"Só queríamos ter retornado com saúde", diz brasileira contaminada em navio
O apelo de uma brasileira para deixar o confinamento forçado em um navio na Itália, antes que se contaminasse com o coronavírus, não surtiu o efeito esperado. Agora, além de permanecer sem previsão de volta para o Brasil e isolada em uma embarcação da empresa de cruzeiros Costa Crociere, a analista de tecnologia Lígia Cossina, 36, de São Paulo, viu acontecer o que ela mais temia: foi contaminada pelo vírus juntamente com o marido, o gerente de projetos Thiego de Azevedo Paes, 34.
A notícia foi dada ao casal às 8h30 (3h30 de Brasília) desse domingo (12) de Páscoa. Eles haviam feito o teste na última quarta-feira (8) juntamente com outros dez passageiros brasileiros —todos, por sinal, no mesmo horário, com direito a contato visual entre eles.
"Fomos contaminados a bordo, em isolamento, em uma tragédia anunciada exatamente como havíamos alertado e frisado tanto em nossos apelos sobre este risco. Estamos inconsoláveis, incrédulos e traumatizados diante deste pesadelo que não tem fim", afirmou Lígia.
"Estamos em 'luto' porque tivemos duas baixas: a de nossa saúde física para a condição a que fomos impostos e condicionados a viver por 20 dias e, agora, mais uma baixa: a de nossa saúde mental, para digerir e aceitar as consequências disso", definiu.
"Fomos aprisionados e encurralados em circunstâncias jamais imaginadas. Tudo que queríamos era somente poder ter retornado com saúde", prossegue a brasileira, conforme a qual ela e o marido estão "consternados com tudo isso".
"Somos vítimas de uma série de incompetências que acabou resultando na nossa contaminação: a soma do descaso do Itamaraty, do consulado-geral em Roma e também da empresa."
De dez testes, dois deram positivo
A VivaBem, a analista explicou que, do grupo de dez passageiros brasileiros a bordo do Costa Victoria, ela e o marido foram os únicos a testarem positivo para o coronavírus. Outros seis obtiveram resultado negativo para o vírus e desembarcaram ontem mesmo para os procedimentos de repatriação, e duas passageiras idosas ainda não sabem o resultado dos testes. "Elas estão traumatizadas, isoladas", relata Lígia.
A analista disse que tanto ela quanto o marido apresentaram apenas sintomas leves da doença, como coriza e um pouco de dor no corpo, semelhante a um resfriado comum, na semana retrasada.
Com a confirmação dada ontem, Lígia conta que as refeições agora são servidas em embalagens descartáveis. Além disso, uma enfermeira passou a medir temperatura e pressão deles, nas cabines, acompanhada de um médico.
"Não recebemos nenhuma informação sobre os próximos passos —onde e quando ficaremos, por exemplo—, só que teremos um novo teste. Questionamos tanto o consulado-geral em Roma quanto a empresa do cruzeiro, mas dizem não saber de nada —sequer sabemos dos seis tripulantes brasileiros se foram testados também, o que deu, se ainda estão no navio... nada".
Como foi o domingo de Páscoa nessas condições?
"Sempre passamos a Páscoa em família, e ter que dar essa notícia ontem para a minha família foi bem difícil. Recebemos de sobremesa algo parecido com uma colomba e uns pedacinhos de chocolate. Fiquei emocionada com isso porque me lembrei da minha família, me deu muita saudade, sabe. Está bem difícil", emociona-se a brasileira.
Confinamento em navio caminha para um mês
A reportagem havia falado com Lígia há duas semanas, quando ela e os outros passageiros embarcados no transatlântico "Costa Victoria" completavam dez dias de isolamento nas respectivas cabines, com autorização de saída apenas para a aferição de temperatura, feita uma vez ao dia.
O confinamento como medida de segurança havia começado dia 23 de março, quando, de passagem pela Grécia, o navio teve de desembarcar, para cuidados médicos, uma passageira argentina de 63 anos que testou positivo para o coronavírus.
De lá para cá, os passageiros foram impedidos de desembarcar em Veneza e tiveram de atracar no porto de Civitavecchia, na província de Roma. Em lockdown, a Itália, um dos epicentros da covid-19 no mundo, fechou seus portos a transatlânticos estrangeiros e suspendeu as operações de seus cruzeiros como forma de tentar conter a propagação da doença.
O cruzeiro teve início em 29 de fevereiro em Mumbai, na Índia, e tinha previsão de descer em Veneza no último dia 28 de março. Só na passagem por Dubai, onde, em 9 de março, embarcaram cerca de 500 passageiros.
O transatlântico chegou a ter quase 1.500 pessoas —726 passageiros de diferentes nacionalidades e 776 tripulantes. A maior parte deles desembarcou nos últimos dias.
Itamaraty não apresenta solução a brasileiros contaminados
VivaBem voltou a fazer contato com o Ministério das Relações Exteriores brasileiro sobre o caso. Na semana passada, a pasta admitiu ter conhecimento da situação dos passageiros atracados no porto de Civitavecchia e disse que eles aguardavam o desembarque "para entrarem em quarentena de 14 dias em hotel na Itália (pago pela operadora do cruzeiro)".
Na mesma ocasião, o ministério informou que "o Consulado do Brasil em Roma está acompanhando o caso e mantendo contato com os brasileiros".
Nesta segunda-feira (13), questionado novamente ante a informação de que brasileiros foram contaminados a bordo, o Itamaraty tornou a não apresentar uma solução.
"O Consulado e a Embaixada do Brasil em Roma têm efetuado repetidas gestões junto ao governo italiano, mas diante da situação de pandemia naquele país ainda não foi autorizado o desembarque de passageiros para partida em voos comerciais. Por meio de um dos passageiros, o Consulado recebeu a informação de que alguns passageiros testaram positivo para covid-19 e está buscando confirmar essa informação com as autoridades sanitárias italianas, para questionar sobre qual procedimento será seguido com esse fato novo", diz o ministério, em nota.
Por outro lado, o Itamaraty faz questão de destacar que "a repatriação de passageiros de navios é de responsabilidade da empresa de cruzeiros, que tem colaborado com o governo brasileiro no processo de repatriações de turistas retidos".
"A empresa chegou a agendar voo fretado para a repatriação dos brasileiros, mas, por alegadas dificuldades logísticas, cancelou o voo, o que naturalmente causou grande frustração. Alega, no entanto, que segue buscando uma solução para o caso dos brasileiros do navio. Ressaltamos, adicionalmente, que a quarentena é uma exigência das autoridades italianas para que os brasileiros possam ser posteriormente embarcados em voo de repatriação providenciada pela operadora."
Por fim, o Ministério das Relações Exteriores afirma que "mantém diálogo permanente e fluido com o governo italiano e a empresa de cruzeiros com o objetivo de encontrar solução para o caso".
Empresa de cruzeiros não dá nenhum prazo
Também por meio de nota, a Costa Cruzeiros informou que "tem trabalhado incansavelmente em estreito contato com as autoridades italianas relevantes de saúde e com os representantes diplomáticos dos países envolvidos, a fim de obter um retorno seguro para os hóspedes em seus países de origem", mas destacou que "precisa cumprir as indicações e os regulamentos das autoridades sanitárias italianas sobre desembarque e repatriamento".
"Todas as operações de desembarque são realizadas sob as diretrizes das autoridades italianas, começando pela Proteção Civil, responsável pela emergência covid-19 na Itália e em colaboração com as autoridades de saúde, as autoridades locais e nacionais, além das embaixadas, para garantir que tudo seja feito protegendo a segurança e a saúde das comunidades, bem como dos hóspedes e da própria tripulação. Enquanto o navio Costa Victoria estiver na Itália precisamos seguir as diretrizes fornecidas pelas autoridades de saúde italianas, que realizam exames de saúde constantes a bordo, juntamente com a equipe médica a bordo.
O cenário do transporte aéreo apresenta um alto nível de incerteza devido a inúmeras medidas, incluindo bloqueios totais adotados por quase todos os países do mundo. A empresa está determinada a encontrar uma solução e todas as energias da companhia estão se movendo nessa direção, A companhia segue em constante contato com as autoridades envolvidas para encontrar uma solução que possa ser operada em breve."
O grupo destacou ainda que, na semana passada, "Daniel Lins, vice-cônsul geral do Brasil em Roma, foi à Civitavecchia e embarcou no navio Costa Victoria para visitar os brasileiros a bordo, a fim de verificar suas condições e responder a todas as dúvidas. Além disso, os hóspedes brasileiros estão sendo contatados por cartas, enviadas em suas cabines, com informações sobre os procedimentos antes do desembarque."
A assessoria não soube informar se os seis tripulantes brasileiros seguem na embarcação e se foram testados para a covid-19, tampouco o resultado do exame das duas passageiras brasileiras idosas que seguem isoladas em suas cabines.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.