Dor articular, manchas na pele e sensibilidade ao sol são sintomas do lúpus
Resumo da notícia
- Lúpus é uma doença autoimune e crônica que causa inflamação nas articulações (juntas), pele ou outros órgãos
- De origem ainda desconhecida, sabe-se que é influenciada por fatores ambientais, autoimunes e genéticos
- Possui sintomas variados, mas os mais comuns são a sensibilidade à luz solar, manchas na pele e dores articulares
- Não há cura para o lúpus, mas a intervenção precoce e a adesão ao tratamento reduzem e até fazem desaparecer seus sintomas
Em 2019, a Netflix lançou um documentário sobre a vida de Lady Gaga (Gaga: Five Foot Two) no qual ela fala emocionada sobre uma tia que teria morrido jovem, vítima de uma doença reumatológica —o lúpus. A imprensa do mundo inteiro até noticiou que ela teria a doença, mas era apenas uma suspeita diagnóstica que não se confirmou.
Contudo, a preocupação dos médicos da artista americana era legítima —esta doença autoimune, na maioria das vezes, acomete mulheres em idade reprodutiva e tem, sim, um componente genético.
O nome lúpus deriva de uma espécie de lobo americano, a Canis lupus rufus, cuja pelagem tem cor avermelhada, mesma coloração da típica erupção na pele, em forma de borboleta, que aparece na face das pessoas acometidas por essa doença.
Com uma prevalência que varia conforme cada região do mundo, sabe-se que o lúpus é mais comum entre afro-descendentes, asiáticos e hispânicos, quando comparados aos caucasianos.
O grupo feminino representa 90% dos casos, mas os homens, menos afetados, podem manifestar formas mais graves da doença. Nas mulheres, o lúpus é mais frequente na idade reprodutiva, mas pode aparecer em qualquer idade, inclusive em crianças e idosos.
Como não existe cura para essa enfermidade, a adesão ao tratamento é tida como essencial para o controle dos sintomas e até o desaparecimento deles (remissão).
Entenda o que é doença autoimune
O lúpus é uma doença autoimune, ou seja, uma doença crônica. Nas doenças desse tipo há uma desregulação do sistema imunológico que faz com que o seu corpo ataque seus próprios tecidos.
Esse processo provoca lesões no tecido [conjuntivo] que forma a estrutura que dá resistência às suas articulações, tendões, ligamentos e vasos sanguíneos.
Quando o lúpus se manifesta, a inflamação e a resposta imunológica causam lesões nesse tecido, não só na área das suas articulações, mas pode instalar-se em qualquer parte do seu organismo como os rins e o cérebro, além das membranas que revestem coração (pericárdio) e pulmões (pleura).
Por que isso acontece?
As causas do lúpus ainda são desconhecidas, e o que se sabe até o momento é que esta é uma doença multifatorial influenciada pelas seguintes situações:
- Predisposição genética;
- Desregulação do sistema imunológico;
- Fatores hormonais (hormônio feminino);
- Exposição a fatores ambientais (infecções, tabagismo).
Conheça os vários tipos
A forma mais comum dessa enfermidade é o chamado Lúpus Eritematoso que pode ser Sistêmico ou Cutâneo. O primeiro é assim denominado porque tem como característica o eritema —vermelhidão da pele— e pode acometer qualquer parte do corpo —daí a designação sistêmico; o segundo se manifesta na pele em regiões expostas ao sol. Mas existem outros tipos, mais raros, a saber:
- Lúpus induzido por drogas - esta apresentação decorre da exposição a determinados medicamentos ou drogas. A solução desses casos se dá por meio da suspensão do uso do agente desencadeante;
- Lúpus neonatal - doença autoimune onde ocorre uma transferência de anticorpos da mãe para o feto, provocando neste manifestações cardíacas e cutâneas, muitas vezes transitórias.
Saiba como reconhecer os sintomas
O lúpus é uma doença desafiadora exatamente porque seus sintomas podem variar de pessoa a pessoa, e ainda evoluir por meses e até anos. Apesar disso, é comum observar-se as seguintes manifestações:
- Febre;
- Mal-estar geral;
- Erupção de pele, mancha vermelha em forma de borboleta no rosto (90% dos pacientes);
- Erupções de pele em outras partes do corpo;
- Sensibilidade à luz solar (a pele fica vermelha ao ser exposta ao sol);
- Úlceras na boca;
- Dor nas articulações (que pode começar nas pequenas articulações - dedos, pulso etc., mas pode acontecer em todas) (90% dos pacientes);
- Anemia;
- Perda de força física (astenia);
- Perda importante de cabelo;
Sintomas mais graves:
- Problemas do Sistema Nervoso Central (SNC) --convulsão, psicose;
- Nefrite;
- Presença de líquido no pulmão ou coração.
Quando é a hora de procurar ajuda?
Na maioria das vezes as pessoas começam a perceber o aparecimento de manchas que surgem logo após a exposição ao sol, além de dores ou inchaço nas juntas que não decorrem de esforço.
Esse quadro vai se instalando aos poucos, cada dia aparece uma coisa nova. A explicação é de Flávio Calil Petean, professor de Imunologia Clínica e Reumatologia da FMRP-USP.
"A situação chega a tal ponto que chama a atenção e motiva o paciente a procurar um médico", acrescenta Petean. "Em geral é o generalista que o atenderá primeiro, e ele é capacitado para fazer o diagnóstico, que hoje é mais fácil de ser feito. Mas quem deve acompanhar o caso é um reumatologista", completa.
Ao notar esses sintomas mais comuns, procure um médico para avaliação. Quanto mais cedo começar o tratamento, melhores são as chances de conter o avanço do lúpus.
Como é feito o diagnóstico?
Na hora da consulta o médico levantará seu histórico de saúde e fará o exame físico para identificar os sinais típicos do lúpus: mancha vermelha na pele, queda de cabelo, ferida na boca etc.
Além disso, serão solicitados exames sanguíneos simples para identificar outros elementos indiciários da enfermidade: anemia, queda de glóbulos brancos, linfócitos e plaquetas, além do exame de urina tipo I.
Há exames específicos como o FAN (Fator Antinúcleo), o anti-DNA, anti-Sm, anti-Cardiolipina, entre outros, que rastreiam anticorpos nas doenças autoimunes. Todos eles podem dar um ótimo panorama da doença.
Mas atenção: o FAN, sozinho, não confirma a suspeita diagnóstica de lúpus. Isso porque a presença da doença sempre depende de outros achados clínicos —isto é, o paciente sempre terá outros sintomas próprios da enfermidade.
"O que vemos é que a maioria das pessoas com resultado positivo de FAN não têm a enfermidade. Para alguns pacientes o FAN dá negativo, mas o lúpus está instalado", adverte Liz Ribeiro Wallim, professora de Reumatologia da Escola de Medicina da PUC-PR.
Exames de imagem, como radiografia, tomografia, ecografia etc., também podem ser requisitados. Como é possível que a LES acometa a pleura ou o pericárdio, películas que envolvem pulmões e coração, eles poderão revelar alguma eventual alteração.
Como é feito o tratamento
A depender da gravidade de cada caso a estratégia terapêutica partirá de medidas protetivas como a menor exposição ao sol, assim como à luz artificial que também tem raios ultravioleta. O conselho dos especialistas é usar protetor solar diariamente, até mesmo dentro de casa e nos dias nublados. As aplicações devem ser repetidas 3 vezes ao dia.
A redução da resposta imunológica é outra meta que se busca alcançar por meio da terapia medicamentosa. Para esse fim, os médicos têm à sua disposição os fármacos abaixo indicados, que serão utilizados de forma personalizada:
- Hidroxicloroquina - no passado, esse medicamento era usado exclusivamente para o tratamento da malária. Hoje é um dos mais importantes remédios utilizados na terapia contra o lúpus;
- Corticosteroides - esta é uma medicação importante nos quadros agudos e graves. Contudo, devem ser utilizados nos menores tempos e doses possíveis, em razão de seus efeitos colaterais;
- Imunossupressores ou imunomoduladores - grupo de fármacos que reduz a ação do sistema de defesa do corpo;
- Imunobiológicos - reservados para uma minoria de pacientes que não respondem aos medicamentos anteriores ou em situações peculiares identificadas pelo médico.
Até o momento não existem estudos científicos que garantam eficácia e segurança do uso de fitoterápicos no tratamento do lúpus. A suplementação de cálcio ou vitamina D poderá ocorrer, a critério do reumatologista.
O que esperar do tratamento?
Os especialistas garantem que mais de 7 pacientes em 10 obtêm sucesso terapêutico, o que significa o controle ou a remissão dos sintomas da doença. Isso leva à redução do uso de medicamentos ou mesmo à suspensão de seu uso.
Pouco mais de 2 pessoas, entre 10, poderão ter formas mais graves da doença e, para elas, a adesão ao tratamento é a alternativa para evitar o avanço ainda maior da enfermidade e até a morte.
A boa notícia é que a mortalidade caiu muito nas últimas décadas para esses casos, dada a maior ocorrência de diagnósticos precoces, tratamentos com metas terapêuticas precisas e disponibilidade de novas medicações.
Possíveis complicações
A inflamação das células dos rins, que é conhecida como nefrite lúpica, é uma das principais complicações do lúpus e pode levar a diversas consequências. A mais grave delas é a insuficiência renal.
Como o tratamento prevê o uso de corticoides e imunossupressores, esses pacientes passam a ser mais suscetíveis às infecções, o que aumenta as chances do desenvolvimento de infecções das vias aéreas (pneumonias) ou do tipo viral, como o herpes zoster.
Tenho lúpus, posso engravidar?
Sim, mas desde que a mulher esteja sob acompanhamento médico. Licia Maria Henrique da Mota, presidente da comissão de Artrite Reumatoide da SBR, afirma que a gravidez não é contraindicada.
A ressalva é que a gestação deve ser planejada. Isso significa que a paciente deve estar em uma fase da doença onde ela já não apresenta sintomas (remissão), nem manifestações graves. Além disso, não deve estar fazendo uso de medicações que possam causar malformação fetal ou aborto.
"Em 85% das vezes, a gravidez evolui sem complicações para a paciente e para o feto. Quando ela decide engravidar, há todo um planejamento que inclui práticas compatíveis com a gravidez, especialmente em relação às suas medicações", esclarece Licia.
"O mais importante é que a mulher não abandone seu tratamento e esteja sendo devidamente acompanhada por um reumatologista", completa a médica.
Preciso fazer alguma mudança na dieta?
Não existem evidências científicas de que o lúpus tenha relação com o tipo de regime alimentar adotado. Todavia, sabe-se que pessoas acometidas pela doença têm maiores chances de ter um infarto ou problemas nos rins.
A depender de cada situação, o médico orientará uma dieta favorável à prevenção de doenças cardiovasculares ou renais, onde se evite consumo exagerado de gorduras, sódio e proteínas. Como esses pacientes geralmente tomam muitos remédios, evitar a ingestão de bebidas alcoólicas é desejável.
Veja como você pode colaborar com o tratamento
A melhor forma de colaborar com seu médico é aderir ao tratamento. Isso significa que você deve seguir as recomendações do especialista, especialmente evitando a exposição a fatores que podem desencadear a doença. Coloque em prática as seguintes atitudes:
- Evite expor-se à luz solar;
- Use protetor solar, mesmo dentro de casa e nos dias nublados. A aplicação deve ser repetida 3 vezes ao dia;
- Faça acompanhamento médico, mesmo que esteja se sentindo bem;
- Afaste-se do tabagismo.
Fontes: Licia Maria Henrique da Mota, presidente da comissão de Artrite Reumatoide da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia); Liz Ribeiro Wallim, professora de Reumatologia da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná); Flávio Calil Petean, professor de Imunologia Clínica e Reumatologia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo). Revisão técnica: Licia Maria Henrique da Mota.
Referências: Ministério da Saúde; Angel A. Justiz Vaillant; Amandeep Goyal; Pankaj Bansal; Matthew Varacallo. Lupus Erythematosus. StatPearls. NCBI. 2020; Islam MA, Khandker SS, Alam SS, Kotyla P, Hassan R. Vitamin D status in patients with systemic lupus erythematosus (SLE): A systematic review and meta-analysis. Autoimmun Rev. 2019.
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