memória de trabalho, linguagem e tomada de decisões", relata o pesquisador.
Ou seja, comparados aos sonhadores não-lúcidos, os lúcidos tiveram uma atividade maior na região frontal do cérebro. A pesquisa ainda identificou um aumento da potência na região occipital —que fica atrás do cérebro — e é responsável principalmente pelo processamento de informações visuais. E que também fica ativada quando a pessoa está acordada e com os olhos fechados.
Com essas informações em mãos, o estudo deduziu que provavelmente os sonhos lúcidos ocorrem perto da hora de acordar. "É como se ele fosse o estado de transição entre o sono REM e o estado acordado. Como se o cérebro estivesse acordando aos poucos", afirma Mota-Rolim.
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