Estudo avalia molécula que pode reverter lesões da doença de Chagas
Os dados oficiais estimam que de 2 a 5 milhões de brasileiros padecem cronicamente com a doença de Chagas. "É a terceira causa de transplante cardíaco no Brasil", revela o cardiologista Sandrigo Mangini, do Programa Einstein de Transplantes.
Presente também em países como Argentina, Bolívia, México, Peru e Colômbia, o problema chegou à Europa e aos Estados Unidos com a migração dos latino-americanos. O mal provoca lesões em órgãos como o coração ao longo de décadas e de maneira silenciosa, levando a quadros de insuficiência cardíaca, quando a bomba que existe no peito aumenta de tamanho e não consegue mais trabalhar direito.
"O tratamento clínico para Chagas não é tão bem-sucedido em comparação com outras doenças coronarianas", explica Mangini. Daí a promessa de uma pesquisa que está sendo feita no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), no Rio de Janeiro.
Os cientistas testaram uma molécula capaz de bloquear o processo de fibrose do tecido cardíaco que ocorre na fase crônica do mal. "Usamos um composto que inibe o receptor da TGF-beta", conta Mariana Whagabi, líder do estudo e pesquisadora do Laboratório de Genômica Funcional e Bioinformática do IOC.
É essa proteína do sistema imune que está por trás das alterações no coração. Os resultados foram bastante animadores. Houve reversão do processo de cicatrização e melhora da função cardíaca. Em um dos esquemas terapêuticos, foi verificada também regeneração do tecido muscular do órgão.
Publicado na revista científica PLoS Neglected Tropical Diseases, o trabalho usou camundongos para testar a molécula, que é produzida pelo laboratório GSK. Os animais foram inoculados com o Trypanosoma cruzi, o protozoário que provoca o mal de Chagas. Neles, o problema ocorre de forma parecida com a dos seres humanos.
"É um bom modelo", diz Mariana. Para se tornar crônica em homens e mulheres, a enfermidade leva de 20 a 30 anos. Nos roedores, 4 meses. Trata-se de uma doença negligenciada. Entram nesse grupo moléstias causadas por vírus, parasitas e bactérias que acometem principalmente as camadas mais pobres da população. Eis a razão do pouco interesse da indústria farmacêutica em buscar medicamentos para essa condição.
O Trypanosoma cruzi pode ser transmitido pelo barbeiro, que pica a vítima para se alimentar de sangue e, no ato, defeca, evacuando o parasita. A ferida é sua porta de entrada no organismo. Ele viaja pela corrente sanguínea e se abriga nas células cardíacas.
Alimentos como açaí e cana-de-açúcar com restos do inseto e suas fezes são outra forma de a contaminação ocorrer, além de transfusão de sangue. Na gestação, a mãe infectada também pode passar o problema para o filho. A fase aguda é caracterizada por um quadro que se assemelha ao da gripe. Já na crônica, a resposta imunitária gerada pelo organismo pode deflagrar um processo inflamatório intenso que provoca lesões no coração, além de esôfago e intestino. Tudo de maneira silenciosa. Daí o surgimento de insuficiência cardíaca muitas décadas depois.
A droga disponível hoje para o tratamento, o benzonidazol, é capaz de dar cabo do Trypanosoma cruzi nos estágios iniciais da doença. Mas alguns parasitas podem apresentar resistência à ela, sem contar que o problema quase não é diagnosticado na chamada fase aguda. Com isso, muitos pacientes crônicos com Chagas acabam na fila do transplante.
"É uma boa opção", diz o cardiologista Sandrigo Mangini. Isso porque essas pessoas geralmente têm de 35 a 40 anos e não apresentam outras doenças, a exemplo de diabetes, hipertensão e obstrução das artérias. Mas a espera pelo novo coração pode ser demorada e, infelizmente, 30% dos pacientes acabam morrendo.
"A doença de Chagas está relacionada com uma questão socioeconômica", diz Mangini. "E o melhor tratamento é o transplante, que tem um custo muito alto." Ele continua: "É louvável qualquer estratégia nacional que busque os mecanismos desse problema."
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