Homeopatia ainda divide opiniões sobre sua eficácia, mas é aceita no Brasil
Resumo da notícia
- A homeopatia é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina desde 1980 e oferecida pelo SUS desde 2006
- A terapia, entretanto, ainda não é aceita por toda a classe médica e científica
- Os críticos ressaltam que a falta de comprovação científica cria ceticismo em torno do método
A homeopatia é reconhecida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e tem um espaço como matéria optativa na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Entretanto, a eficácia deste tipo de tratamento ainda gera debate entre médicos, principalmente porque tem pouco respaldo de publicações científicas respeitadas.
Os defensores, como Rubens Dolce Filho, segundo secretário do Departamento Científico de Homeopatia da APM (Associação Paulista de Medicina), afirmam que há preconceito por "pura ignorância ou má vontade de entender seus princípios". De acordo com ele, "argumentos fundados em revisões sistemáticas e estudos publicados em revistas de excelente conceito são desconsiderados porque não se encaixam nas crenças médicas vigentes sobre o mecanismo de ação dos medicamentos".
Quem é contra, questiona a falta de demonstração científica em periódicos de primeira linha. Drauzio Varella, por exemplo, em uma entrevista de 2017, afirmou que se um pesquisador tem uma teoria, é preciso comprová-la antes de aplicá-la amplamente. Segundo ele, não é apenas a teoria que confirma o efeito. "Temos uma tendência em estabelecer relações de causa e efeito. Por que os índios fazem a dança da chuva? Porque uma vez dançaram e choveu, e aí fazem a dança de novo. Por sorte, uma vez choveu de novo, mas uma dezena de outras vezes não choveu", exemplifica.
"Não é minha opinião, são dados científicos. A homeopatia não tem plausibilidade científica para funcionar, está baseada em conceitos que desmentem tudo o que sabemos de química e física", diz Natalia Pasternak, pesquisadora colaboradora do ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da USP) e diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência.
O que é a homeopatia
A terapia, que existe há mais de 200 anos, diz que o homem, além do corpo físico, também tem um princípio vital, responsável por mecanismos reguladores dos processos internos e das respostas biológicas aos estímulos externos. Segundo uma cartilha do Ministério da Saúde, a homeopatia entende que uma pessoa só está saudável quando essa energia vital está em equilíbrio.
Antes dos danos físicos, provocados por uma doença, acredita-se que sintomas emocionais e mentais apareçam primeiro. O processo de reestruturação dessa energia vital leva à melhora dos sinais e à sensação de bem-estar. "Nas doenças agudas, a recuperação pode ser rápida, com alívio dos sintomas em curto prazo. Nas crônicas, pode se dar de forma gradual e progressiva", descreve a cartilha.
Para balancear essa energia, a homeopatia tem dois princípios mais usados, chamados de "leis":
Lei dos semelhantes: uma substância que produz sintomas semelhantes aos de uma doença pode ser usada para tratar essa mesma condição. Segundo Dolce Filho, em alguns casos, somente no início do tratamento, por somar os sintomas do paciente com a ação do medicamento semelhante, ocorre agravação da manifestação da doença. "Mas em geral desaparecem rapidamente, porque o organismo reage no sentido contrário ao estímulo medicamentoso e, por isso, faz desaparecer também os problemas de saúde que originaram a consulta."
Lei dos infinitesimais: aqui, a ideia é diluir o medicamento ao máximo. Como muitas das substâncias utilizadas originalmente como remédios eram tóxicas (afinal, a ideia era imitar os sintomas das doenças), elas precisavam ser extremamente diluídas. Um exemplo famoso é o comprimido "Muro de Berlim", feito de fragmentos moídos e diluídos do Muro de Berlim. O concreto, que era uma barreira à comunicação, cura condições causadas por problemas de diálogo. "A ultradiluição da substância original e seu efeito não pode ser explicado pelos matizes da farmacologia clássica, por isso gera muita polêmica", diz Dolce Filho. Segundo ele, o método funciona porque o medicamento gera uma informação no sistema, que reage e melhora o organismo como um todo.
Falta de comprovação científica
Em 2015, uma revisão de 255 estudos feita pelo Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica da Austrália concluiu que a homeopatia não é eficiente para tratar qualquer tipo de doença. Segundo a pesquisa, "pessoas que escolhem a homeopatia podem colocar sua saúde em risco se rejeitarem ou atrasarem tratamentos para os quais existem boas evidências de segurança e eficácia."
Dois anos depois, a Inglaterra bloqueou os reembolsos de tratamentos homeopáticos e cessou o financiamento dos hospitais do tipo. Ainda em 2017, o Easac (Conselho Científico das Academias de Ciências Europeias) publicou um relatório denunciando a ineficácia da homeopatia e desaconselhando os serviços de saúde europeus de reembolsarem tais remédios. "Não há evidência robusta de que os produtos homeopáticos são efetivos para qualquer doença conhecida, mesmo que às vezes exista um efeito placebo."
Em 2019, o governo francês anunciou que os remédios homeopáticos não seriam mais reembolsados pelo seguro do serviço público de saúde. No relatório oficial foi concluído que não há evidências de uma eficácia suficiente desses produtos.
Enquanto isso, no Brasil, terapias homeopáticas estão disponíveis no SUS desde 2006 e o debate ficou apenas entre as telas de computador. Em 2017, o "Jornal da USP" publicou uma série de textos de pesquisadores que discordaram da eficácia da terapia. A discussão começou após uma reportagem em que a veterinária Clarice Vaz lamentava a deficiência do ensino de homeopatia em seu curso. No mês seguinte, Beny Spira, professor da USP e doutor em genética molecular, publicou um artigo rebatendo o texto de Vaz e dizendo que a homeopatia "é uma das mais manjadas pseudociências".
O debate continuou, com novos textos de Vaz e Marcus Zulian Teixeira, professor de homeopatia da USP, defendendo a modalidade. Teixeira disse que existem, sim, artigos científicos sobre o tema, para quem se dispusesse a ler.
O problema é que os estudos que foram publicados em periódicos reconhecidos foram criticados pela comunidade científica. Um deles, por exemplo, foi publicado na Nature em 1988 pelo imunologista francês Jacques Benveniste. É dele a ideia das soluções muito diluídas. A pesquisa mostrou que, mesmo quando a substância alérgica era diluída em quantidades homeopáticas, ela ainda podia desencadear uma reação em um tipo de célula sanguínea. Mas os cientistas disseram que essa não era uma prova científica de que os medicamentos homeopáticos poderiam ter um efeito mensurável no corpo.
Em 2018, um estudo publicado no periódico Scientific Reports afirmou que um tratamento homeopático pode aliviar a dor em ratos. Entretanto, alguns erros na análise foram detectados. O autor sênior, Chandragouda Patil, disse que sua equipe havia cometido alguns erros não intencionais ao preparar o manuscrito, resultando em imagens duplicadas e em dados repetidos. Mas a explicação não foi convincente. A revista então se retratou: os editores retiraram o artigo, mas os autores não concordaram com a retratação.
É placebo?
Na discussão do "Jornal da USP", Spira diz que, se existe alguma melhora devido ao uso de medicamentos homeopáticos, é por causa do efeito placebo. Pasternak também diz que quando testada em testes clínicos de padrão ouro, os mesmos usados para qualquer medicamento alopático, a homeopatia falha. "Não funciona além de um placebo".
Um estudo publicado no periódico The Lancet em 2005 concluiu que realmente os efeitos da então terapia são próximos aos do placebo.
Placebo é qualquer substância ou tratamento inerte (ou seja, que não apresenta interação com o organismo) empregado como se fosse ativo. Efeito placebo é quando essa substância ou procedimento produz um efeito fisiológico positivo, mesmo que não tenha capacidade para isso, melhorando os sintomas.
O que explica o funcionamento do placebo ainda é uma questão para a ciência. Entretanto, sabe-se que as expectativas do paciente em relação ao sucesso do tratamento têm papel central no efeito. Além disso, quanto mais otimistas as pessoas e menores as pílulas, maiores as chances de funcionar.
No Brasil, "é vedado ao médico indicar o uso de placebo quando há tratamento eficaz para a doença", segundo o código de ética do CFM. Mas como a homeopatia não é considerada um placebo, ela é reconhecida pelo Conselho desde 1980.
O apoio no Brasil
Para ser uma especialidade médica, o CFM determina que ela precisa preencher um conjunto de critérios, como ter relevância epidemiológica e demanda social, possuir vários métodos e ter programa de treinamento teórico, entre outros.
A aprovação do conselho não foi aceita por todos. Drauzio já chegou a questionar a decisão, em 2017: "É política e não técnica. Não é que eles estudaram as evidências a favor da homeopatia e concluíram que é uma especialidade que lida com preceitos científicos necessários à aprovação de tratamentos médicos. Eles partiram do princípio que tem muitos médicos homeopatas no Brasil e que era melhor reconhecê-los do que deixá-los à margem da profissão."
Pasternak concorda que a decisão do conselho é política. "Existe uma reserva de mercado. Os médicos brasileiros praticam a homeopatia desde a época da ditadura e eles querem continuar praticando. Além disso, tem o lobby dos fabricantes. Homeopatia não é caridade, ninguém faz a consulta de graça ou dá o remédio de graça. Até no SUS, quem paga é o governo."
Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), os medicamentos homeopáticos à venda no Brasil possuem comprovação de eficácia e segurança, assim como todos as drogas autorizadas pelo órgão. A diferença, segundo ela, está no rito de validação de cada produto.
"Há diferentes métodos para validar a eficácia de um medicamento e isto está relacionado com o seu perfil de risco e alegações terapêuticas aprovadas para cada produto". Segundo a agência, os medicamentos homeopáticos estão no grupo próximo aos fitoterápicos e podem ter sua comprovação de eficácia demonstrada pelo próprio uso tradicional, pelo registro em Farmacopeia nacional ou em outros compêndios aceitos por agências reguladoras internacionais.
"Os homeopáticos estão neste grupo porque são considerados produtos de baixo risco. Como consequência, medicamentos homeopáticos são indicados como 'auxiliares' no tratamento de outras doenças ou dos sintomas de doenças", diz o órgão.
No Brasil, qualquer medicamento homeopático que se proponha a tratar uma doença grave deverá se submeter às mesmas exigências feitas para medicamentos mais complexos, por exemplo, com a exigência de estudos clínicos de fase 1, 2 e 3. Mas atualmente não há no país homeopáticos com indicação de tratamento de doença grave.
De acordo com o ObservaPICs, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), os gastos anuais do governo federal com procedimentos de PICS (Práticas Integrativas e Complementares), que incluem a homeopatia, são de R$ 2,6 milhões. Segundo dados do Ministério da Saúde, essas práticas estão presentes em 3.024 municípios brasileiros.
Para Pasternak, esse número não faz sentido. Ela questionou, junto com o grupo Questão de Ciência, pela lei de acesso à informação, todas as prefeituras das capitais do Brasil sobre o gasto em PICS. A única que tinha esse número foi a de Vitória, que gasta sozinha mais de R$ 2 milhões. "Imagina em São Paulo? Mas acredito que a gente nem precisa chegar no mérito do número. Qualquer valor acima de zero que o governo gasta é desperdício quanto o assunto é homeopatia".
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