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Alimentos crus e mal passados fazem mal? Como consumi-los de forma segura

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Imagem: iStock

Sibele Oliveira

Colaboração para o VivaBem

19/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Alimentos de origem animal crus e mal passados podem estar contaminados com bactérias, fungos, vírus e parasitas
  • Para serem seguros, precisam passar por um tratamento térmico em temperatura superior a 70°C
  • Lavar carnes e ovos não elimina a contaminação
  • Frutas e vegetais crus precisam ser higienizados com hipoclorito de sódio para não transmitir doenças
  • O leite cru precisa ser fervido para não oferecer riscos à saúde

Cru, mal passado ou bem passado? Quando o assunto é alimentação, cada um tem a sua preferência. Mas não é só o paladar que deve ser considerado nesse momento, a forma como ela é preparada também precisa ser levada em conta. "É muito importante as pessoas terem cuidado ao ingerir alimentos crus ou mal passados. Eles podem ser vetores de transmissão de doenças, especialmente parasitas, bactérias e vírus", afirma Jean Gorinchteyn, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Esse alerta vale principalmente para os alimentos de origem animal, que têm grandes chances de estarem contaminados quando não são suficientemente cozidos, assados ou grelhados. Ou seja, se você come aquela carne sangrando, peixe cru ou ovos servidos com a gema escorrendo, está sujeito a ficar doente. "A ingestão de alimentos ou bebidas contaminadas com micro-organismos patogênicos (perigos biológicos) torna-se perigosa porque causam Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA)", ressalta Viviani Fontana, nutricionista e vice-presidente do CRN-3 (Conselho Regional de Nutricionistas 3ª Região).

O problema acontece quando esses alimentos não são preparados na temperatura adequada para eliminar os micro-organismos. "Do ponto de vista sanitário, os alimentos de origem animal em geral necessitam de tratamento térmico (cocção) para serem consumidos, em temperatura superior a 70°C", diz a especialista. Mas isso não basta. Após o preparo, a recomendação é que a comida seja mantida em temperatura acima de 60°C.

Nara Limeira Horst, nutricionista e chefe da seção de nutrição clínica do HUCFF/UFRJ (Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica que as DTA mais comuns são as causadas por bactérias e/ou suas toxinas. "Cada bactéria vai causar uma doença diferente, mas os principais sintomas são cólicas, diarreia, febre, náuseas e vômitos, que podem levar à desidratação". Quando esses sintomas aparecem, é necessário procurar um médico o quanto antes, já que tais enfermidades podem até matar.

Uma comida contaminada pode fazer com que a pessoa tenha desde um mal-estar passageiro até ficar gravemente doente, dependendo da sensibilidade do organismo e da quantidade e do tipo de vírus, bactéria, protozoário ou fungo presente no alimento. O pior é que ele pode estar infectado por mais de um desses agentes patogênicos. "Às vezes um alimento está contaminado por vários tipos de micro-organismos ao mesmo tempo. Por exemplo, o frango pode estar contaminado por salmonella e coliformes fecais", exemplifica Horst.

Os fungos e bactérias, em particular, têm uma grande capacidade de se multiplicar nos alimentos, o que faz com que o nível de contaminação vá aumentando até o momento do consumo. Eles ainda podem passar para outros alimentos, por contaminação cruzada, tornando o perigo ainda maior.

Graves consequências

Mas e quem gosta de pratos feitos com carne ou peixe cru como o steak tartare, carpaccio, ceviche, sashimi e ostra crua marinada com limão? "Os alimentos que a gente consome crus são os mais perigosos", ressalta Horst. É preciso tomar cuidado com os que costumam ser preparados dessa forma, como os peixes e frutos do mar. "O problema é que eles são tirados do seu ambiente natural, que é o mar, e colocados em outro com abundância de oxigênio. E as bactérias que sobrevivem bem na presença de oxigênio encontram a situação ideal para proliferar", acrescenta a especialista.

Para se proteger das DTA, segundo Fontana, esses alimentos devem ser preparados e conservados em baixíssimas temperaturas, e servidos ainda gelados. Por isso, quando for a um restaurante, fique atento. "É importante observar o local de consumo, se garante essas condições ou preparem estes alimentos com os mais rígidos controles de temperatura e procedência", ela diz. Mas é bom lembrar. A temperatura baixa não mata os micro-organismos, apenas impede a sua multiplicação.

No caso dos frutos do mar, há um agravante quando são consumidos crus. "Eles servem como filtros do mar. Acabam retendo partículas seja de bactérias como a Salmonella, Shinguella, e também vírus das hepatites A e E. Dessa maneira, podem ser vetores de transmissão se ingeridos de forma crua, uma vez que altas temperaturas seriam capazes de romper essas bactérias e vírus, impedindo a ocorrência de infecções", enfatiza Gorinchteyn. Para não aumentar a contaminação, é necessário estar com as mãos bem limpas ao preparar esses alimentos.

E as carnes vermelhas, que tanta gente gosta de comer cruas ou mal passadas? De acordo com Gorinchteyn, elas podem conter, por exemplo, conter cistos do protozoário toxoplasma e bactérias como a Escherichia Coli, que sem a ação do calor, não morrem. Já a carne de porco preparada fora da temperatura ideal pode estar contaminada com larvas de tênia e causar, por exemplo, a neurocisticercose, uma infecção que atinge o sistema nervoso central.

Embora ninguém goste de comer carne frango, cordorna, peru ou pato crus ou mal passados, é bom se certificar de que elas foram preparadas na temperatura recomendadas. Isso porque se não houver cuidado na hora de matar a ave, a salmonella, que vive naturalmente nela, pode passar para a carne. O mesmo acontece com os ovos, que podem ser afetados pela bactéria quando passam pela cloaca da galinha ou de outras aves. Por isso, nunca devem ser comidos crus.

"O ovo deve ser cozido e fervido por sete minutos e o ovo frito deve apresentar a gema dura", ensina Fontana. E continua. "Isso, inclusive, é exigido em lei, na Portaria da Vigilância Sanitária, para estabelecimentos comerciais de alimentos e para os serviços de alimentação, a fim de garantir as condições higiênico-sanitárias dos alimentos e a segurança no consumo". Já as receitas como maioneses, cremes e musses devem ser feitas com ovos pasteurizados, desidratados ou cozidos em preparações sem cocção.

Horst recomenda evitarmos o hábito de descongelar e recongelar os alimentos, tanto os crus quanto os que passam por um tratamento térmico. "No momento em que os congelamos, para a multiplicação das bactérias. Quando descongelamos e a temperatura é elevada, elas começam a se proliferar. Cada vez que descongelamos o alimento, a quantidade de bactérias que tem ali é aumentada".

Além das carnes e dos ovos

Quando falamos em alimentos contaminados, não podemos nos esquecer das frutas e dos vegetais. Como muitos não são levados ao fogo, precisam ser bem higienizados. "Principalmente os que têm contato com o solo como, como por exemplo, as verduras", especifica Horst. Portanto, é indispensável que frutas, verduras e legumes sejam cuidadosamente lavados para remover as sujidades, pragas e partes deterioradas. E a solução mais indicada para isso é o hipoclorito de sódio (uma colher de sopa para cada litro de água).

Um alimento que não nos preocupamos muito é o leite de vaca ou de outros animais. No caso do leite pasteurizado, ele passa por um processo que elimina ou reduz, através do calor, os micro-organismos. Por isso, não precisa ser fervido. "A pasteurização é feita a uma temperatura em torno de 75 ᵒC, enquanto a fervura acontece a mais 100 ᵒC. Essa temperatura menor provoca menos alterações no leite, preservando melhor suas propriedades nutritivas", compara Fontana.

Quanto maior a temperatura, menores são as chances de restar alguma contaminação no leite. É por esse motivo que a indústria também utiliza outros métodos, além da pasteurização. "A esterilização ou ultrapasteurização faz com que o leite seja submetido a temperaturas mais elevadas do que a da pasteurização e, com isso, mais tipos de micro-organismos patogênicos são destruídos", informa Horst. Já o leite cru precisa ser fervido para não transmitir doenças.

Micro-organismos que podem estar presentes nos alimentos de origem animal:

  • Carne de boi e de porco: Escherichia Coli, cisticercose, toxoplasmose, clostridium botulinum
  • Ovos crus (tanto a gema como a clara), frango e outras aves: Salmonella
  • Peixes e frutos do mar: Aeromonas
  • Leite sem pasteurização: Listeria, yersinia

Não adianta lavar a carne e ovos!

Muita gente achar que lavar as carnes elimina a contaminação. Mas isso não é verdade. "Não há evidências científicas de que lavar as carnes seja eficiente para diminuição do risco de contaminação. Tal prática, inclusive, pode levar à retirada de alguns nutrientes presentes nos seus sucos. Existe até um complicador. O fato de que aumentando a umidade da carne, aumenta o risco de contaminação", garante Fontana. Somente o calor destrói os micro-organismos.

Como saber exatamente se a carne está segura para o consumo? "O ideal é que as carnes, em geral, sejam consumidas ao ponto para manter os sucos e as propriedades nutricionais", orienta a nutricionista. Ela acrescenta que as carnes grelhadas e assadas tendem a preservar mais os nutrientes do que as fritas. Se você prefere as cozidas, tome cuidado durante a preparação para não haver perda de nutrientes na água do cozimento.

Outra dúvida comum é em relação aos ovos, se eles devem ser lavados. Essa prática não é indicada pelos especialistas. "Não é recomendado que o ovo seja lavado para evitar a eliminação da cutícula protetora presente na casca, que evita a penetração da salmonella, por exemplo", salienta Horst. Mas se forem lavados, precisam ser consumidos em seguida. Além disso, é importante comprar os ovos em locais que ofereçam qualidade e garantia. E não se esquecer de submetê-los ao cozimento adequado.

Algumas dicas são úteis para que os alimentos não prejudiquem a saúde. Antes de mais nada, é importante manipular a comida com as mãos limpas. Também devemos usar utensílios higienizados para evitar uma contaminação cruzada, não misturar alimentos crus com os cozidos, guardá-los na geladeira em recipientes fechados e mantê-los refrigerados após abertos. Não é aconselhável consumir os que foram preparados há muito tempo, mesmo que conservado na geladeira, nem os que ficaram expostos a temperaturas inadequadas por longos períodos.