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Coronavírus: os riscos da Speed Science, ciência feita a toque de caixa

Natali_Mis/iStock
Imagem: Natali_Mis/iStock

Cristiane Bomfim e Fábio de Oliveira

Da Agência Einstein

25/03/2020 09h28

Em meio às notícias alarmantes sobre o avanço dos casos confirmados de covid-19 no mundo, nos últimos dias pesquisadores brasileiros anunciaram que estão estudando o desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus.

Nos Estados Unidos, começaram os testes de um imunizante com o mesmo objetivo. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), existem mais de 30 candidatas à vacina ao redor do globo. O número de publicações a respeito do vírus e a doença por ele provocada retratam a corrida dos cientistas em busca de respostas para a rapidez da disseminação, para a progressão rápida da doença em alguns grupos, do tratamento e da cura.

Para se ter uma ideia, até a última segunda-feira o Pubmed, ferramenta de pesquisa de artigos científicos, registrou 1.364 publicações sobre a covid-19 cadastradas desde 1º de janeiro. Já no site Clinical Trial, maior banco de dados de ensaios clínicos do mundo, constam 128 estudos catalogados desde o primeiro dia do ano.

"Uma pandemia como esta gera muita atividade na área de pesquisa científica. A ciência está tentando ajudar como pode, ou seja, com o levantamento de hipóteses e pesquisas", afirma o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor (Instituto do Coração), em São Paulo, e coordenador do projeto para a criação de uma vacina para a covid-19.

O problema, no entanto, é que a pressa por respostas pode resultar em gastos de recursos para resultados inconclusivos. "Em tempos de estresse como este é comum a ocorrência do fenômeno que chamamos de Speed Science, que é fazer ciência a toque de caixa. Essa ânsia pode fazer com que, em muitos casos, a pesquisa não obedeça ao rigor científico exigido", afirma Luiz Vicente Rizzo, diretor-superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein. "No final, os cientistas acabam descobrindo que muitas hipóteses eram apenas anomalias estatísticas."

Outra consequência desta ansiedade por respostas em torno do novo coronavírus é a interpretação equivocada de resultados. Exemplo recente é o caso do uso do medicamento hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. A notícia de que um estudo realizado na França com o medicamento teve resultados animadores para o tratamento da doença foi suficiente para que o produto desaparecesse das prateleiras das farmácias por aqui.

Porém, o teste foi feito com 36 pacientes, número muito pequeno de participantes. "É por isso que pesquisas continuam sendo feitas. Outra coisa importante é que não há nenhuma evidência de que a hidroxicloroquina funcione como profilaxia, ou seja, impedindo a infecção pelo vírus", afirma Rizzo.

"Pesquisas nessa velocidade e com diversos grupos de cientistas trabalhando em várias frentes são importantíssimas para a ciência. Mas nem toda hipótese é uma verdade. Talvez seja só um caminho para novas linhas de estudo e quem vai poder fazer essa separação sem alarmar a população é o cientista", diz Jorge Kalil. A cloroquina é usada no tratamento da malária, do lúpus e de doenças reumáticas e sua utilização sem indicação médica oferece riscos de cegueira e lesão no fígado e nos rins.

Brasil e Estados Unidos na busca da vacina

O trabalho em busca da vacina para a covid-19 conduzido no InCor usa fragmentos do novo coronavírus retirados das espículas, ou spikes em inglês, as protuberâncias pontiagudas na superfície viral que lembram uma coroa —daí o nome corona.

"As espículas grudam em moléculas do organismo humano e permitem a entrada do vírus na célula", explica Jorge Kalil, coordenador do projeto. "A vacina vai estimular a produção de um anticorpo que se liga à espícula, o que neutralizará a sua ação", descreve Kalil. Isso porque o corpo a enxerga como se fosse o microrganismo. O pesquisador prevê que os testes em animais comecem em dois meses e, até o fim do ano, em seres humanos.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, foram iniciados os testes clínicos com a vacina desenvolvida pela farmacêutica Moderna Inc. em parceria com o National Institute of Health. Participaram 45 voluntários, jovens e em bom estado de saúde. Eles vão receber diferentes doses do imunizante, que não tem o vírus —por isso eles não correm o risco de serem infectados. Os cientistas vão checar se não há efeitos colaterais sérios para só assim seguirem adiante.

Diferentemente da proposta brasileira, a americana se vale de moléculas sintéticas de RNA mensageiro, o mRNA. Ele tem, por assim dizer, a receita para fabricar proteínas. No caso da vacina, as proteínas estimulariam o sistema imunológico a produzir anticorpos contra o coronavírus.

De acordo com Kalil, que também é professor titular da USP (Universidade de São Paulo), esse tipo de imunizante é bom. "Mas é pouco imunogênico, desencadeando uma resposta imune não muito forte." E completa: "Eles pularam a etapa de testes em primatas por causa da urgência."

Segundo Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID na sigla em inglês), mesmo que os experimentos iniciais sejam bem-sucedidos, levará de um ano a um ano e meio até que uma vacina tenha sinal verde para uso em larga escala.

Já farmacêutica Inovio Pharmaceuticals (EUA) também está atrás de uma vacina de DNA para a covid-19. A empresa recebeu agora US$ 5 milhões da Fundação Bill & Melinda Gates Foundation para acelerar os testes do Cellectra 3PSP, um dispositivo para aplicação do imunizante.

Ainda em estudos pré-clínicos, a INO-4800 não usa um vírus atenuado, por exemplo, mas plasmídeos, moléculas circulares de DNA de fita dupla, sintetizados para induzir uma reposta das nossas defesas. A Inovio já tem uma vacina contra outro tipo de coronavírus, o que causa a síndrome respiratória MERS, na segunda fase de testes.

Por fim, a Johnson & Johnson, por meio de seu braço farmacêutico, Jansen, se uniu ao Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston (EUA), para tentar viabilizar outra candidata à vacina. A tática é utilizar um vírus causador de resfriado para liberar um antígeno dentro das células e, assim, estimular o sistema de defesa.

É a mesma abordagem usada para fazer 2 milhões de doses do imunizante contra o ebola, ainda não licenciado, mas disponibilizado para 40 mil pessoas em Ruanda e na República Democrática do Gongo. A previsão é que os testes em voluntários saudáveis comecem no segundo semestre.