"Nos tornamos infelizes buscando felicidade super-humana", diz psicanalista
Nesta segunda-feira, o UOL Debate reuniu um time de especialistas para discutir a busca pela felicidade em tempos de pandemia. Durante o bate-papo, os convidados debateram se o conceito de felicidade é um processo diário ou uma luz no fim do túnel, um objetivo final.
Dá para ser feliz em meio a uma pandemia?
Muita gente tem pensado: "Quando acabar o isolamento, eu vou ser feliz de novo". Mas será que é possível ser feliz em casa, ainda hoje? É possível ser feliz em meio a incertezas e dúvidas, quando estamos acostumados a trabalhar dentro de cenários mais previsíveis? Essa foi a questão levantada por Jairo Bouer, mediador do debate, psiquiatra formado pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), bacharel em biologia pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e colunista de VivaBem.
Para a monja Cohen, referência do Zen Budismo no Brasil, a resposta é sim. "No budismo, falamos em ter contentamento com a existência, que pode existir mesmo em grandes dificuldades como a pandemia. Não existem estados permanentes, atravessamos a vida passando por vários diferentes. O isolamento nos deixa mais reclusos, percebemos braveza, bem-estar, raiva... É um momento que provoca alterações muito sensíveis. Mas isso não impede o contentamento de estar vivo, de poder respirar sem aparelhos. A presença pura é igual a sabedoria, e a sabedoria é a libertação das amarras físicas e mentais", diz.
"Uma concepção de felicidade que temos na psicanalise é que a felicidade é uma contingência, depende de um encontro. Em inglês, por exemplo happiness (felicidade), significa algo que acontece. A nossa tarefa é tentar, com essa contingência, valorizar o encontro que a determina, que coloca diante de nós. Aquele que espera ser feliz como um estado permanente acaba negando a contingência da vida e a aceitação dela como um princípio maior. Eventualmente a gente se torna muito infeliz perseguindo uma felicidade super-humana", aponta Christian Dunker, psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).
Para a filósofa Márcia Tiburi, doutora pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a palavra felicidade se transformou numa espécie de termo universal na qual o significante é vazio. "A pergunta é a melhor parte: podemos ser felizes assim? Ou de outra maneira? Isso nos faz retomar o aspecto reflexivo da própria ideia da felicidade. Não podemos tratar como algo totalmente abstrato, depende do que você faz para que ela seja possível. É uma ideia sequestrada pelas ideologias, religiões, sistema paranoico e pronto quer dar uma ideia pronta, cooptar pessoas, vender mercadorias... Isso também entra na reflexão. É bom sempre estar se perguntando 'ser feliz é isso?', mas não abandonar a possibilidade de ser feliz".
Lucas Liedke, psicanalista formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e analista de cultura e comportamento, enxerga o momento como propício para a reflexão de uma felicidade anterior. "Há momentos em que a gente desmorona. Você fica abalado e no fim, antes da pergunta sobre se da para ser feliz na pandemia, vem o questionamento do quão felizes éramos antes dela. Essa régua é pessoal, cada um vai descobrindo. Agora, a felicidade pode ser um pouco sobre descobrir que a gente é mais forte do que imaginávamos", explica.
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