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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Afinal, por que sempre nos estressamos tanto no fim do ano?

O estresse de fim de ano é real e causado principalmente pelo acúmulo de compromissos e expectativas - iStock
O estresse de fim de ano é real e causado principalmente pelo acúmulo de compromissos e expectativas Imagem: iStock

Danielle Sanches

Do VIvaBem, em São Paulo

10/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Excesso de compromissos e expectativas no último mês do ano gera sentimentos de angústia, ansiedade e estresse
  • Confraternizações e reuniões de família também acabam sendo foco de tensões e conflitos, o que só agrava o quadro
  • Especialistas recomendam ter serenidade e tentar evitar cobranças excessivas ou mesmo encontros que não trarão benefícios
  • É importante também reconhecer os próprios limites e aceitar que, se nem tudo se resolveu neste ano, ainda há tempo no próximo para resolver

Dezembro é época de encerramento de ciclos, comidas gostosas, de reencontrar os amigos em longas confraternizações, trocar presentes com pessoas queridas e celebrar todas as coisas boas que aconteceram ao longo do ano. Certo?

Mas também é o mês em que gastamos muito, somos forçados a encontrar pessoas nem tão agradáveis em reuniões de trabalho e de família (quem não tem um tiozão do pavê à espreita?) e ainda precisamos admitir que nem todas as metas (pessoais e profissionais) que nos propusemos a realizar foram atingidas.

Some-se a isso as longas filas em lojas e shoppings e o trânsito congestionado, e temos a receita para o já tradicional estresse de fim de ano.

Se você sofre disso, fique tranquilo: você não está sozinho! Dados da ISMA-BR (International Stress Management Association) dão conta que o nível de estresse entre as pessoas aumenta, em média, 75% no último mês do ano.

Esse sofrimento é tão intenso que suspeita-se até de ser a causa por trás do aumento nos casos de ataque cardíaco no período. É o que diz um estudo publicado no British Medical Journal, que mostrou um aumento de 37% nesses quadros no dia de Natal e 20% na celebração de virada do ano.

Dá para apontar uma causa?

Na busca por entendermos esses sentimentos negativos que aparecem justamente em uma época de festa e celebração, encontramos não apenas um, mas vários fatores que contribuem para esse estado de espírito.

Há, por exemplo, um forte estímulo ao consumo e um consequente aumento de gastos (dinheiro que nem sempre temos), o que por si só já é um fator de bastante apreensão. Afinal, queremos garantir que as pessoas ganhem o melhor presente — e, na contrapartida, também esperamos ser lembrados pelos outros.

Esse aumento das compras causa outras consequências: aumento no fluxo de pessoas na rua, mais trânsito. "Observamos um clima generalizado de irritação e agitação por conta disso", afirma a a psicóloga Elaine Di Sarno, pesquisadora e colaboradora do PROJESQ (Projeto Esquizofrenia) do Ipq (Instituto de Psiquiatria) do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Por fim, ainda nos deparamos com aquela reflexão básica sobre como foi o ano que passou. O que foi feito? O que alcancei? E, principalmente: por que não consegui cumprir todos os objetivos? Onde foi que eu errei?

Na verdade, ao analisarmos esse cenário, fica claro que é justamente o excesso de compromissos e pendências que gera uma sobrecarga no nosso emocional, funcionando como gatilho para sentimentos de ansiedade, angústia, frustração e até tristeza.

"É o mês em que tenho mais pacientes novos entrando no consultório", pondera Di Sarno. "Há uma cobrança excessiva por metas que não foram fechadas ainda e que dificilmente serão alcançadas antes do novo ano", explica.

"Essa sobrecarga de encontros e sentimentos acaba nos deixando frustrados, cansados e ansiosos", acredita Rodrigo Martins Leite, coordenador dos Ambulatórios do Ipq do HCFMUSP. "É uma época de euforia, mas em vez de alegria, ela desperta muitas vezes angústia e frustração", explica.

Porto seguro?

Além de todas as essas cobranças, dezembro é também quando precisamos estar em confraternizações com pessoas —sejam colegas de trabalho ou familiares — que nem sempre demonstraram cuidado e atenção conosco durante o ano (ou a vida toda).

Nesse caso, a expectativa é sempre por um conflito que pode estourar de uma hora para outra ou mesmo uma ausência em um encontro importante. "É um momento em que mágoas e histórias do passado estão à flor da pele e nem sempre é possível passar sem se machucar mais", avalia Leite.

Por outro lado, a confraternização do escritório ou dos amigos da faculdade também pode vir carregada de ressentimento e ser encarada como uma mera formalidade. "Há uma cobrança para agradar o outro nesses eventos e isso também gera ansiedade", explica Di Sarno.

Colocar limites é a melhor proteção

De acordo com os especialistas, a melhor forma de lidar com o estresse de fim de ano é reconhecer que todos temos limites, que não será possível realizar 100% das tarefas que gostaríamos e, principalmente, aprender a preservar nossos sentimentos perante outras pessoas.

E não, não é uma tarefa simples. "É difícil mesmo, mas blindar-se contra o excesso de expectativas e manter um olhar mais sereno perante os acontecimentos é a melhor forma de manter-se preservado e não se machucar ainda mais", ensina Leite.

Ele ainda lembra que o cultivo da gratidão é um poderoso antídoto contra a tristeza e a angústia dessa época. "Somos todos limitados, e conseguir entender que demos o nosso melhor e que recebemos o que foi possível é uma forma de reduzir o estresse do momento", afirma.

Para Dorli Kamkhagi, psicóloga do Laboratório de Neurociências do IPq do HC-FMUSP, é válido também reavaliar se não estamos exigindo demais de nós mesmos. "Queremos chegar em dezembro com a vida resolvida para começar o ano novo zerados, mas isso simplesmente nunca é possível", diz. "É como se nós nos reprovássemos e não tivéssemos uma segunda época para conseguir ajustar o que faltou", afirma.

O ideal, então, é encarar o fim do ano como uma passagem de tempo, algo que terá continuação —e, portanto, uma nova oportunidade para conseguir realizar sonhos. "É preciso serenidade para aceitar isso e acreditar que, no ano que vem poderemos ser melhores como queremos."