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Pandemia causa ansiedade ao ir ao mercado: "A sensação é de que vou morrer"

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Imagem: iStock

Natália Eiras

Colaboração para o VivaBem

26/05/2020 04h00

A primeira vez que percebi que algo estava errado foi na fila do lado de fora do supermercado. Dois metros separavam eu e meu marido dos outros clientes que esperavam sua vez de entrar no estabelecimento. Porém, já à porta, senti a minha cabeça ficar zonza e o ar faltar. Estava prestes a entrar em um lugar fechado cheio de pessoas que não conhecia, no meio de uma pandemia. Com o coração acelerado e a respiração a mil, meu corpo estava em alerta. A sensação era a de que, apesar de estar de máscara e munida de álcool em gel, eu iria morrer por estar indo ao supermercado.

Conversando com outras pessoas em isolamento social, percebi que não sou a única a passar por esse sufoco. A ansiedade na hora de fazer compras pode ser o primeiro sintoma do trauma psicológico da pandemia. Nós já fomos ao supermercado várias vezes nas nossas vidas. Porém, com a crise do coronavírus e a covid-19, ir às compras se transformou em um pesadelo.

E parando para pensar, a nossa relação com o supermercado se tornou mesmo conflituosa. O médico psiquiatra Luiz Vicente Figueira de Mello, supervisor do programa de ansiedade do Instituto de Psiquiatria do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo), compara a ida ao estabelecimento às caçadas da Pré-História. "O supermercado tem a aglomeração de pessoas, o que causa medo, mas também simboliza a sobrevivência, já que é onde vamos obter o nosso alimento", fala o especialista. "Uma pessoa que está ao seu lado pode ser ou não portadora do vírus. Aí você precisa manter a distância, se equipar. É como se a gente saísse para caçar e tivesse que tomar cuidado para que também não fôssemos atacados."

Até a forma como encaramos o momento de abastecer a despensa mudou, já que a atividade que antes tomaria uma hora e meia no máximo, passa a exigir uma manhã inteira por conta da preparação antes de sair de casa, os cuidados durante a compra e o processo de descontaminação após a ida ao supermercado. "O processo que era fácil virou algo altamente desafiador para o cérebro por conta do risco que sabemos que corremos, o que causa medo", diz Henrique Bottura, psiquiatra da Clínica Psiquiatria Paulista e colaborador do ambulatório de impulsividade do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo).

Diversas faces do medo

A bancária Laiza Tubini, 30, de São Bernardo do Campo (SP), estava há duas semanas isolada. "Mas decidi que precisava sair um pouco, pelo menos para ajudar a minha mãe a fazer as compras". No supermercado, ela teve um início de ataque de pânico. "Quando cheguei, vi as pessoas de máscaras e comecei a ter uma dissociação, parecia que aquilo não era real". Ela precisou parar para relembrar a situação que estava passando. "Relembrei toda a história da pandemia e de que aquilo iria passar". Isso não evitou que os sintomas da crise aumentassem. "Tive tontura e sai um pouco do lugar para respirar. Agora está mais 'normal', mas ainda fico muito nervosa."

Já a numeróloga Luana Machel, 32, do Rio de Janeiro (RJ), diz que demora dias para se recuperar do "trauma" de ir ao mercado. "Fico pensando que estou infectada e tenho a impressão que não consigo respirar. Qualquer tosse eu já tenho certeza que estou contaminada e fico desesperada", afirma.

Mello lembra que estamos vivendo um momento de alto nível de estresse. Afinal de contas, nosso corpo está se preparando, fisiologicamente, para sobreviver. "Estamos em um momento em que estamos com medo de morrer. Esse temor faz aumentar o nosso estresse e adrenalina, que são acionados em momentos que corremos perigo", fala o especialista.

Segundo Bottura, como o nosso corpo já está em estado de alerta, a ida ao supermercado pode deixar essa sensação ainda mais aflorada. "É uma situação conflitiva, porque é uma necessidade, mas, ao mesmo tempo, gera medo, angústia, ansiedade. É um conflito no organismo", afirma. Por isso, pode ser comum que até mesmo pessoas que nunca tiveram qualquer tipo de sintoma de ansiedade possam começar a passar por crises que incluem, entre os sintomas, a sensação de medo subjetiva, respiração superficial e ofegante, pensamentos ruminativos de preocupação e taquicardia.

Dá para evitar essa sensação ruim?

A designer de conteúdo Natália de Melo Alves, 30, de São Paulo (SP), é um dos casos que começou a ficar nervosa após a pandemia. Ela chega a temer por sua vida ao chegar perto de desconhecidos. "É horrível, tenho medo das pessoas, porque não sei se elas estão se cuidando e a minha vontade é delatar quem está sem máscara", diz.

Para se acalmar, Natália procurou adotar táticas diferentes para ver se a sensação diminuía. "Já fui na feira super cedo e mais tarde, na hora da xepa, para ver quando tinha menos gente." E, ao chegar em casa, ela e o namorado seguem um ritual de descontaminação. Após tomar todas as precauções, ela fica mais calma. "Me dá uma paz, porque sinto que me cuidei da melhor forma possível".

Mello aconselha que as pessoas se equipem e tentem criar uma sensação de segurança. "Você tem que ir ao supermercado, então use máscaras, luvas". Tudo o que possa lhe deixar mais calmo é válido.

Criar estratégias é, de acordo com Bottura, a melhor forma de driblar as crises no supermercado. "Escolha um horário que você acredite que o local esteja mais tranquilo, faça uma lista pronta de compras para você não ficar muito tempo na tensão". Caso você conheça bem o estabelecimento, pode até fazer um plano de como fará a logística de compras. "Se você vai com tudo certo, diminui as situações de tensão que podem levar à ansiedade". Porém se, mesmo assim, a angústia for muito impactante, talvez você precise procurar alternativas. "Use aplicativos de entrega, faça as compras por telefone. Entenda quais são os seus limites".

Agora, quando vamos ao mercado, eu e meu marido tentamos acabar com a nossa lista o mais rápido possível. Quando saímos do estabelecimento com nossas compras, o ar fresco da rua traz o alívio. E voltamos correndo para nossa casa.

"É importante a gente não ultrapassar a linha do desespero, então temos que racionalizar que ir ao supermercado é algo que você precisa fazer e manter a consciência de que você está tenso porque seu organismo vê essa atividade como uma situação de risco", fala Bottura. "Mas, caso os sintomas não passem, busque ajuda especializada".