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Segunda etapa dos testes mostrou efeito protetor de vacina contra a dengue

Vacina liofilizada contra a dengue produzida no Instituto Butantan - Instituto Butantan
Vacina liofilizada contra a dengue produzida no Instituto Butantan Imagem: Instituto Butantan

Carlos Fioravanti

Revista Pesquisa Fapesp

15/04/2020 16h08

Butantan-DV, a vacina liofilizada contra a dengue desenvolvida no Instituto Butantan, apresentou resultados equivalentes aos da formulação original na qual se baseia, a TV003, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos. As duas induziram a produção de anticorpos e de células de defesa em pessoas com ou sem contato prévio com algum dos quatro sorotipos do vírus da dengue no teste clínico fase II realizado na cidade de São Paulo de novembro de 2013 a setembro de 2015. Os resultados foram publicados em artigo na revista The Lancet Infectious Diseases.

A dengue é uma doença endêmica em mais de 100 países, com cerca de 50 milhões de pessoas infectadas a cada ano e 2,5 bilhões vivendo em áreas de risco, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). O Brasil registrou 332.397 casos nas primeiras 10 semanas deste ano, com aumento de 45% em relação ao mesmo período do ano passado. Neste ano, 77 pessoas morreram por causa da doença, segundo o Ministério da Saúde.

Do estudo com a vacina do Butantan participaram 300 pessoas com idade entre 18 e 59 anos. Na primeira parte do estudo, 50 delas, que não tinham tido contato prévio com o vírus, receberam duas doses da formulação do Butantan ou dos NIH, com intervalo de seis meses entre uma e outra. Na segunda etapa, 250 participantes com e sem exposição prévia ao vírus foram distribuídos aleatoriamente para receber uma dose da Butantan-DV ou placebo. Como foi um teste do tipo duplo-cego, os participantes não sabiam o que receberam nem a equipe médica o que aplicara até a conclusão do estudo e a análise dos resultados.

"Pretendíamos responder a várias perguntas com um único estudo", disse o médico infectologista Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Butantan e um dos autores desse trabalho. "A primeira era se nossa formulação funcionaria tão bem quanto a dos NIH." Os NIH repassaram ao instituto paulista a tecnologia de produção da vacina contra a dengue e trabalham juntos nesse projeto há 12 anos. Em dezembro de 2018 o Butantan fez outro acordo de colaboração, com a empresa farmacêutica norte-americana MSD (Merck Sharp & Dohme), para acelerar o desenvolvimento da vacina.

A formulação inicial, TV003, que se mostrara eficaz em testes nos Estados Unidos em pessoas não expostas previamente ao vírus, é produzida com quatro proteínas - uma para cada tipo de vírus - que devem ser mantidas refrigeradas a -70 graus Celsius (oC); elas são misturadas apenas na hora da aplicação. Para vencer o inconveniente do resfriamento a temperaturas muito baixas, a equipe do Butantan preparou uma formulação com vírus liofilizados (desidratadas e congeladas sob vácuo), que pudesse ser transportada mais facilmente e armazenada em geladeiras comuns, como as outras vacinas. Restava ver se teriam o mesmo efeito. O teste indicou que sim. "Já confiamos em nossa formulação", disse Palacios.

Segundo ele, a vacina do Butantan se mostrou "bastante segura", causando apenas leve vermelhidão no braço ou no tórax em geral após o 10º dia após a aplicação e também leve dor de cabeça ou mal-estar, "nada além do usual para as vacinas", avaliou.

"Conseguimos uma imunogenicidade [capacidade de ativar as defesas naturais do organismo] excelente, comparada com outras vacinas testadas até hoje", comentou o infectologista Esper Kallás, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e autor principal do artigo na Lancet. Os testes indicaram que a Butantan-DV pode ativar a produção tanto de anticorpos (imunoglobulinas) quanto de células de defesa, a exemplo dos linfócitos CD-8+, algo que não foi avaliado por outras candidatas à vacina, que ativam principalmente anticorpos.

"A vacina induziu respostas equilibradas contra os quatro sorotipos, tanto em indivíduos que já tiveram dengue quanto nos que não tiveram", ressaltou o imunologista Jorge Kalil, professor da FM-USP que coordenou o desenvolvimento da vacina quando foi diretor do Butantan, de 2011 a 2017. A produção de anticorpos e de células de defesa variou de 77% a 92% dos participantes sem exposição prévia aos vírus da dengue e de 77% a 82% entre os que já haviam se exposto. O nível mínimo de ativação de respostas contra patógenos para uma vacina ser aceita é 75%. Um dos grupos de participantes recebeu uma segunda dose, para avaliar sua necessidade. "No entanto, a resposta inicial foi tão boa que apenas uma dose bastaria", comentou Palacios.

Com apoio inicial da Fapesp e depois do Ministério da Saúde e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o desenvolvimento da vacina cumpre agora a última etapa antes da solicitação de registro para produção e distribuição no Brasil: os testes clínicos fase III, que começaram em fevereiro de 2016 e devem terminar em 2024. O objetivo é avaliar a segurança de uso e a eficácia da vacina contra a dengue em cerca de 17 mil pessoas com idade entre 2 e 59 anos, acompanhadas por equipes de 16 centros de pesquisa de São Paulo.

Até agora a única vacina contra a dengue aprovada em 11 países, incluindo o Brasil, é a CYD-TDV, lançada em 2015 e fabricada pela empresa farmacêutica Sanofi Pasteur. Produzida com uma tecnologia de DNA recombinante que substituiu genes da vacina 17D do vírus atenuado da febre amarela pelos dos sorotipos da dengue, apresentou uma eficácia média de 60%, promovendo uma resposta imune intensa para o sorotipo 4, mas insatisfatória para o 2.

Recomendada apenas para pessoas com idade entre 9 e 45 anos que tiveram dengue, já que poderia causar dengue grave em quem não se expôs ao vírus, essa vacina exige três doses, a serem aplicadas ao longo de um ano, para ser plenamente eficaz. Em um artigo publicado na revista Vaccine, uma equipe da Sanofi Pasteur mostrou que essa vacina poderia manter o efeito protetor por até seis anos em crianças com mais de 9 anos já expostas ao vírus.