Por que crianças autistas são sensíveis ao barulho dos fogos de artifício?
É comum encontrar crianças (e também adultos) com TEA (Transtorno do Espectro Autista) que sofrem crises por conta do barulho excessivo dos rojões e foguetes utilizados para celebrar a chegada do novo ano.
Mas por que isso acontece?
Muitos indivíduos com TEA apresentam uma hipersensibilidade sensorial aos estímulos do ambiente. O fator é, inclusive, um dos critérios levados em conta na hora de fechar o diagnóstico. Um latido de cachorro ou uma buzina de caminhão, por exemplo, podem ser suficientes para causar pânico em crianças dentro desse espectro.
É como se eles escutassem todos os sons do ambiente de uma só vez sem focar a atenção em nenhum deles, provocando uma sobrecarga naquele sentido. "É algo que foge ao controle deles", explica a neuropsicóloga Deborah Moss, mestre em psicologia do desenvolvimento pela pela USP (Universidade de São Paulo).
A hipersensibilidade sensorial pode ainda acometer outros sentidos:
- No caso do tato, a criança pode ter medo de texturas e evitar andar descalço na grama ou usar meias, por exemplo.
- Quando atinge o paladar, pode fazer com que o indivíduo coma apenas alimentos pastosos, ou só secos.
- No campo visual, luzes intensas também podem provocar essa sobrecarga sensorial, que acaba causando desconforto e até comportamentos agressivos nos autistas.
De acordo com Marcos Escobar, neuropediatra no Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), isso acontece porque indivíduos com a condição tem dificuldade em entender o contexto das situações, impedindo que ela consiga modular seu comportamento. "Ela não consegue prever o que vem depois e isso a assusta, faz com que ela fique frustrada e se desorganize", explica.
"Desorganização" nas percepções
A pessoa sente-se sobrecarregada pelos estímulos que recebe e, como não consegue entender o contexto da situação, acaba tendo dificuldade para organizar sua percepção e modular sua reação a eles.
No caso dos fogos de artifício durante a virada do ano, indivíduos neurotípicos (isto é, que não estão dentro do espectro autista) compreendem que eles serão disparados porque é uma tradição social para celebrar a data.
"Mas, se acordássemos às três da manhã de um dia comum com uma bateria de fogos imensa na nossa janela, ficaríamos confusos com aquilo, questionaríamos se são fogos ou tiros, sentiríamos irritação e até medo", explica o médico.
Como ajudar?
De acordo com Escobar, quadros mais leves de TEA acabam tendo uma cognição social mais desenvolvida, permitindo que esses indivíduos se adaptem melhor à hipersensibilidade. Quando o grau é mais grave, no entanto, a contextualização das situações é muito difícil.
- Uma das formas de amenizar o problema é trabalhar com terapeutas ocupacionais para que o paciente seja dessensibilizado dos estímulos que deixam a criança desorganizada.
- Os pais também podem ajudar na contextualização, explicando que aquele som é esperado e que irá acabar depois de alguns minutos.
- É importante que os pais ou cuidadores realizem um trabalho de contenção da criança para evitar que ela se machuque ou machuque outros.
- Vale também tentar criar um ambiente controlado, mais silencioso e com menos pessoas, em que a criança se sente segura, para passar pelo período.
A especialista lembra, no entanto, que as terapias podem ajudar, mas não resolvem a questão. "Não existe um aprendizado, um treino sobre como lidar com a situação", afirma. "Isso é uma característica daquele indivíduo e é mais fácil nós nos adaptarmos à realidade deles", explica.
Os dois especialistas concordam que, nesse momento, é importante tentar se colocar no lugar do autista para compreender quão difícil é vivenciar aquele momento. "Não é birra ou falta de vontade. As terapias ajudam, mas nunca vão modificar a hipersensibilidade sensorial desses indivíduos", afirma Escobar.
* Matéria originalmente publicada em 30/12/2019.
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