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Médica de PE relata desespero de idoso e sua morte sufocada sem respirador

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Carlos Madeiro

Colaboração para VivaBem, em Maceió

12/05/2020 15h00

Quando pensou em ser médica, Roberta Verçoza, 28, não imaginava que viveria a tragédia que está presenciando no Recife. No estado existe uma fila de espera de mais de 250 pacientes por um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Todos são casos suspeitos ou confirmados de covid-19.

Com uma busca maior do que a capacidade, a clínica geral compartilhou um relato emocionante do sofrimento e desespero de um paciente de 72 anos gerado pela falta de ar e de um respirador. A morte sufocada sem ar causou uma dor até então inédita na carreira de Roberta.

Ontem (11), o governo de Pernambuco decretou o fechamento total de cinco cidades da região metropolitana da capital, incluindo Recife, a partir do dia 16. A medida tenta conter o avanço do novo coronavírus nos locais que mais registraram casos até agora.

VivaBem traz abaixo o relato de Roberta, que pediu apenas uma coisa: não revelar a unidade onde ocorreu a morte. "Vejo o esforço de todos ali para tentar fazer o melhor trabalho possível com os recursos limitados que a gente tem", diz.

"A unidade já estava lotada. Tinha pouquíssimos leitos, mas não podemos fechar as portas para a população que chega de livre demanda, principalmente se a gente avalia inicialmente e vê que se trata de um paciente grave.

Era um paciente idoso, 72 anos, hipertenso, que chegou bem cansado, com o nível de oxigênio do sangue baixo, cerca de 80% do normal.

Esse senhor chegou no meio da tarde, em um plantão em que eu já havia recebido outros três pacientes gravíssimos que foram intubados assim que chegaram, sem falar que já tinham dois intubados na sala vermelha desde o plantão anterior. Ou seja, eu tenho cinco respiradores na unidade, e todos estavam ocupados.

Quando ele chegou, toda a equipe ficou bem preocupada, porque se ele precisasse ser intubado, não tinha respirador. No final das contas nós íamos ter que nos virar em 1.000 para que ele melhorasse e não precisasse da máquina.

Conseguimos um leito para ele com uma máscara que oferecia oxigênio suplementar, na tentativa de melhorar o padrão respiratório e a saturação de oxigênio. O tempo todo, mesmo sem conseguir falar direito por conta da falta de ar, ele me pedia ajuda, pedia para não deixá-lo morrer, dizia que estava com medo. Só de falar isso já dá um nó na garganta. Ver alguém morrendo sem ar, na sua frente e não ter o que fazer...

A gente medicou o paciente, tentou acalmá-lo, continuou oferecendo oxigênio. Enquanto isso, eu e minha equipe fomos atrás de vaga para os outros pacientes para tentar transferir os mais graves e vagar um respirador que pudesse ser usado.

Ele se acalmou um pouco, até melhorou levemente. Chegou a me agradecer, dizer que estava melhor, que tinha fé que ia sair dali melhor e vivo. Mas eu sabia que era questão de tempo: ele ia piorar e teria que ser intubado.

Meu plantão acabou às 19h e recomendei que uma colega e grande amiga de trabalho cuidasse do paciente com carinho. Tinha certeza que ela iria cuidar dele tão bem quanto eu tentei cuidar, sabe?

Mas de manhã ela me mandou uma mensagem dizendo que ele tinha falecido por falta do respirador que tanto precisou. Tudo que ela pôde fazer foi oferecer conforto para que ele não sofresse, para que partisse em paz, sem agonia. Passei o dia seguinte muito mal. Basicamente não saí do meu quarto, não consegui levantar da cama.

Conversei com alguns colegas e todos têm histórias parecidas para contar. É uma tragédia a forma como esses pacientes estão morrendo. Imagine a cabeça de profissionais da saúde que presenciam uma situação dessas, como eu e meus colegas estamos presenciando? E ainda ver esse tanto de gente achando que tudo é brincadeira, que não é nada sério, ou pensando que o pior já passou. É muito, muito triste, de partir o coração.

Quando tudo isso acabar, tenho certeza que muitos dos profissionais que estão na linha de frente vão sair marcados disso tudo. Ir para os plantões tem sido uma luta.

Além de tudo, muitos de nós estamos longe das famílias, saímos de casa para não oferecer risco. Eu mesma tive que sair, então tudo fica mais difícil ainda. É uma tragédia, não tem outra palavra."