Ela tomou cloroquina para prevenir malária e perdeu 60% da audição
Em 2002, a jornalista Mariele Previdi Pedroso viajou para Camarões, na África Central, para escrever um livro-reportagem para seu trabalho de conclusão de curso na faculdade. Junto da amiga que a acompanhou na viagem, ela tomou todas as vacinas que sabia que eram necessárias antes de embarcar.
Chegando à tribo que foram visitar por meio de uma ONG, profissionais de saúde instalados no local a aconselharam a incluir um medicamento que não conheciam à rotina: a cloroquina. "Eles disseram que a região era um grande foco de malária e precisaríamos tomar a droga um mês antes, durante a visita e um mês depois para prevenir a doença. Como não sabia disso quando estava no Brasil, comecei a tomar imediatamente", conta.
Algumas semanas depois, ela teve um resfriado. "Era estação chuvosa e tive os sintomas comuns, mas depois que sarei, continuava com um zumbido chato no ouvido", lembra.
Com 21 anos na época, Mariele passou 23 dias no país e mais sete na África do Sul. Quando retornou ao Brasil, ela continuava fazendo o uso da cloroquina, como o recomendado, e o incômodo ainda não havia passado. "Era como se fosse um rádio fora do ar, um barulho insuportável."
Sem desconfiar que o quadro era causado pelo medicamento, a jornalista chegou a visitar quatro otorrinolaringologistas que não acertaram o diagnóstico. A suspeita só surgiu quando em consulta com um homeopata, o médico compartilhou o caso com um colega especializado em doenças tropicais.
"Quando finalmente entendi que tinha sido por causa do remédio, já era tarde demais. Foi extremamente frustrante", desabafa.
Em alguns casos, cloroquina pode ser usada para prevenção de malária
De acordo com Vivian Avelino-Silva, médica infectologista do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), em algumas situações, a cloroquina realmente pode ser usada para a prevenção da malária. "Avaliamos o risco de efeitos colaterais, o risco de malária no local onde a pessoa estará e se há atendimento rápido caso a pessoa tenha sintomas de malária —em caso positivo, não é necessária a profilaxia.
Além da perda auditiva, o medicamento pode causar efeitos como distúrbio de visão, alteração de componentes sanguíneos, irritação gastrointestinal e arritmia. A médica aponta, ainda, que as reações são individuais de acordo com o organismo de cada pessoa —o que explica por que a amiga de Mariele não teve quaisquer sintomas.
A cloroquina também está sendo testada por pesquisadores para o tratamento da covid-19, mas para a doença causada pelo novo coronavírus os médicos advertem que a droga não deve ser tomada como prevenção. Além de não haver comprovação de eficácia, ela oferece riscos à saúde e pode prejudicar quem realmente precisa do remédio.
"Se fosse hoje, eu não tomaria, mesmo sabendo dos riscos"
Mariele perdeu cerca de 60% da audição do ouvido esquerdo e 40% do direito. A perda foi causada por dano neurológico e é irreversível. Hoje, a jornalista usa aparelhos auditivos que custam cerca de R$ 14 mil cada um, comprados por meio de linha de crédito focada em acessibilidade oferecida por seu banco.
"Ele dura cerca de dez anos e é preciso todo o cuidado, afinal, é como se levasse um carro nas orelhas", diz.
Apesar de entender que a perda auditiva faz parte da sua história e saber conviver com o zumbido nos ouvidos —ela ainda escuta quando tira o aparelho para tomar banho ou dormir— Mariele se arrepende de ter tomado o medicamento.
"Não escutar bem me prejudicou em diversas situações. Quando meus filhos eram bebês, por exemplo, eu não conseguia escutá-los chorar de madrugada, meu marido tinha que me acordar. Hoje, eu escolheria correr o risco", afirma.
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