Ajudar as pessoas faz bem à saúde mental na quarentena, diz neurociência
Ansiedade, tristeza, inutilidade e falta de sentido da vida —são alguns dos sentimentos relatados por muitas pessoas diante da pandemia de covid-19. De fato, a necessidade de permanecer em casa significou ruptura de planos e temores sobre o futuro. Por outro lado, muitos estão reagindo à pandemia com iniciativas solidárias e descobrindo que colocar suas habilidades a serviço do outro pode amenizar o peso psicológico da quarentena e, ainda, contribuir ativamente no combate ao coronavírus.
É o caso do designer Odair Faleco, criador do mapa colaborativo Máscara para todos, que marca as localizações de pessoas que estão costurando máscaras para doar ou vender em todo o Brasil. A ideia foi inspirada numa iniciativa semelhante na República Tcheca, onde vive. "A empresa que criou o mapa doou os códigos. Amigos doaram seus conhecimentos ajudando a programar, a traduzir, e conseguimos finalizar uma versão brasileira do mapa em dez dias", conta Faleco. "Foi bom ver o espírito de grupo e a criatividade aflorando".
Segundo o neurocientista Paulo Sérgio Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Mackenzie, os desafios intrínsecos à quarentena vão de encontro ao senso comum de que o ser o humano age essencialmente por interesse próprio, guiado por decisões utilitárias de perdas e ganhos. Ele explica que nosso cérebro aprendeu a sentir prazer diante de ações primárias para a sobrevivência, como comer, beber, fazer sexo. Num nível mais secundário, está o dinheiro, que também ativa o chamado sistema de recompensa do cérebro, pois proporciona fatores que associados a maiores chances de sobrevivência, como descanso e boa alimentação.
No entanto, existe um nível mais elaborado e potente de gratificação, gerido por valores subjetivos, como a noção de significado da própria existência. "Por isso nos sentimos bem em saber que estamos sendo úteis e, mais ainda, quando nossos esforços e capacidades são reconhecidos, mesmo quando não há remuneração envolvida. Isso ativa o senso de pertencimento", explica Boggio.
"Está na essência do ser social o fazer pelo outro. Fazer pela comunidade é se ajudar", diz a neurocientista Roberta Cysneiros, diretora do Laboratório de Neurobiologia da Universidade Mackenzie. Da perspectiva da evolução, espécies que vivem em sociedade tem mais chances de sobreviver. Constituir vínculos é necessário para fazer parte de um grupo e, assim, aumentar as chances de proteção, de procriação. "Viver em sociedade é complexo, demanda desgaste e dificuldades. Por isso a recompensa: é uma ferramenta evolutiva para garantir o convívio - a gratificação em dar é, muitas vezes, maior que a de receber", explica Cysneiros.
Nesse sentido, aplicar os que sabemos e gostamos de fazer é um reforçador de recompensa diferente do trabalho oficial, geralmente motivado pela nossa necessidade de sustento. Foi o que fez o arquiteto e professor Eduardo Telles, que ilustrou um passo-a-passo de uso correto de equipamentos de proteção individual (EPIs) para ser impresso e colado nos hospitais (episaude.org). "Existe todo o pessoal da linha de frente, médicos, policiais, entregadores, mas nós também podemos confrontar a pandemia de nossas casas, usando nossas habilidades. No meu caso foi o desenho, que faço desde pequeno", conta.
"Para muitos, a quarentena está sendo uma oportunidade de oferecer um trabalho que fala muito sobre quem somos. Isso é altamente gratificante", diz Paulo Boggio, citando um artigo assinado por pesquisadores da Universidade Princeton, resultado da análise de vários estudos: sentimos mais prazer em compartilhar informações sobre nós mesmos e sobre o que nos importa do que em ganhar dinheiro. "Nesse momento, se engajar em hobbies ou em iniciativas que permitem colocar em prática nossos interesses e dividir com outros o que sabemos é uma maneira de equilibrar os efeitos psicológicos negativos do distanciamento físico", diz Boggio.
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