Em países pobres, elevação de renda aumenta problemas cardiovasculares
À medida que os países ficam mais ricos, alguns indicadores de saúde, como a mortalidade infantil, parecem ter tendências bem definidas de melhora. Outros indicadores, incluindo condições cardiovasculares, no entanto, não seguem padrões lineares claros de evolução com o desenvolvimento econômico.
A pressão arterial alterada é um sério fator de risco à saúde, com consequências para o crescimento e a longevidade da população, além de gastos públicos e privados em saúde e produtividade do trabalho. Trata-se também de um fator agravante importante para certas doenças, como tem sido observado na pandemia da Covid-19.
Pesquisa publicada na edição de agosto da revista científica "World Development" constatou tendências distintas entre países: enquanto países pobres apresentaram risco cardíaco aumentado nas suas jornadas de crescimento, países ricos tiveram risco cardíaco diminuído com o aumento da renda.
O estudo, que tem como autores pesquisadores brasileiros, determinou a correlação de renda e pressão arterial a partir de análise de séries temporais para a pressão arterial sistólica média (PAS) da população masculina (mmHg) e o Produto Interno Bruto per Capita Nominal (PIBPC) para 136 países no período de 1980 a 2008 usando regressão e análise estatística pela correlação de Pearson (r).
"Nosso estudo encontrou uma tendência semelhante a uma curva em forma de U invertido, a qual denominamos 'curva de Kuznets do coração'. Existe uma correlação positiva, com aumento do PIBPC e aumento da PAS nos países de baixa renda, e uma correlação negativa nos países de alta renda, onde o aumento do PIBPC leva a uma diminuição da PAS", diz Hitoshi Nagano, um dos autores do estudo e professor do Departamento de Tecnologia e Ciência de Dados da FGV EAESP. Essa tendência em forma de U invertido foi inicialmente proposta por Simon Kuznets, prêmio Nobel de Economia em 1971 para relações entre desigualdade e crescimento econômico. Desde então, diversas "curvas de Kuznets" têm sido constatadas em temas como obesidade e impacto ambiental, por exemplo.
De acordo com os autores do estudo, à medida que a renda do país aumenta, as pessoas tendem a mudar suas dietas e hábitos e a ter melhor acesso aos serviços de saúde e educação, o que afeta a pressão arterial. No entanto, tais fatores podem não compensar o aumento da pressão sanguínea até que os países atinjam uma certa renda.
Por isso, investir cedo na educação em saúde e nos cuidados preventivos pode evitar o aumento acentuado da pressão arterial à medida que os países se desenvolvem e, portanto, evitar a 'curva de Kuznets do coração' e seus impactos econômicos e humanos.
O aumento da renda para os países pobres foi positivo em diversos indicadores em saúde (como a mortalidade infantil) e educação, mas não para a pressão arterial sistólica.
Esse indicador oferece um risco silencioso, cujo impacto no coração e outros órgãos se manifesta a longo prazo. Ou seja, o ônus na rede de saúde não é observado imediatamente. "É como uma 'bomba-relógio' a estourar décadas adiante", alerta Nagano. "Isso se não houver uma detonação antecipada, como a incidência da atual pandemia. Aos médicos, gestores públicos e demais atores da saúde, fica o alerta. Acreditamos que um estudo detalhado de regiões do país e por estrato social possa revelar tendências similares", analisa.
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