Covid-19: Pacientes pedem para ser internados por medo, diz médico
O médico Bruno Coelho é clínico geral e atua na emergência de um dos maiores hospitais de Maceió. Na linha de frente de atendimento a pacientes de covid-19 no Memorial Arthur Ramos, ele dá quatro plantões semanais para dar conta da demanda.
Em conversa com VivaBem, o médico deu detalhes de como é um plantão sob o olhar dentro do consultório, revelando medo, alívio, apreensão e até pedidos que podem parecer estranhos, como ficar internado sem ter indicação para isso. Leia o relato completo:
O início
"Ainda no início da epidemia, os casos que chegavam à Maceió eram todos importados de outras cidades, poucas pessoas procuravam a emergência por conta de suspeita de coronavírus (nosso fluxo caiu bastante); e esses que apareciam sempre traziam muito medo e insegurança, tanto por parte dos pacientes, como da nossa parte.
Era uma novidade que não estávamos totalmente familiarizados. Isso é tão verdade que, no começo, internávamos casos que hoje não internaríamos, fazíamos isso por desconhecimento e medo.
Situação foi complicando
O hospital onde trabalho sempre procurou se antecipar à situação que estava por vir. Desde o início dos casos, passamos a fazer a separação dos pacientes: de um lado só síndromes gripais (suspeitos do novo coronavírus) e do outro, o restante dos casos.
Como eu disse, a princípio o volume era bem baixo, mas já percebíamos como era mais complicado atender esses pacientes. Tínhamos que ficar horas e horas paramentados usando protetor facial, máscara N95 (que machuca bastante o rosto), luva, capote.
Fora isso, ainda tínhamos os pacientes que chegavam com medo e tinham perguntas para as quais não tínhamos respostas, ninguém tinha. "Qual o tratamento?" Era o principal. Tudo que se fazia no mundo não era baseado em estudos com pacientes, mas apenas em observação e estudos in vitro. Até agora não temos um tratamento conclusivo.
Volume aumentou e veio a sobrecarga
Com o tempo, os pacientes começaram a chegar em um volume cada vez maior, a maioria com sintomas leves e estáveis. Foi aí que começamos a ficar bem sobrecarregados.
Muitos nem precisavam ir a emergência, mas todos tinham suas dúvidas, estavam com medo, precisavam de atestado —se o lockdown em Alagoas já tivesse sido instituído, isso não seria necessário—, queriam fazer o teste (RT-PCR para pesquisa de coronavírus), queriam fazer tomografia (a maioria sem indicação). Tudo isso sobrecarregava bastante o serviço. Mas ainda era raro chegar pacientes graves.
Pacientes graves começam a chegar
Os dias foram passando e começamos a perceber que, além dos pacientes que não precisavam ir a emergência se tivessem sido bem orientados antes, começaram a vir os pacientes graves, com comorbidades, comprometimento pulmonar importante.
A partir desse momento aumentaram os pacientes já internados, e com isso também as intercorrências que eles apresentavam, alguns precisando de transferência para UTI.
No começo, tínhamos apenas dois leitos separados para internar os casos que fossem necessários, hoje passamos de 70 pacientes já internados. Antes era só um médico atendendo as síndromes gripais, agora somos três e ainda assim não damos conta.
Falta de leitos
As vagas de UTI começaram a acabar, apesar da ampliação emergencial que o hospital fez. Os respiradores do centro cirúrgico começaram a ser utilizados e já acabaram.
Chegamos em uma situação que matamos um leão por dia e tentamos conseguir resolver o problema sempre que surge.
A gestão do hospital está sempre dando apoio e nos assistindo sempre que precisamos. A direção está diuturnamente presente para nos ajudar, e isso está sendo um grande diferencial.
Medo dos pacientes
Muitos pacientes procuram a emergência por medo e apresentando queixas que, não raro, estão mais relacionadas à ansiedade do que a própria doença. Você vê no rosto desses pacientes o alívio quando você informa que a tomografia está normal.
"Graças a Deus", muitos dizem. Quando há alteração na tomografia, mesmo que o paciente esteja bem clinicamente, eles ficam ansiosos querendo saber o que fazer agora. É difícil explicar que não há tratamento, você tem que perder tempo (ou ganhar, depende do ponto de vista) explicando que a maioria dos pacientes evolui bem e que apenas uma minoria precisará internar caso apresente piora do cansaço.
Alguns pacientes, mesmo sem indicação, querem ficar internados, muitos dos quais por insegurança e medo da evolução da doença.
Dos que já estão internados e tem indicação de alta, alguns têm receio de precisar voltar por piora do quadro e não ter mais o seu leito disponível.
De modo geral, os pacientes que nos procuram tendem a valorizar muito mais a gravidade da doença. Raros são os que menosprezam a gravidade da doença. Talvez muitos acreditavam no passado que se tratava apenas de uma "gripezinha", mas agora veem a realidade e se assustam com o peso dela.
Fuga do SUS
Normalmente, os pacientes nos procuram até antes do necessário como regra. Uma coisa que percebi foi a admissão de pacientes particulares (sem plano de saúde) que começaram a aparecer já em quadros mais avançado com indicação de internação. Acredito que por conta da deficiência dos hospitais públicos que chegaram a seu limite antes do setor privado.
Sem cloroquina
Em relação à hidroxicloroquina, nós chegamos a utilizar no início, mas à medida que os estudos começaram a sair e não mostraram benefício, começamos a descontinuá-la e retiramos de nosso protocolo.
A hidroxicloroquina saiu do protocolo dos pacientes internados numa fase tardia. Para a emergência, nosso primeiro protocolo não falava em hidroxicloroquina. Depois, o novo protocolo colocou a hidroxicloroquina para pacientes em fase inicial, mas deixou a critério médico e de acordo com aceitação do paciente.
A princípio, muitos pacientes já chegavam querendo fazer uso da medicação, mas como rotina só chegamos a utilizar em pacientes internados.
Atualmente, alguns chegam questionando se vale a pena fazer seu uso, mas não é o comum. A maioria quer apenas saber qual o tratamento para casa e acabam aceitando bem tratamentos sem a hidroxicloroquina."
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