Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


De pastel na 25 a "caminhadinha" até UBS, idosos driblam confinamento em SP

Fila para tomar vacina da gripe na USB Vila Romana, zona oeste de SP - Janaina Garcia/UOL
Fila para tomar vacina da gripe na USB Vila Romana, zona oeste de SP Imagem: Janaina Garcia/UOL

Janaina Garcia

Colaboração para Viva Bem

24/03/2020 15h02

Imagine uma fila de gente à espera de atendimento em uma unidade básica de saúde, de modo que a maioria dessas pessoas está sem máscaras de proteção. Adicione à cena o fato de a cidade de São Paulo estar em plena quarentena por conta de uma pandemia virótica.

A cena por si só já destoa das orientações mais recentes dadas por autoridades de saúde do mundo todo: a de se evitar, sobretudo desde a semana passada e pelas próximas semanas, qualquer tipo de aglomeração a fim de conter a contaminação pelo coronavírus. E se somarmos a esse conjunto um dos principais grupos de risco à pandemia: idosos e doentes crônicos?

Pois essa realidade está acontecendo em algumas das cidades brasileiras mais populosas —além de São Paulo, também o Rio teve registro semelhante. A "desculpa" pode até parecer razoável —ou seja: o início da vacinação municipal de idosos contra a influenza—, mas o fato não muda: pessoas mais vulneráveis à contaminação não estão em total isolamento em plena quarentena.

A reportagem de VivaBem conversou com alguns desses "corajosos" que foram tomar a vacina na UBS da Vila Romana, zona oeste de São Paulo, na tarde dessa segunda-feira (23). Em geral, porém, mais que uma mera exposição impensada ao risco, o que pareceu prevalecer foi a preocupação em se vacinar contra a influenza a fim de que, em caso de contaminação pelo novo vírus, um eventual diagnóstico possa ser menos dúbio.

É o que explicou, por exemplo, o educador Celso Garbarz, 65, que se reconhece do grupo de risco, mas foi tomar a vacina com outras preocupações: "Idosos são grupo de risco, infelizmente essa é uma realidade. Mas acho que tomar a vacina contra a influenza evita confusões depois em diagnósticos", disse.

A aposentada Heloisa Carnicelli, 69, admitiu a apreensão em ir ao posto. "A gente sabe a gravidade da situação, mas como eu tomo a vacina todo ano, achei que valia sair de casa, excepcionalmente, para isso", contou.

Fitas adesivas dentro de posto marcam distância mínima

Também aposentado, Carlos Roberto Pita, 65, lamentou ter recebido o comunicado da Prevent Senior só depois de ter tomado a vacina. O plano de saúde vai vacinar os seus beneficiários em casa. "Achei que não devia esperar e vir já no primeiro dia da vacinação [ou seja, ontem]. Conheço bem aqui a região e os profissionais da UBS; faço imunoterapia aqui". Ele parou alguns segundos e completou: "Se bem que, ok, eu não conheço a maioria das pessoas que estavam na fila. Ao menos tinha uma marcação no chão", apontou.

A marcação a que Pita se referiu foram fitas adesivas no chão, já dentro da UBS, sinalizando a distância de um metro e meio entre cada paciente. Do lado de fora, na calçada, nenhuma sinalização podia ser vista —embora as profissionais do posto se apressassem a dar orientações e senhas a fim de liberar rapidamente o fluxo.

Uma das técnicas de enfermagem explicou à reportagem que idosos com mais de 80 anos ou com dificuldades de locomoção, bem como doentes autoimunes, têm prioridade de atendimento, além da possibilidade de receberem a vacina em casa ou no carro, sem entrar na UBS. Até as 16h30 dessa segunda, mais de mil senhas, segundo a funcionária, haviam sido distribuídas só naquela UBS. O atendimento seguiria até 19h.

Casal Poppi - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Casal Poppi resolveu tomar a vacina já no primeiro dia
Imagem: Janaina Garcia/UOL

O aposentado Sidney Poppi, 76, justificou a ida ao posto: "Tinha que sair para tomar a vacina, pois faço isso todo ano. Me senti mais seguro vendo que havia a distância mínima sinalizada no chão", contou. O VivaBem quis saber da mulher dele, a também aposentada Angelina Poppi, 69, se a pressão para se resguardar é maior sobre os idosos. "Há essa pressão, mas nós vemos as notícias e sabemos que há mesmo o risco. Só mesmo buscando Deus e tendo esperança que isso vai passar", definiu.

Sandra Maria de Bortoli - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Diabética e hipertensa, a aposentada Sandra Bortoli diz que é "muita pressão todo dia"
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Diabética e hipertensa, a aposentada Sandra Maria de Bortoli, 62, até tentou se vacinar em uma UBS mais ao ar livre, mas constatou posteriormente, já no local, que o atendimento era só até 15h. "Eu busco sempre higienizar as mãos, não levar as mãos ao rosto", ressalvou, ela tem familiares na Espanha —depois da Itália, o país mais afetado pela covid-19 na Europa. "Tenho uma sogra de 94 anos lá que está sozinha em casa. Por mais que busquemos todos tomar os cuidados, é muita pressão, todo dia...", lamentou.

"Falta tremenda de uma caminhadinha"

Com 71 anos, Regina Helena Souza Anechine aproveitou a ida à UBS para alongar as pernas fora de casa. "Sinto uma falta tremenda de dar uma caminhadinha. É assustador tudo o que está se passando; sei que não é o ideal eu estar aqui, mas é o que temos —e eu garanto que estou seguindo a receita [de recomendações] direitinho, meus netos me telefonam quatro vezes ao dia pedindo para eu não sair... Vou continuar a seguir a receita", promete.

Maria Vasco - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Maria Vasco contou com a ajuda de um vizinho para ir até o posto
Imagem: Janaina Garcia/UOL

Já dona Maria Vasco Leite Poppi, 87, contou com a ajuda de um vizinho para ir até o posto receber a vacina —já que ela não sabia que podia tê-la em casa. De bengala e com problemas de hipertensão, a aposentada vive em casa, sozinha, sobretudo depois que seu filho morreu, há três anos.

"Meus netos brincam: 'Vó, se você for para o hospital, você não volta'. E eu lá vou viver com medo?", desafia.

Aposentada se dá presente: pastel na 25 de Março

Marisa Campana - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Marisa Campana foi até a rua 25 de Março comer um pastel
Imagem: Janaina Garcia/UOL

De passagem pelo posto, mas sem se vacinar, a aposentada Marisa da Costa César Campana, 76, dá uma checada no panorama antes de decidir se iria com o marido, de 81 anos, tomar a vacina no dia seguinte. À reportagem, ela diz tomar seus cuidados em tempos de coronavírus, mas rechaça a hipótese de ficar em casa em confinamento, segundo as orientações médicas e sanitárias vigentes, especialmente, a grupos de risco.

"Eu saio para caminhar todo dia de manhã, para respirar ar puro, quando tem pouca gente na rua. E segunda-feira da semana passada (16) eu resolvi me dar um presente: fui até a 25 de Março comer um pastel", relatou. Se não receia se contaminar ou contaminar outras pessoas? "Tenho consciência do que está acontecendo. Mas não vou ficar apavorada. Eu olho para Deus e digo: 'Eu olho pra você, olha por mim, me protege'", encerra.

Maria Neide - Janaina Garcia/UOL - Janaina Garcia/UOL
Maria Neide trabalhou por 38 anos no setor de saúde
Imagem: Janaina Garcia/UOL

A última idosa vacinada e entrevistada, Maria Neide Joaquim, 80, aposentada do setor de saúde, onde atuou por 38 anos, resume a expectativa em relação à pandemia: "Só espero que essa doença não chegue perto de mim, porque ainda preciso sambar bastante."

Vacina já está em falta em SP

Algumas horas após o início da campanha de vacinação contra a gripe, postos de saúde da capital e da Grande São Paulo já registravam falta de doses. Na Região Metropolitana, pelo menos 12 municípios relataram desabastecimento.

Sete cidades do Grande ABC, Santo André, Mauá, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, já esgotaram as doses de vacina contra a gripe no primeiro dia de campanha e esperam um novo lote do Ministério da Saúde. Com isso, a campanha foi temporariamente suspensa.

O Ministério da Saúde reforçou que os estados são responsáveis por fazer as entregas aos municípios e que o próximo lote, com 4 milhões de doses, deverá ser enviado a São Paulo na quarta-feira (25).

Já a Secretaria de Estado da Saúde disse que montou uma força-tarefa com o CVE (Centro de Vigilância Epidemiológica) e o CDL (Centro de Distribuição e Logística) para garantir o envio da vacina aos municípios com "agilidade".