Vida parece mais sem sentido durante pandemia? Logoterapia pode te ajudar
Resumo da notícia
- Logoterapia é uma abordagem psicológica que busca o sentido da vida
- Ela ajuda as pessoas a transformar o sofrimento, como o causado pela pandemia do novo coronavírus, em aprendizado e crescimento
- A abordagem propõe três caminhos para encontrarmos o sentido da vida: valor de criação, valor de vivência e valor de atitude
- Em vez de fazermos perguntas para a vida, é mais produtivo responder as perguntas que a vida nos faz
- O sentido da vida é individual. Portanto, apenas nós somos capazes de encontrar essas respostas
Buscar o sentido da vida já é algo desconcertante para muitas pessoas, que dirá agora que estamos em quarentena, vivendo uma pandemia e, em alguns casos, com mais tempo para refletir sobre isso? Normalmente, temos o comportamento de viver fazendo de conta que está tudo bem sempre. E nesse desejo de querer ter uma vida boa e fácil o tempo todo, de escapar da dor a qualquer custo. "Essa sociedade não traz uma raiz de verdade e de consistência. Ela é muito frágil. Aí não precisa vir a covid-19. Vem qualquer frustração e a pessoa não aguenta. Não tem a capacidade de enfrentar o sofrimento", afirma Marina Lemos, pediatra e vice-presidente da ABLAE (Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Existencial).
A boa notícia é que o sofrimento pode ser um atalho para encontrarmos o sentido da vida. Quem não olha o sofrimento com desespero, percebe que momentos como o que estamos vivendo podem nos ajudar a descobrir muito sobre nós mesmos. Eles nos levam a indagar se estamos conduzindo a vida da melhor maneira possível e enxergar o que realmente importa. Também nos faz dar um mergulho interno até encontrar os recursos que temos para nos levantarmos das quedas e continuar. E a logoterapia, abordagem psicológica criada pelo psiquiatra austríaco Viktor Frankl, pode ajudar nesse contexto.
O que é a logoterapia?
Qual é o sentido da vida? Vários pensadores e estudiosos já se debruçaram sobre a questão e sugeriram possíveis respostas. Um deles foi Frankl, que ainda jovem a logoterapia, uma abordagem psicológica cujo objetivo é ajudar as pessoas a encontrarem o sentido de suas vidas.
Anos mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, Frankl esteve em campos de concentração, incluindo Auschwitz, onde perdeu praticamente toda a família. Ele conta essa história triste no livro Em busca de sentido (editora Vozes). De sua experiência pessoal e do contato com outros prisioneiros, reforçou para si a certeza de que a vida tinha sentido mesmo sob circunstâncias extremas como ele viveu, em meio à fome, frio, dor, humilhação e brutalidade. O psiquiatra observou que as pessoas que queriam reencontrar quem amavam, que tinham um sonho a realizar ou uma tarefa a ser cumprida aguentavam mais o sofrimento.
Foi assim que ele validou a logoterapia. "Viktor coloca que a nossa motivação básica é o sentido de vida, algo por que viver que nos faça sentir que existir vale a pena, que podemos fazer a diferença no mundo", sintetiza Lemos. O problema é que não costumamos lidar bem com as adversidades. Quando elas batem à porta, algumas pessoas ficam tão aflitas que desenvolvem doenças emocionais, como a depressão.
Um dos princípios básicos da logoterapia é a liberdade da vontade, que afirma que o ser humano pode moldar a vida dentro dos limites das possibilidades dadas a ele, mesmo nas situações mais difíceis. Já a vontade de sentido se refere à busca contínua que temos de encontrar um propósito, um significado maior para a nossa existência. Por fim, o sentido da vida é uma espécie de chamado para produzirmos o melhor possível em nós mesmos e no mundo, percebendo e realizando sentido em cada situação.
Como aplicá-la no momento atual?
Não existe uma fórmula para acharmos o sentido da vida. "É uma reposta absolutamente individual que as pessoas têm que dar a esse questionamento", afirma Paulo Kroeff, professor de psicologia aposentado da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Umas o encontram mais cedo, outras mais tarde, e há aquelas que atravessam os anos sem se descobrir algo que faça suas existências valerem a pena e acabam se acomodando.
De acordo com a logoterapia, existem três caminhos para encontrarmos o sentido da vida. O primeiro é o valor de criação. Em outras palavras, tudo o que fazemos ou damos para o mundo com o nosso trabalho, segundo Kroeff. Quando achamos o nosso ofício importante, ele enche nossas vidas de significado, mesmo que não seja remunerado, como no caso dos voluntários. O segundo é o valor de vivência, que diz respeito ao que recebemos do mundo, como ver o pôr do sol, estar com os amigos, ouvir música, admirar uma obra de arte, ir ao cinema, conviver com a família, amar e ser amado.
Para completar, o terceiro é o valor de atitude, que é a nossa reação quando nos deparamos com o que Frankl chamou de tríade trágica: sofrimento, culpa e morte. Dito de forma simples, é tudo aquilo que acontece independentemente da nossa vontade. Por exemplo, podemos nos esforçar para prevenir as doenças, mas não temos a opção de escolher entre ficar doente ou não. Todavia podemos ter uma atitude positiva diante delas. Como um paciente terminal, que tem a possibilidade de passar o tempo que lhe resta com serenidade em vez de reclamar até o fim.
Agora, com o distanciamento social, não podemos ter a vida de antes. Mas está ao nosso alcance não nos afundarmos no sofrimento. Isso é possível quando procuramos maneiras de compensar as perdas que estamos tendo, seja fazendo o que antes não tínhamos tempo, aproveitando a companhia da família, sendo solidários ou reavaliando as nossas escolhas para termos uma vida melhor assim que tudo passar. "Nós vivemos muitas vezes de uma forma irrefletida. Temos que refletir sobre o que está acontecendo, o que importa mesmo. Quem aproveitar essa oportunidade pode ter uma grande transformação", diz Kroeff.
E continua. "Algumas pessoas se desesperam e não conseguem cuidar de si nem dos outros. Deixam de enxergar que a vida continua com muitos sentidos disponíveis. Apenas alguns estão bloqueados ou dificultados no momento". É necessário ampliar o olhar para encontrar esses outros sentidos durante a pandemia, como fazem as pessoas que estão levando comida e produtos de higiene pessoal para os moradores de rua e de favelas em várias cidades do país.
Assim como o sofrimento, a culpa pode esvaziar a vida de sentido. E ela é inevitável, pois vira e mexe nos sentimos culpados por algum motivo. Mas não é o fim da linha. Embora não seja possível voltar atrás quando prejudicamos ou magoamos alguém ou somos omissos em situações em que não podíamos ser, podemos assumir a responsabilidade pelo que fizemos, pedir perdão e mudar a nossa conduta a partir dali.
O último elemento da tríade trágica está muito presente com o avanço da covid-19. Embora a morte seja a única certeza que temos, evitamos lembrar que ela vai chegar para todos. Só que com a ameaça do novo coronavírus, isso é impossível. Pensar na finitude tem um lado bom, que é paramos de adiar o que realmente pode nos fazer felizes ou de esperar pelos outros. "Se não fizemos nada de significativo até agora, vamos começar. Se não der, tudo bem. Tentamos. A vida tem um tempo determinado. Então temos que começar a vivê-la e fazer o que é importante dentro do que temos", aconselha Kroeff.
Uma mudança de olhar
Para a logoterapia, a vida sempre tem sentido. Mesmo nas situações em que parece que o nosso mundo acabou. Mas nos distanciamos dele quando ficamos questionando a vida, em vez de responder as perguntas que ela nos faz. Isso faz muita gente desistir no meio do caminho. "Se a pessoa acredita que não existe um sentido, desiste dele ou o perde, às vezes começa a percorre caminhos negativos e busca satisfações momentâneas. Isso não leva a nada", enfatiza o psicólogo.
Outro obstáculo para encontrar o sentido é o medo. É preciso superá-lo antes de dar o passo seguinte, que é aprender com o que a vida nos coloca. Quando entendemos que nem tudo está sob o nosso controle, aceitamos melhor o que acontece e nos afastamos do que não nos faz bem. E então avançamos para a zona de crescimento, que é abandonar o individualismo e pensar também nos outros. Ou seja, praticar a autotranscendência, como o autor de Em busca de sentido define. O resultado desse processo é enxergar a realidade com mais uma nitidez maior, ter mais gratidão e abraçar o presente, mesmo que ele seja doloroso.
Muitas pessoas estão sofrendo com a quarentena, com a sensação de estarem presas em casa. Mas a liberdade interior, conforme Lemos, ninguém pode nos tirar. "Existe uma força nessa liberdade interior muito grande. No entanto, ela está abafada na nossa sociedade. Temos uma repressão da nossa existencialidade, da busca do sentido, da responsabilidade e da espiritualidade, não no contexto apenas religioso". É ela quem pode nos trazer conforto quando estamos privados de ir e vir.
Lemos usa uma metáfora para ilustrar como ter um olhar otimista nos aproxima do sentido da vida. "Algumas pessoas olham para o céu cheio de nuvens escuras e acham que o sol não existe porque não o estão vendo. Enquanto outras podem dizer que o sol está acima das nuvens, mesmo sem enxergá-lo. Quem vai continuar procurando o sol? Não acreditar no sol atrás das nuvens torna muito difícil encontrá-lo". Além de ter uma visão positiva, estar atento ao momento presente nos ajuda nessa busca.
Tudo isso pode parecer complexo num primeiro momento, mas fica mais claro quando escutamos a nossa consciência. "Para descobrir esse sentido que é único, irrepetível e pessoal, é preciso fazer silêncio, conversar consigo mesmo e acessar a consciência", ensina Lemos. Ouvir o que as pessoas próximas e confiáveis têm a dizer também é útil nesse processo de descoberta. Porém, a resposta final para as perguntas que a vida nos faz só é encontrada por nós.
Transformando o sofrimento
Um dos segredos de ficarmos bem no meio dessa crise é cuidarmos dos outros, segundo Lemos. "Podemos transformar esse sofrimento em plenitude ou ver sentido nele por meio da vivência do amor. Não o amor sentimentalista, mas o amor-decisão. Como fazem as pessoas que estão distribuindo comida nas estradas para os caminhoneiros". Ações como essa fazem a sensação de vazio ir embora e nos fortalece para enfrentarmos esse período difícil.
Ao contrário do que muitos pensam, encontrar o sentido da vida não significa ser feliz o tempo todo. "Frankl dizia que não podemos buscar diretamente a felicidade. Ela é alcançada indiretamente quando realizamos o sentido, ou seja, aquelas coisas que achamos importantes na vida. Aí encontramos a felicidade que é possível para o ser humano. Mas um estado permanente deste sentimento não é algo alcançável porque na vida sempre há sofrimento", observa Kroeff.
Lemos sugere o exercício de vermos essa crise como uma oportunidade para nos tornarmos pessoas melhores. "Podemos ajudar a contar essa história que estamos vivendo como algo terrível, mas ao mesmo tempo sublime." Ela acredita que a pandemia nos fará valorizar mais a simplicidade, a fraternidade e a espiritualidade. E ensinar muita gente a "dizer sim à vida", como Frankl resumiu em seu livro mais conhecido.
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