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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ela tem 2 filhas com microcefalia, uma é modelo: "Que inclusão vire rotina"

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

12/04/2020 04h00

Mãe de primeira viagem aos 19 nos, Viviane Lima, 40, descobriu que Ana Victória Lago, 21, tinha microcefalia vera, ou seja, de origem genética. Dois anos depois, a segunda filha, Maria Luiza, 18, recebeu o mesmo diagnóstico. Ela também teve Júlia, 13, mas que não nasceu com a condição. Nesse depoimento, ela conta como cuida das meninas e o orgulho de Ana Victória ser a primeira modelo com microcefalia no mundo.

"Até o sexto mês, tive uma gestação tranquila, mas, ao fazer o ultrassom morfológico do segundo trimestre, foi constatada uma regressão do perímetro cefálico da Ana Victória e um pré-diagnóstico de microcefalia vera, de causa genética.

Quando ela nasceu, no dia 15 de março de 1999, foi submetida a uma tomografia. A parte da frente do cérebro estava normal, mas a parte de trás estava apagada, sem funcionar. Ana Victória nasceu com 30,5 de perímetro cefálico. Quando eu a vi, não enxerguei nenhuma anormalidade. Ela tinha a cabecinha pequena, mas era linda.

Médico disse que Ana Victória iria vegetar

No dia seguinte, no meu aniversário de 19 anos, o médico disse que Ana não iria andar, não iria falar e, provavelmente, iria vegetar em cima de uma cama. Eu senti uma dor forte no peito e, naquele momento, me tornei mãe. Disse a ele que minha filha iria andar e falar.

No primeiro ano de vida da Ana Victória, eu a estimulava quase que 24 horas por dia. Ela fazia fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Aprendia os exercícios com as profissionais e aplicava diariamente com ela.

Quando ela estava para completar um ano, fui ao Rio de Janeiro para ela fazer uma bateria de exames.

Na comparação com a primeira tomografia, o cérebro dela já não era mais o mesmo de quando ela nasceu.

Devido à estimulação, ela passou a ter atividade cerebral na parte de trás.

Quando eu vi que tudo o que tinha doado como mãe, todas as minhas horas, dias e noites, havia dado resultado, entendi que a minha missão seria estimulá-la sempre. Paguei um preço por isso, abri mão do trabalho e da faculdade de administração que iria começar, mas valeu a pena.

Estimulava a Ana com sons, músicas e cores para acalmá-la.

Comprei 32 pares de sapatos de cores e de modelos diferentes para ensiná-la a andar e despertar a atenção dela.

Ela olhava para o calçado e queria mexer. Colocava um par diferente toda vez até ela se movimentar e conseguir dar os primeiros passos. Ela começou a andar com um ano e dois meses.

Com um ano e nove meses eu a matriculei na escolinha. Nunca permiti que ela fosse excluída de nenhuma atividade, de dançar, pintar, desenhar, brincar. Independentemente da condição, queria que a Ana tivesse experiências como qualquer outra criança.

Antes de receber o diagnóstico, já sabia que Maria Luiza teria microcefalia

Em 2001, engravidei da Maria Luiza mesmo tomando anticoncepcional. A médica do Rio já tinha me alertado que por ser uma causa genética, eu teria 25% de chance de ter outro filho com microcefalia.

Ela me aconselhou a fazer o mapeamento genético para saber quem tinha o gene defeituoso, eu ou o pai biológico, mas não fizemos na época por ser muito caro. Anos depois, descobri que era ele.

Apesar de não ter o diagnóstico confirmado, tinha certeza no meu coração que a Maria Luiza teria microcefalia e que eu viveria tudo de novo. Descobri da mesma forma como foi com a Ana, no ultrassom morfológico do segundo trimestre.

Dessa vez me desesperei porque eu já tinha conhecimento da condição e por que eu não poderia me dedicar exclusivamente a ela. Como ia cuidar das duas?

Tive que tirar força e dizer para mim mesma: 'Se fiz tudo por uma, Deus vai me ajudar e me capacitar para fazer tudo pela outra'. A Ana foi uma preparação para quando a Maria chegou para mim.

Ela nasceu no dia 20 de outubro de 2001, com perímetro cefálico 27, muito abaixo do normal. Ouvi o médico dizer: 'Que pena, essa bebê não tem mais do que 24 horas de vida'.

Tentei aplicar na Maria os mesmos estímulos da Ana, mas não deu certo, tive que adaptá-los. A Ana era hiperativa, já a Maria era mais parada, gostava de silêncio.

Meu papel era estimulá-la a ter reações como, por exemplo, fazer barulho, derrubar a tampa da panela, para apresentá-la a um ambiente com som e movimentado. Tinha duas filhas com o mesmo diagnóstico, mas que eram pessoas completamente diferentes.

A Maria Luiza teve atraso no desenvolvimento, principalmente cognitivo. Ela só foi andar com dois anos e meio e falar, poucas palavras, com quatros anos. Ela desenvolveu síndrome do pânico e TOC. Eu comprei uma boneca, a Chiquinha, com quem ela se sentia protegida e protegendo. Era a forma como ela se sentia inserida no mundo.

Em 2004, me separei do pai biológico das meninas e um ano depois comecei a me relacionar com o Júnior. Ele sabia da minha história e me disse que era homem o suficiente para criar minhas filhas como sendo dele.

Ele me ensinou que amor de pai e mãe não está no sangue, mas no coração.

O Júnior foi um presente de Deus. Antes dele, eu me sentia sozinha e estava esgotada fisicamente. Com a chegada dele, senti o que era ter família e uma necessidade muito grande de saber como era ser mãe de uma criança sem deficiência.

Brinco que eu dei o golpe da barriga nele. Ele me levava para tomar injeção na farmácia, mas não tomava. Quando descobrimos que eu estava grávida foi um susto.

Tive uma 3ª filha que afirma ter sido escolhida para cuidar das irmãs

Minha gestação foi perfeita e a Júlia nasceu no dia 4 de abril de 2006. Fui inserida em uma maternidade completamente diferente da que eu estava acostumada. Eu só sabia ser mãe de um jeito, estimulando, ensinando, e quando a Júlia nasceu, não sabia lidar com a rápida evolução dela.

Criei a Júlia com os mesmos estímulos das irmãs, não a deixei seguir o curso natural, o resultado disso foi um desenvolvimento precoce dela. Na escola, ela estava dois anos adiantada da turma dela.

Por outro lado, a Júlia ajudou muito no desenvolvimento da Ana Victória e da Maria Luiza, porque elas tentavam imitar tudo o que ela fazia: lição de casa, conversar, pentear o cabelo, tomar banho sozinha.

Inclusão é pegar uma pessoa com deficiência e fazê-la conviver com quem não tem. Isso fará com que ela tente superar suas dificuldades e limitações.

A Júlia é muito madura e nunca teve vergonha da Ana e da Maria. Ela diz que foi escolhida para cuidar das irmãs.

Em 2015, quando a microcefalia ganhou destaque por causa da transmissão pelo zika vírus, a Júlia me incentivou a ajudar outras famílias. Criei um grupo no WhatApp chamado 'Mães de Anjos Unidas'.

Contei minha história e fiz um apelo para as mães não abortarem por que microcefalia não era sentença de morte. Começamos com 20 mulheres e hoje já são cerca de 3.000 em 19 grupos, com mães de crianças com qualquer tipo de deficiência.

No ano seguinte, Ana e Maria foram convidadas para participar de um projeto inclusivo de uma agência de modelo. A Ana Victória tinha 17 anos e se revelou durante o ensaio fotográfico, ficou desinibida e fez várias poses.

A dona da agência me contou a história de uma modelo internacional com Síndrome de Down e sugeriu de a Ana fazer um ensaio para valer com direito a maquiagem, look, salto alto. Ela ficou um mulherão.

Ela amou a experiência e algo despertou nela, ela mudou e cresceu como ser humano. Ao final do projeto, ela desfilou. Poder desfilar e fazer algo que dependesse só dela contribuiu para sua evolução e desenvolvimento.

Ana Victória foi musa de bateria de escola de samba

Ela fez um book, nós assinamos o contrato de um ano e ela participou de alguns ensaios e desfiles, sempre com a mensagem da inclusão social. Hoje em dia me tornei agenciadora dela e determino quais trabalhos ela vai fazer.

Ana se tornou a primeira modelo com microcefalia no mundo. Meu sonho é ela desfilar no São Paulo Fashion Week.

Em 2020, a escola de samba Dragões do Império, de Manaus, me homenageou e a Ana desfilou como musa da bateria.

As meninas já sofreram muito preconceito, mas eu sou o escudo delas, e não as deixo saberem o que é a maldade das pessoas.

Já ouvi comentários de que a Ana Victória tem uma cabeça esquisita, de que ela não é modelo, que modelo é a Gisele Bündchen.

Na escola, os pais dos alunos conversaram com a diretora e disseram que se a Maria permanecesse, eles iriam tirar os filhos deles de lá. Alegaram que a Maria chorava demais e não entendia nada.

Nenhuma criança nasce com preconceito, são os pais que passam isso para os filhos. Se inclusão social fosse uma disciplina na escola, teríamos uma sociedade mais consciente.

Na idade cronológica, a Ana Victória tem 21 anos, e na idade cognitiva, 10,11 anos. A Maria Luiza tem 18 anos na idade cronológica, e na cognitiva, tem 4, 5 anos.

Ter duas filhas com microcefalia me transformou na Viviane que eu sou. Fui de mãe de primeira viagem aos 19 anos a secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Amazonas, cargo que exerci por nove meses. Todos os dias luto para termos um mundo melhor.

"Que a inclusão vire rotina"

Me tornei uma mulher destemida, mas só tenho um único medo, morrer antes e deixar minhas filhas para essa sociedade que não está preparada para recebê-las.

Se alguém tiver que sentir a dor da perda, que seja eu. Sonho com o dia em que viveremos o meu lema e do meu marido, que temos tatuado no braço: 'Que a inclusão vire rotina'.

Aos pais e cuidadores de pessoas com deficiência, deixo a mensagem de esperança. Nenhum diagnóstico ruim é uma sentença de morte e impossível de ser superado, é possível vencer com amor, paciência, fé e perseverança".