11 rótulos que nenhuma criança merece receber; entenda por que evitá-los
"Ela é tão boazinha...", "Nossa, que menino mais chorão!", "Como é possível alguém tão pequena já ser teimosa desse jeito?", "Que garoto inteligente, assim vai longe!"... A maioria dos pais dirige comentários como esses aos filhos. Num primeiro momento, essas observações parecem inofensivas —algumas, inclusive, até soam carinhosas. Aos ouvidos infantis, no entanto, têm o poder de uma sentença, pois trata-se de rótulos - e, em geral, são repetidos à exaustão. Segundo especialistas, rotular uma criança —mesmo que em tom de elogio — é o caminho mais curto para podar seus potenciais futuros.
Segundo a psicóloga e psicopedagoga Elizabeth Monteiro, autora de "Criando Filhos em Tempos Difíceis" (Summus Editorial), a criança e o adolescente ainda não sabem quem eles são, pois sua personalidade passa por um processo de desenvolvimento. "É o adulto quem diz a eles quem são e lhes dão o conceito de identidade", comenta. Para Monteiro, a mania de rotular é um hábito geracional inconsciente: os bisavós agiam assim, os avós também e os pais acabam entendendo que "classificar" os filhos conforme certas características é algo natural.
No entanto, de acordo com Deborah Moss, neuropsicóloga especialista em comportamento infantil e mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela USP (Universidade de São Paulo), um determinado comportamento da criança —não guardar os brinquedos ou gostar de dormir até tarde — não pode estabelecer quem ela é. "Um comportamento é um estado, um momento, é algo pontual. Não é, de modo algum, a definição da própria criança", explica.
O que ocorre é que, como são seres em construção, os pequenos acabam ficando "reféns" dos rótulos, mesmo daqueles tidos como positivos. "As crianças entendem que precisam corresponder ao que dizem dela e passam a não se reconhecer além desse estigma. Ou seja, se dedicam a corresponder ao que dizem dela através das atitudes", fala Moss.
Profecia autorrealizadora
Isso é perigoso, pois a criança se acomoda no rótulo e se sente inadequada ao tentar mostrar outras facetas. Rotular engessa as possibilidades. Para Carla Guth, psicóloga e psicopedagoga, de São Paulo (SP), quando rotulamos as crianças também reduzimos seu potencial de experimentações. "Rotular é muito fácil, porque é como se as coisas ficassem na sua caixinha certa, mas a criança não é só isso. As crianças precisam ser o que elas são, por inteiro", reforça Ângela de Leão Bley, coordenadora do serviço de psicologia do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR).
Essa ação desencadeia a chamada profecia autorrealizadora, um prognóstico que, ao se transformar em crença, acaba se confirmando e se cumprindo. Um bom exemplo é a famosa pesquisa pioneira realizada em 1968 pelos psicólogos norte-americanos Robert Rosenthal e Lenore Jacobson.
A dupla selecionou crianças da mesma idade e com o mesmo nível intelectual e as separou em duas turmas, que seriam orientadas por duas professoras. Uma delas foi informada de que os alunos tinham um QI (Quociente de Inteligência) altíssimo e que, portanto, deveriam ser estimulados e desafiados. A outra, por sua vez, recebeu a instrução de que as crianças tinham dificuldade de aprendizagem e inteligência abaixo da média. Então, não podiam ser pressionadas nem cobradas demais. Alguns meses depois, eis o resultado: a classe estimulada atingiu níveis acima da expectativa; a outra, nem chegou onde deveria chegar.
De acordo com Cristiane Borsari, psicóloga da BP (Hospital A Beneficência Portuguesa de São Paulo), toda interferência na constituição da personalidade vai refletir primeiro na adolescência e depois na idade adulta. "Se a pessoa cresceu valorizada por um amplo aspecto do comportamento, certamente terá uma boa autoestima e saberá lidar melhor com as frustrações. Porém, se foi algo negativo que sempre foi ressaltado, como uma dificuldade de prestar atenção ou a mania de desorganização, a pessoa acaba assumindo o rótulo e até se escondendo nele", pondera.
"Há o risco de o adulto ficar preso naquilo que o definiu ao longo da vida e não conseguir encontrar outras formas particulares de se reconhecer e se expressar", completa Deborah.
Os rótulos mais comuns e suas consequências
Independente do rótulo, a reação vai ser a mesma. Nos casos positivos, a criança sofre por ter sempre que ser perfeita; nos exemplos negativos, não consegue enxergar o seu potencial. Saiba quais são os mais recorrentes e por que devem ser evitados:
1. Boazinha ou obediente
Nenhuma criança é o tempo todo quietinha e queridinha. Esse rótulo está ligado à passividade e ensina que a criança deve aceitar certos tratamentos sem questionar, caso contrário será destituída do trono de boazinha. A criança será muito crítica e rígida com ela mesma e não vai aceitar nada menos do que a perfeição. Outro perigo é "engolir" sentimentos como a raiva por não se sentir no direito de mostrar seu lado "mau" --algo que, claro, gera muita culpa. Trata-se de um rótulo árduo de sustentar, principalmente na idade adulta, e que produz medo diante do fracasso e uma necessidade constante de corresponder às expectativas alheias.
2. Birrenta ou chorona
A birra e as crises de lágrimas servem para manifestar algo que incomoda e é a forma encontrada por muitas crianças para conseguirem se posicionar. Cabe aos pais mostrar outros modelos de expressão de sentimentos, sempre deixando claro que respeitam o que a criança mostra. "Respeito sua raiva, mas hoje não vou poder comprar esse brinquedo" é um bom exemplo. Caso contrário, a criança entende que age como uma chata, mas percebe que com esse comportamento estereotipado consegue o que quer.
3. Teimosa
Chamar a criança o tempo todo de teimosa faz com que ela assuma o poder da situação e passe a acreditar que não pode ser contrariada. No futuro, será um adulto com baixa tolerância à frustração e com dificuldade nos relacionamentos.
4. Tonta ou lerda ou desligada
O fato de uma criança não prestar atenção em algo num determinando momento não deveria ser motivo para que cravassem nela um estigma. Em situações como essa, os pais devem ajudá-la a ter mais foco buscando estratégias para que não se disperse tanto. Esse rótulo pejorativo reserva um perigo: a criança entende que ser assim costuma chamar a atenção e que as pessoas gostam dela por ser mais lenta.
5. Preguiçoso
Em vez da crítica, por que não ensinar a criança a ter mais atitude e proatividade? Muitos pais que reclamam de filhos preguiçosos, na verdade, são responsáveis por essa característica por fazerem tudo por eles ou criticar suas iniciativas, contribuindo para o comodismo.
6. Sabe-tudo ou gênio
Elogiar é superimportante para autoestima da criança, mas rotular como gênio vai destruir o desenvolvimento porque, em algum momento, ela vai ter alguma dificuldade e perceber que os pais estão exagerado.
7. Impossível ou pestinha
Às vezes uma única travessura isolada é o bastante para definir a criança como "peste". Há o perigo de a criança internalizar que ser assim é bom para ela, pois está sempre no centro das atenções. Pode contribuir para o desenvolvimento de uma personalidade mais focada em atenção.
8. Palhaça
Ao ser rotulada, a criança que é engraçada e brincalhona muitas vezes não vai saber se comportar socialmente, achando que fazer graça é inerente a todas as relações humanas. Os pais devem pontuar que existem momentos para isso.
9. Bagunceiro
É um rótulo muito ruim, porque poda na criança a possibilidade de compreensão sobre regras e ordens. Os adultos têm a responsabilidade de ensinar estratégias e integrar a criança à rotina de arrumação da casa. Ela precisa saber, por exemplo, que ninguém vai arrumar o quarto dela e que ela, portanto, vai ter que lidar com as consequências da bagunça.
10. Princesa ou príncipe
Em geral, esses rótulos são dados às crianças que se destacam pela aparência ou que têm uma característica física que se sobressai --olhos azuis, por exemplo. Eles reforçam comportamentos egocêntricos e que valorizam o exterior em vez do interior. Meninos e meninas têm o direito de serem reconhecidos por outros atributos: simpatia, inteligência, bondade e etc.
11. Tímido ou caladão
Se a criança é um pouco mais quieta ou não curte ser o centro das atenções, logo é definida como "tímida". É importante ressaltar que a timidez, desde que não interfira nas relações interpessoais nem no desempenho escolar, não é um defeito. É, sim, uma característica que deve ser tratada de modo natural: servir como rótulo só faz com que a criança se retraia ainda mais.
Como parar de rotular?
Em vez de rotular, Monteiro propõe que os pais se esforcem para ouvir os filhos, principalmente os adolescentes. "Quando um jovem quebra uma janela da escola e é advertido, dificilmente o pai ou a mãe se dispõem a escutar as razões para tal atitude. Logo vão taxando de marginal, de vândalo... É preciso escutar o motivo de um comportamento violento e, claro, avisar que não foi aceitável e fazer com que o filho assuma as consequências, pagando com o dinheiro da mesada, por exemplo", afirma. As crianças e os adolescentes não esperam que os pais concordem com eles o tempo todo, mas sim que os escutem, os orientem e validem seus sentimentos.
Outro fator importante, sob o ponto de vista de Monteiro, é que os pais precisam conhecer as fases de desenvolvimento dos filhos. Há fases em que as crianças dormem mais, se expressam com agressividade ou ainda não conseguem mastigar direito —e isso não as torna, em sua totalidade, preguiçosas, birrentas ou "porcas". "A gente pode concluir que um adulto é briguento ou teimoso, pois ele já se 'formou', já teve todas as oportunidades de mudar ao longo da vida e se fechou naquela característica. Uma criança, porém, tem toda uma trajetória para mudar seu jeito de ser e ainda vai estabelecer trocas na escola e em outros ambientes. Nada é definitivo ainda", conta a especialista.
Para Bley, os adultos deveriam ouvir e aceitar a criança como ela é; afinal de contas, não há um padrão de comportamento que permaneça durante todo o dia. "Ela pode errar ou acertar, ser maravilhosa em algumas coisas e péssima em outras. É preciso aceitar que para cada uma existe essa zona de manobra bem grande". Ela considera que rotular simplifica a vida dos pais, que se eximem de lidar com aquilo ou procurar entender o comportamento da criança. "É preciso ouvi-la e fazer com que se sinta amada e protegida, não estigmatizada", conclui.
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