Quarentena pode trazer muitos aprendizados; veja como aproveitá-los
Resumo da notícia
- A quarentena, mesmo sendo uma fase difícil, ao ser superada deve deixar algum aprendizado
- Toda situação de estresse é propícia para o aprendizado e o crescimento pessoal
- Encarar a situação como um desafio sempre é a melhor perspectiva, proporcionando aprendizado
- Vale observar quais lições a pandemia nos trouxe e refletir quais delas precisam ser incorporadas em nosso dia a dia pós quarentena
Com certeza, o isolamento social está trazendo muitas lições e mostrando que até mesmo as coisas mais simples como dar uma volta no shopping, sair com os amigos ou abraçar um ente querido pode nos fazer repensar sobre os reais valores da vida. Por isso, muito se fala que mesmo sendo uma fase difícil, ao ser superada deve deixar algum aprendizado.
"A quarentena, assim como as mudanças estruturais promovidas pela pandemia do coronavírus, pode promover momentos de muitas mudanças, sejam elas individuais ou coletivas", reforça o psiquiatra Arthur H. Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do IPQ do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Afinal, toda situação de estresse é propícia para o aprendizado e o crescimento pessoal. E esse período é sem dúvida um potencial estressor, que exige enfrentamento de cada um de nós. Segundo Juliana Mendanha Brandão, doutora em Psicologia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a maneira como cada um enfrenta a situação mostra como individualmente cada um se relaciona com o fator estresse. "Existem três possibilidades: estresse como desafio, ameaça ou dano, sendo que cada um terá um processo pessoal de construção na maneira de enfrentar a dificuldade e aprender com ela", completa.
Invista no aprendizado pessoal
Encarar a situação como um desafio sempre é a melhor perspectiva, proporcionando aprendizado. Pois, algo desafiador sempre traz coisas boas e oportunidade para desenvolver aspectos que outrora não haveria tempo. "É aquela fase que, apesar de difícil, nos dá condições para convivência, execução de novas atividades e tudo pode ser uma forma de potencializar o aprendizado nesse período", explica Brandão.
Já aquele que encara a situação como uma ameaça tende a transformá-la em algo ainda mais assustador, podendo paralisar e até dificultar o enfrentamento. E o indivíduo que enxerga essa fase apenas como um dano, colocando-se no papel de vítima e reclamando de tudo, perde a chance de ressignificar e crescer com o que ela tem a oferecer. Portanto, lidar com as incertezas sem a expectativa de controle dos fatores que não estão em nossa governabilidade é uma maneira eficaz de manejar os pensamentos catastróficos que não nos levam adiante.
"Uma importante ferramenta é permitir-se viver cada momento com intencionalidade, gentileza, consciência e compaixão, de forma que a passagem do tempo seja nossa aliada na construção do conhecimento e desenvolvimento pessoal, e não um obstáculo em um futuro ainda incerto, fantasioso e gerador de ansiedade e preocupações exacerbadas", ensina Danila.
Aposte na coletividade
Muitos já perceberam que o consumismo por si só não resolve as angústias, e que é importante buscar a serenidade por outros mecanismos, como prática do manejo do estresse. E nessa lista entram práticas mente-corpo, como a meditação; alimentação mais equilibrada, pois é possível fazer escolhas mais saudáveis.
Na área profissional, perceber a necessidade de organização pessoal para trabalhar em casa e manter uma atuação mais coletiva com os colega; aproveitar a oportunidade de exercitar a empatia com os familiares e a sociedade, auxiliando os mais idosos, interagindo com os vizinhos, incentivando o consumo do entorno social e desenvolvendo ações solidárias. "Essas são mudanças que provavelmente ficarão como patrimônio humano e social para o momento pós-pandemia", aposta Danila.
E tantas ações que sempre eram adiadas para depois, agora são fundamentais para viver de maneira mais equilibrada. Por isso, vale observar quais lições a pandemia nos trouxe e refletir quais delas precisam ser incorporadas em nosso dia a dia pós-quarentena. E muitas reflexões coletivas já passaram a ocupar lugar de destaque como: a importância da ciência e da saúde para auxiliar e direcionar frente às vulnerabilidades, o papel da tecnologia e o quão fundamental é combater sua exclusão, as ações solidárias para combater a negação da pobreza no Brasil e minimizar suas desigualdades.
De acordo com Danila, não é difícil perceber que mudamos nossos hábitos enquanto sociedade. "Nesse sentido, o coronavirus está funcionando como um acelerador de futuro", garante o psiquiatra. Afinal, a pandemia antecipou mudanças que já estavam em curso, como: o trabalho remoto, a educação à distância, a busca por sustentabilidade, e a cobrança por parte da sociedade para que as empresas sejam mais responsáveis do ponto de vista social.
Para a docente Paula Regina Peron, doutora em psicologia clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é essencial não reduzir todas essas ações ao cotidiano banal ou ao cumprimento de tarefas, sob o risco de grande empobrecimento pessoal e coletivo. "Não há uma fórmula que funcione para todos, mas as pessoas estão sempre aprendendo coisas. E nem tudo será relevante do ponto de vista coletivo, é importante preocupar-se com tais significados para a vida como um todo e não apenas para o momento atual", reforça.
O lado positivo da quarentena
Um dos pontos positivos dessa experiência é conseguir sintonizar nossas capacidades de enfrentamento com a situação real, sem perder o foco na autoavaliação na maneira de enfrentar. "Também é válido estar conectado com aquilo que observo em mim que me faz ficar bem, por isso o autoconhecimento é um aliado", diz Brandão. É muito particular o jeito de viver e de enfrentar, e ao identificar como isso é para você fica mais fácil buscar o que ajuda ou não. Tais aprendizados valem para a vida, afinal sempre surgem situações estressoras que merecem ser enfrentadas de maneira equilibrada e consciente.
Mas ter mais tempo conosco pode ser difícil em função da quantidade de pensamentos que podem vir à cabeça. "E conseguir 'domar' o nosso cérebro é uma tarefa árdua, mas muito recompensadora", sugere Danila. Aos poucos, dá para manter um fluxo adequado e produtivo de pensamentos em relação às questões de natureza pessoal, assim como ter a oportunidade de observar e desenvolver resiliência, empatia, autoconsciência, autocompaixão, entre outros tantos pontos de desenvolvimento pessoal.
Para Danila, é necessário sempre desenvolver cada um desses campos de autodesenvolvimento pessoal, para que possam florescer e frutificar continuamente. "E tornar o tempo nosso verdadeiro aliado na aquisição e aperfeiçoamento de novas competências funcionais e emocionais para lidar com os desafios que a vida nos coloca, diariamente, ajuda a aliviar as dificuldades, até mesmo a quarentena", diz o psiquiatra.
Ressignificando essa fase tão difícil
Cada indivíduo reage de forma distinta à quarentena, e oscilações das emoções e dos sentimentos são comuns nesse período. "Respeitar o ritmo de cada um para práticas de autoconhecimento e mudança de hábito é fundamental para exercer o que chamamos de autocompaixão, ou seja, o respeito às potências e limitações de nós mesmos", destaca Danila.
Dessa maneira, nos permitindo manter uma mentalidade positiva e de abertura para novos hábitos, novas práticas e percepções sobre nós mesmos e sobre o outro. E cada ação realizada pode fazer com que tais comportamentos sejam incorporados em nossos hábitos diários, nos fazendo pessoas melhores, e consequentemente, favorecendo um mundo melhor para todos.
Aliás, o altruísmo ajuda efetivamente no enfrentamento do estresse, pois traz sensação de bem-estar. "Cabe a cada um fazer com que essas reflexões possam ser fontes de crescimento para o momento e para o futuro, para que a gente não perca de vista o aprendizado desse momento", finaliza Brandão.
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