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O crack é uma invenção da guerra às drogas, diz cientista Sidarta Ribeiro

Do UOL, em São Paulo

06/01/2020 23h37Atualizada em 07/01/2020 20h53

Defensor da legalização de substâncias hoje ilícitas, como por exemplo a maconha, o neurocientista e professor Sidarta Ribeiro afirmou no Roda Viva de hoje que "o crack é uma invenção da guerra à drogas".

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte explicou que o crack foi criado depois da proibição da cocaína. Para ele, a guerra às drogas proporcionada pelo Estado acaba proporcionando a criação de novos produtos e o aumento do consumo de substâncias e da violência.

"O crack é uma invenção da guerra às drogas. Antes do craque existia a cocaína, que é menos perigosa, mas por conta do cerceamento ele foi criado. Não existe droga do demônio e a droga de Deus. Nós tratamos o álcool como uma droga de Deus, ele é celebrado, os jogadores de futebol são vistos em propagandas com mulheres maravilhosas e bebendo. Então a gente glorifica o álcool, e ao mesmo tempo a gente trata a maconha como se fosse uma erva do diabo, quando na verdade ela é um remédio incrível, e os países que inventaram a proibição já 'desinventaram'".

Ribeiro, que também estuda os efeitos medicinais da maconha, lembrou que todas as drogas são potencialmente remédios.

"Essa posição é atualmente a da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da qual eu sou um dos diretores. Foi tirada em assembleia no ano passado por unanimidade, que é raríssimo. Nós compreendemos que as drogas são todas potencialmente perigosas e todas são potencialmente remédio, depende da dose. O que é realmente tóxico é a proibição", disse ele.

"Ágatha Félix [menina carioca morta por uma bala perdida] foi morta, não sabemos de onde veio a bala, mas há uma boa impressão que veio do Estado, mas independente de onde veio a bala, ela é de uma guerra que não deveria existir. Essa guerra mata pessoas que não usam drogas. Então a gente precisa acabar com a guerra e regulamentar todas as drogas."

Ao fim, o diretor do Instituto do Cérebro ressaltou que além da legalização é preciso regulamentar o uso dessas substâncias.

"A maconha é segura, é remédio, é comodity, está mudando a economia de muitos países. Sou da opinião que temos que permitir que as pessoas se tratem."

O sono é mal visto

Ribeiro também estuda a importância do sono e do sonho. Ele critica a forma como a sociedade glamoriza a falta de sono, em nome da produtividade, de forma que o sono é "muito mal visto nas escolas e no local de trabalho", segundo ele.

Ele explica que as pessoas que dormem mal acumulam uma proteína chamada beta amiloide, que está relacionada com a doença de Alzheimer, depressão, ansiedade, diabetes e outras doenças.

O especialista argumenta que é necessário mudar hábitos. Ao invés de assistir uma série antes de dormir, ele pede para que as pessoas desliguem todos aparelhos elétricos do quarto e leiam um livro. "Depois de umas três páginas, ela vai ter sono e vai dormir melhor", garante.

Sidarta Ribeiro também reivindica um espaço maior para os sonhos na sociedade atual. "Nem na ciência, nem no capitalismo o sonho teve qualquer lugar. O sonho era um fato central até o fim da Idade Média e daí deixou de ser e ficou em lugar nenhum".

Para ele, os problemas para dormir e a falta de contato com os sonhos tem gerado um "mal-estar civilizatório".

Assim, Sidarta é um crítico dos remédios para dormir. Ele afirma que o sono é ativo e repleto de atividade cerebral ao contrário do sono causado por remédios que é um "apagão". O professor explica que, muitas vezes, após tomar um remédio para dormir, a pessoa pode acordar ainda mais cansada e irritadiça.