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Quarentena pode estimular aumento do consumo de álcool? Veja cuidados

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Imagem: iStock

Lucas Vasconcellos

Colaboração para o VivaBem

28/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Isolamento social pode ser gatilho para que pessoas com predisposição tornem-se alcoólatras
  • Ingerir bebida alcoólica é uma ferramenta perigosa para esquecer a realidade atual
  • Focar em manter uma rotina básica é o melhor caminho para se manter são durante a quarentena

Quando o isolamento social foi anunciado, há mais de uma semana, como medida para conter a infecção por coronavírus no Brasil, tornou-se comum postagens em redes sociais de pessoas ingerindo bebidas alcoólicas ou fazendo menção a isso. O "#sextou" rotineiro, numa mesa de bar com amigos, foi transferido para as conversas virtuais em qualquer dia da semana. E o hábito de tomar sozinho uma taça de vinho ou uma cerveja após o expediente, segundo mostram as publicações por aí, tem crescido para taças e garrafas.

Como esse período dentro de casa não tem previsão para acabar, surgem algumas preocupações: quais os perigos do consumo excessivo de bebidas alcoólicas durante a quarentena? É possível se tornar alcoólatra?

Assim como o cenário atual, cheio de incertezas, as respostas para estas questões também são difíceis de cravar, como esclarece o psiquiatra Luiz Scocca. "Em geral, não é a exposição há um ou dois meses que determina alcoolismo. A dependência envolve outros fatores, mas pode abrir precedentes, dependendo da condição do indivíduo", considera. Ele ressalta como vivemos um período complicado, onde ainda não dá para fazer afirmações concretas sobre a pandemia de covid-19. "Fato é que estamos sendo desafiados a nos sobrepor aos problemas que a vida nos apresenta", pondera.

Busca por recreação é natural

Estar isolado dentro de um ambiente limitado, como um apartamento, não é tarefa fácil. Devido a isso, o interesse por algo que nos tire da realidade e do bombardeamento de notícias, quase sempre negativas sobre a vovid-19, "é até humano diante da epidemia que vivemos, onde não sabemos nada, só que a coisa está desandando em vários aspectos. Chega a ser compreensível a busca por algo para esquecer, e a bebida dá essa sensação. Contudo, não significa que esse é o caminho correto para lidar com as emoções", alerta Henrique Bottura, psiquiatra da Clínica Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

No entanto, é importante encontrar outras formas de recreação que possam substituir a bebida, como livros, filmes, conversar com as pessoas que estão em quarentena com você ou mesmo as distantes através de teleconferências. O álcool não precisa ser a única forma de lidar com a situação.

Existe uma quantidade diária que me torna um alcoolátra?

Aquela história de que beber determinada quantidade de bebida alcoólica por dia está tudo bem já não existe mais. Atualmente, profissionais de saúde não fazem afirmativas, justamente porque cada indivíduo é único e tem seu gatilho. Dentro do contexto atual, por exemplo, as pessoas que só curtem beber quando estão no bar, agora dentro de casa, sem álcool, estão seguras. Mas para quem tem bebida na geladeira e está acostumado a consumir uma dose todas as noites, em teoria está mais exposta, pois tende a ir aumentando a quantidade. "Fato é que o tédio e a ansiedade aumentada podem propiciar uma possibilidade de consumo maior", conta Scocca.

E qualquer um pode se tornar alcoólatra, ainda que determinadas pessoas —como as que têm histórico familiar desde problema ou têm transtornos de personalidade — sejam mais vulneráveis, alertam os profissionais consultados pelo VivaBem.

Para que se configure dependência, alguns aspectos são importantes:

  • Perda de controle sobre o comportamento: ou seja, a pessoa que só para quando acaba ou chega a se machucar, por exemplo. E repete tudo no dia seguinte;
  • Adaptação ao comportamento: se antes bebia um copo e estava bem, depois passa a tomar dois para se sentir da mesma maneira, e assim por diante. Quando privado do consumo, pode apresentar sintomas de abstinência, como sudorese, ansiedade e tremor;
  • Persistência ao comportamento: que ocorre mesmo quando já se deu mal (perdeu um emprego ou relacionamentos, por exemplo).

Assuma o controle

Enquanto o cenário provocado pela covid-19 não muda, algumas soluções podem ser postas em prática para atenuar o efeito nas mudanças de rotina. "A gente está num momento de tormenta e basicamente expostos a situações fora do nosso controle. Dentro desse cenário, o ideal é se apegar ao controle do que temos - e eles são nossas ações e pensamento", comenta Scocca.

O ideal é criar rotinas dentro do contexto que se está vivendo. Logo é fundamental estabelecer horário para acordar, dormir e para as refeições, movimentar o corpo (ainda que seja com alongamentos), ler um pouco por dia, cultivar um hobby, cuidar do que come e diminuir a exposição a informações desnecessárias (e quando for se informar, buscar por fontes confiáveis e não se apegar a áudios alarmistas de WhatsApp).

"O que precisamos de informação, já temos, que é se proteger e evitar ao máximo contrair e transmitir a doença. Dependendo da situação, o excesso leva a ansiedade e a partir daí vem o pânico. E em pânico não conseguimos ponderar e refletir, coisas que precisamos agora. Faça uma declaração pessoal todos os dias, de não surtar e não se contaminar", recomenda o médico.

Fontes: Henrique Bottura, psiquiatra da Clínica Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Luiz Scocca, psiquiatra; Yuri Busin, psicólogo e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Diretor do CASME (Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio).