Saúde mental dos adolescentes precisa de atenção no isolamento: como cuidar
O confinamento social tem se mostrado um dos meios de impedir a propagação do novo coronavírus. Porém, ficar em casa impôs uma nova forma de viver e se relacionar, e o prolongamento e a incerteza do fim do isolamento podem gerar ansiedade, angústia, tristeza e estresse. Tais danos psicológicos devem ser monitorados e controlados, sobretudo em adolescentes, que tiveram de se afastar compulsoriamente de sua rede socioafetiva: amigos, colegas de escola, pessoa amada e familiares.
"O ser humano é social. O contato é estruturante na vida psíquica e, principalmente, do adolescente, que se expõe a experiências sociais com mais intensidade, seja em relação à família ou amigos. Uma mudança drástica pode ser fator de risco à saúde mental do jovem", afirma Elson Asevedo, psiquiatra e pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Mudanças físicas, emocionais e sociais podem tornar os adolescentes vulneráveis a condições de saúde mental. Por isso, a promoção do bem-estar psicológico durante a pandemia ajuda a lidar com a instabilidade. "Momentos de crise podem ser um gatilho para transtornos mentais. Muitos deles se iniciam na adolescência e a metade antes dos 14 anos. É importante reconhecer a ansiedade e os medos. Fechar os olhos pode ser pior', aconselha Asevedo.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), as condições de saúde mental são responsáveis por 16% das doenças e lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos, sendo a depressão e o suicídio as principais causas de morte. Estima-se que, no mundo, entre 10% e 20% dos adolescentes passem por problemas psicológicos.
Mas como os pais podem identificar os sinais que indicam instabilidade emocional ou o surgimento de transtornos mentais?
"Queixas de angústia são manifestações comuns e precoces após eventos traumáticos. Mudanças no humor, no comportamento, no sono, aumento da agressividade, sintomas de ansiedade, dificuldades grandes e abruptas na cognição devem ser consideradas", alerta Antônio Alvim, coordenador do Departamento de Psiquiatria da Infância e Adolescência da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Alterações de comportamento intensas em demasia podem ser uma indicação de desenvolvimento de pensamentos de risco, sendo o suicídio o desfecho mais trágico. Um estudo publicado no Brazilian Journal of Psychiatry constatou que, de 2006 a 2015, a taxa de casos de adolescentes que tiraram a vida aumentou 13%, em seis cidades brasileiras analisadas pelos pesquisadores.
Relações afetivas
Os adolescentes precisam de estrutura e de senso de normalidade para manter a estabilidade emocional. O que pode ser mais difícil em tempos de ensino a distância, afastamento dos amigos, cancelamento de festas e viagens e mudanças de costumes. Por isso, é essencial manter as obrigações diárias.
"A rotina traz segurança. Os vínculos com a escola, o trabalho, a família e a internet estão sendo ressignificados. São naturais a ansiedade e o estranhamento, mas também uma oportunidade de se reaproximar e redescobrir as relações", explica Larissa Polejack, professora do Instituto de Psicologia da UnB (Universidade de Brasília).
Segundo a professora, o caminho é encontrar o prazer nos hábitos do cotidiano. "Conversar e compartilhar assuntos de interesse pode ser um momento afetivo, que é fundamental para a proteção da saúde mental e do desenvolvimento de transtornos", complementa Polejack.
Procurar formas alternativas para um convívio social saudável é a chave do bem-estar emocional dos adolescentes em tempos de pandemia. Atente às recomendações dos especialistas ouvidos pelo VivaBem para ter uma boa saúde mental e identificar possíveis transtornos.
1. Converse sobre a doença
Os pais devem conversar abertamente com os filhos, traduzindo de forma clara e simples a atual crise mundial. Para o adolescente, pode parecer injusto, já que não foi uma escolha, e sim uma imposição pela situação epidemiológica. Ele precisa compreender que o confinamento não significa castigo ou medida corretiva, mas uma demonstração de cuidado.
Dê explicações básicas: o que é, quais são as medidas de prevenção e como os médicos estão cuidando dos doentes, sem excesso de detalhe e de acordo com a idade do adolescente. Cuidado com a superexposição a informações. O que os pais dizem e fazem sobre o covid-19 pode aumentar ou diminuir a ansiedade dos filhos.
2. Mantenha a rotina
A manutenção de hábitos sociais e emocionais saudáveis é importante para o bem-estar mental dos adolescentes, pois traz tranquilidade neste momento de incertezas e facilitará o retorno às atividades rotineiras ao final do isolamento social.
Estabelecer o que fazer e os horários de cada tarefa ajuda a ter foco e a dar sentido aos afazeres. Elabore uma programação de atividades cotidianas, como acordar, tomar banho, trocar de roupa, estudar, se alimentar, se exercitar e dormir bem.
Vale separar um tempo para o envolvimento em ações solidárias, como propagar boas informações e cuidados com os familiares ou vizinhos. O sentimento de utilidade transforma o adolescente em protagonista no combate à disseminação da pandemia e ajuda a manter o equilíbrio, o controle e o poder de decisão.
3. Boa convivência entre pais e filhos
Por causa do isolamento social, os adolescentes estão vivendo uma convivência intensa e prolongada com os pais. A imposição de uma nova forma de relacionamento pode intensificar os conflitos que antes já existiam.
Uma saída é engajar o adolescente na rotina da casa. De maneira construtiva, a formação de uma equipe dividindo tarefas, com o objetivo de cuidar um do outro, pode ser uma ferramenta para melhorar a relação. Assim como estabelecer horários para o lazer em família, a fim de fortalecer os vínculos afetivos e afinidades.
4. Compartilhe o dia a dia com amigos
A ruptura abrupta do núcleo de suporte social pode gerar reações emocionais e frustrações perigosas para o adolescente, cuja fase da vida se caracteriza pela importância do convívio e da validação dos amigos. Por isso, o canal de comunicação e socialização deve ser mantido, por meio das redes sociais. Mas com limite e supervisão. O uso prolongado e próximo da hora de dormir causa insônia, estresse, entre outras alterações mentais e corporais.
Compartilhar as atividades do dia, contar as novidades e dividir os questionamentos são uma maneira de se conectar com as pessoas afetivamente e de fortalecer a onda de solidariedade e de afeto.
5. Monitore o comportamento
Alterações bruscas de comportamento e de sociabilidade são sinais de alerta. Excesso de irritabilidade, aumento da agressividade, intensificação do isolamento e mudanças dos padrões de sono e alimentar podem indicar instabilidade emocional e até depressão.
Atente, também, para o excesso de pensamentos negativos, como a sensação de que é um fardo. O raciocínio de que atrapalha a vida das pessoas que ama é uma distorção da verdade que é risco para suicídio.
Adolescentes que consumiam drogas e/ou álcool podem ficar mais impulsivos e hiperativos durante o isolamento em casa, sob a vigilância dos pais. A restrição ao consumo pode desencadear abstinência, irritação e insônia.
6. O papel de cada um na prevenção
O adolescente tem de ficar atento às suas emoções, sentimentos e oscilações comportamentais. Caso perceba o surgimento de pensamentos negativos, deve procurar ajuda da família e até de profissionais. O importante é entender que ele não está passando pelas dificuldades sozinho.
Do ponto de vista familiar, a atribuição dos pais é a de ajudar os filhos a manter a rotina escolar, os hábitos alimentares e de sono saudáveis, a prática de atividade física e de lazer e o contato com os amigos. Em caso de instabilidade emocional, valide e legitime os sentimentos e não minimize as queixas e os sofrimentos. Ouça, compreenda e mostre que está disposto a conversar a qualquer momento.
Já a escola é um canal de monitoramento não somente acadêmico, mas também psicológico ao se colocar como uma rede afetiva e solidária aberta a discussões. Além disso, a nova rotina de ensino a distância mudou a forma como os adolescentes estavam habituados a usar a internet, que deixou de ser um canal de busca para assuntos de interesse e contato com amigos para se tornar de obrigações escolares. Esse novo papel pode gerar ansiedade e estresse. Por isso, a importância de o colégio desenvolver habilidades emocionais capazes de reduzir desfechos negativos de saúde mental.
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