"Falavam comigo e eu não ouvia", conta homem que teve tumor no ouvido
"As pessoas falavam comigo e eu não ouvia". A frase do analista fiscal Luis Lopes Cardoso, 31, expõe um dos principais sintomas do tumor que pode atingir o ouvido. Considerada uma doença comum pela Sociedade Brasileira de Otologia, o colesteatoma, quando não tratado, pode trazer consequências graves à saúde do paciente.
No caso de Cardoso, a falta de um diagnóstico precoce fez toda diferença na vida dele. Desde criança, ele apresentava problemas no ouvido: dores, inflamações, ruídos e secreções, mas tudo era resolvido com drenagens. O rapaz conta que era comum ter otite na infância —outro fator de risco para o crescimento do colesteatoma.
Passou-se anos sem que ele apresentasse os sintomas, mas então Cardoso voltou a sentir algo estranho nos ouvidos. Por volta dos 26 anos, o analista fiscal percebeu que não estava escutando muito bem: as pessoas avisavam que ele estava falando alto demais. Também começou a notar uma secreção no ouvido acompanhada de um cheiro muito forte.
O rapaz, então, foi atrás de tratamento com otorrinolaringologistas —responsáveis por tratar as áreas do ouvido, garganta e nariz. Durante cinco anos, Cardoso foi vivendo um eterno ciclo no tratamento. Sentia o líquido vazando e a perda da audição; ia ao médico, que pingava um remédio, fazia a limpeza e pronto. Dois meses depois, tudo se repetia.
Foi aí que ele resolveu procurar um médico especializado no assunto, que fez o primeiro diagnóstico: colesteatoma adquirido nos dois ouvidos, em um grau já considerado grave. "Precisei fazer a cirurgia às pressas de retirada dos tumores para que eu não tivesse problemas maiores no futuro", conta o analista fiscal.
Um ouvido foi operado de cada vez. Em 2018, ele fez a primeira cirurgia no esquerdo, onde o colesteatoma estava maior. Seis meses depois, foi a vez do direito. O procedimento causou uma perda de audição.
Hoje em dia, Cardoso tem uma deficiência auditiva acima de 46 decibéis, nos dois ouvidos. O analista usa um aparelho de audição, que o deixa escutar normalmente. "Foi fundamental fazer a cirurgia. Mesmo utilizando o aparelho, houve uma melhora significativa na minha vida. Quando ainda não usava e participava de reuniões, não conseguia entender nada. Isso poderia ter atrapalhado minha carreira", conta.
O que é o colesteatoma?
Primeiro, é necessário entender que existem dois tipos de colesteatoma: o adquirido (caso de Cardoso) e o congênito, quando é formado ainda no embrião. Ambos são tumores benignos que crescem na região da orelha média, ou seja, medem entre milímetros até centímetros.
A orelha média, onde o colesteatoma se instala, é responsável por transmitir o som para o ouvido interno. Isso explica porque os tumores nesta região são tão agressivos e afetam a audição do paciente.
Mas como o tumor chega lá? É importante entender que a orelha externa, feita de pele, e a orelha média, composta de mucosa, são separadas por uma membrana timpânica e possuem tecidos diferentes.
Imagine então que um pedaço de pele, vindo da região externa, entra em contato com a mucosa. Essa é definição de colesteatoma: um acúmulo de pele, no lugar errado e com o crescimento anômalo.
Por qual motivo ocorre o colesteatoma?
Quem explica é o otorrinolaringologista, doutorando em colesteatoma e professor voluntário da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa (SP), Gil Junqueira Marçal. Para ele, são quatro os motivos:
- Uma perfuração ou aspiração na membrana timpânica, que separa a orelha externa da média, pode facilitar a entrada da pele. Nos casos congênitos, por exemplo, não há esse "buraco" na membrana; a pele já nasce dentro;
- O paciente apresenta uma pele com características mais hiperproliferativas (que crescem mais). Isso facilitaria, então, o crescimento anormal da pele na região;
- A pessoa pode ter um organismo com mais tendência a produzir moléculas de inflamação. Quanto mais lesões a pessoa tem, mais pele é necessária para cicatrizar;
- Normalmente, a pessoa vai ter um antecedente de uma infância com infecções de ouvido e problemas respiratórios. Tudo isso pode causar defeitos na membrana timpânica, que é o caminho para o colesteatoma.
Uma pessoa que tem a doença pode não apresentar nenhum sintoma durante anos. Os mais frequentes são perda de audição e otorreia (secreção com cheiro forte).
Um colesteatoma não cuidado pode trazer graves complicações. Isso porque é um tumor que, ao crescer, vai erodindo os ossos que ficam ao redor da orelha média. A doença pode afetar as regiões e causar meningite, paralisia facial, labirintite (tonturas) e até perda total de audição.
O diagnóstico é feito em consultório, com ajuda do otoscópio. Alguns exames complementares, como tomografia computadorizada e ressonância magnética, podem ser necessários. O exame de audiometria também deve ser exigido.
A única forma de tratar o tumor é fazendo sua remoção por meio da cirurgia. O procedimento dura de 3 a 4 horas; o paciente pode ser liberado no mesmo dia; ele sai usando uma faixa na cabeça e um curativo na orelha; a recuperação é de uma semana, em média; o pós-operatório é considerado tranquilo.
A cicatrização de uma cirurgia radical é de dois meses, e de uma conservadora é de três a cinco semanas. Só é necessário tomar cuidado com esforços físicos e não molhar diretamente o ouvido. Também é indicado evitar espirrar fazendo pressão e não fazer viagens de avião.
Perda de audição
Cardoso, cuja história foi contada nesse texto, teve perda de audição. Mas isso quer dizer que todo mundo que tiver colesteatoma também vai ter essa sequela? Não. Isso varia muito do desenvolvimento da doença, região e em qual nível já afetou a orelha média.
Por exemplo: se o tumor se expandir muito a ponto de atingir os ossículos do ouvido —que transmitem o som— é provável que a pessoa tenha uma perda auditiva parcial, mesmo antes da cirurgia.
O foco número um do procedimento é retirar o colesteatoma; o segundo é parar com as infecções que o tumor causa, e aí sim o terceiro será melhorar a audição. Caso haja alguma sequela, existem diversos aparelhos e implantes que podem auxiliar.
Fontes: Fernando Balsalobre, otorrinolaringologista nos hospitais Edmundo Vasconcelos e Moriah, e otologista e neurotologista no Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo); Gil Junqueira Marçal, otorrinolaringologista, doutorando em colesteatoma e professor voluntário da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa (SP); Denilson Fomin, otorrinolaringologista da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (SP); Sociedade Brasileira de Otologia.
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