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Estudo brasileiro indica pistas da origem do diabetes tipo 1

Alterações na microbiota do intestino podem estar associadas ao surgimento da doença - vgajic/iStock
Alterações na microbiota do intestino podem estar associadas ao surgimento da doença Imagem: vgajic/iStock

Carlos Fioravanti

Da Revista Pesquisa Fapesp

23/11/2019 10h21

Pesquisadores das universidades Federal de Minas Gerais (UFMG) e de São Paulo (USP) identificaram em modelos animais uma sequência de alterações orgânicas nas populações de bactérias que colonizam o intestino (microbiota) que pode desencadear o diabetes tipo 1, caracterizado pela destruição das células do pâncreas produtoras de insulina por outras células do organismo.

De acordo com esse estudo, publicado em julho na revista científica Journal of Leukocyte Biology, a produção de substâncias antimicrobianas e de anticorpos que protegem a membrana do intestino é muito baixa em uma linhagem especial de camundongos, que desenvolve diabetes espontaneamente e reproduz a evolução da doença em seres humanos. Diante de barreiras deficientes, bactérias que vivem no intestino sem causar doenças e as toxinas que produzem atravessam a membrana e se instalam nos gânglios linfáticos - ou linfonodos - que conectam o pâncreas e a porção inicial do intestino. Nos linfonodos, os microrganismos e as toxinas podem ativar um grupo de células brancas, os linfócitos T.

"O deslocamento de bactérias do intestino para os linfonodos precipita processos inflamatórios que poderiam ocorrer apenas mais tarde", diz a médica imunologista Ana Maria Caetano Faria, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFMG, que coordenou o estudo. Nos linfonodos, uma proteína da superfície de células brancas do sangue conhecida como NOD2 reconhece as bactérias e toxinas que migraram do intestino e geraram uma resposta inflamatória, ativando os linfócitos T, como descrito por uma equipe da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) em um artigo de 2016 na Journal of Experimental Medicine.
Os linfócitos T vão em seguida para o pâncreas e, incapazes de distinguir o que é do próprio organismo de microrganismos causadores de doenças, destroem as células beta, produtoras de insulina.

Mais comum nas duas primeiras décadas de vida, o diabetes tipo 1 acomete cerca de 1,1 milhão de pessoas e é tratado com reposição de insulina. O tipo 2, no qual a insulina é produzida, mas não utilizada pelo organismo, é o mais comum, com 90% dos casos diagnosticados, e atinge cerca de 11 milhões de pessoas no país. O diabetes tipo 1 é classificado como uma doença de predisposição genética, mas menos de 10% das pessoas suscetíveis desenvolvem o distúrbio. Fatores ambientais, como a dieta, exposição a agentes infecciosos e mudanças na composição da microbiota intestinal, também estão associados à doença. "A predisposição genética não age sozinha nem explica tudo. Entre irmãos gêmeos, um pode ter a doença mais cedo e o outro mais tarde", comenta Faria.

Os camundongos do tipo diabetes não obeso (NOD), usados nos experimentos que levaram a essas conclusões, começam a desenvolver a doença quatro semanas após nascer, logo depois do desmame. "Identificamos processos inflamatórios no intestino anteriores ao primeiro sinal clínico do diabetes - a elevação das taxas de glicose no sangue -, que ocorre normalmente após a 20ª semana de vida", relata Faria. Segundo ela, os animais dessa linhagem produzem poucos anticorpos, principalmente a imunoglobulina do tipo A (IgA), e pouco muco, gel com propriedades antimicrobianas que reveste a mucosa intestinal.

Na UFMG, os experimentos realizados pela bióloga Mariana Miranda registraram uma redução na produção de interleucina 10 (IL-10) no intestino dos camundongos, antes e durante o desenvolvimento do diabetes. A IL-10 é uma citocina anti-inflamatória na regulação do sistema de defesa na mucosa intestinal. Sua escassez facilita a progressão de inflamações e a migração de células através da mucosa intestinal.

"Uma das primeiras etapas do diabetes tipo 1 é uma mudança significativa no perfil da microbiota intestinal", diz a bióloga Daniela Carlos Sartori, da FMRP-USP, que participou desse trabalho. "Bactérias não patogênicas com potencial probiótico, como Lactobacillus e Bifidobacterium, são substituídas por outras, patogênicas e pró-inflamatórias, como Escherichia coli", diz.

No Instituto Científico São Rafael, em Milão, na Itália, a imunologista Chiara Sorini também verificou em camundongos que a colite, um tipo de inflamação intestinal, pode alterar a camada de muco, debilitar a barreira intestinal e levar ao diabetes tipo 1. Em um artigo publicado também em julho na revista PNAS, Sorini e outros pesquisadores da Itália e da Suécia argumentaram que o aumento da permeabilidade da mucosa intestinal é "diretamente responsável" pela destruição das células beta, que ocasiona o diabetes tipo 1. De acordo com esse trabalho, camundongos NOD, apesar de terem células T específicas para células beta, não se tornam diabéticos a menos que um evento, como a perda da barreira intestinal, dispare o processo de autoimunidade.

"Talvez a microbiota não seja a responsável direta pelo diabetes tipo 1, mas certamente é um dos fatores que desencadeiam a doença", ressalva o endocrinologista Mário Saad, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que não participou desses estudos. "Os avanços no esclarecimento das causas do diabetes são muito importantes, mas ainda estamos longe da cura ou de novos tratamentos." As causas poderiam ser ainda mais complexas. Em um artigo publicado em março de 2016 na Nature Reviews Endocrinology, Mikael Knip e Heli Siljander, da Universidade de Helsinque, na Finlândia, observaram que as alterações nas populações de bactérias, por começarem depois da produção de anticorpos que vão atacar as células beta, poderiam estar envolvidas na progressão da doença, mais do que em
sua causa.

"A partir desses resultados, recomendamos evitar as dietas ricas em carboidratos refinados e gorduras, que facilitam esse processo, e avaliar intervenções nutricionais à base de fibras, ou de probióticos, com as próprias bactérias, para manter a microbiota intestinal saudável", comenta Sartori.

Projeto
Estudo do perfil do microbioma intestinal e do potencial terapêutico de estratégias de intervenção na imunopatogenia do diabetes tipo 1 e 2 (nº 18/14815-0); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisadora responsável Daniela Carlos Sartori (USP); Investimento R$ 2.416.301,71.

Artigos científicos
MIRANDA, M. C. G. et al. Abnormalities in the gut mucosa of non-obese diabetic mice precede the onset of type 1 diabetes. Journal of Leukocyte Biology. v. 106, n. 3, p. 513-29. 16 jul. 2019.
SORINI, C. et al. Loss of gut barrier integrity triggers activation of islet-reactive T cells and autoimmune diabetes. PNAS. v. 116, n. 30, p. 15140-9. 23 jul. 2019.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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