É possível manter as boas atitudes que surgiram com o isolamento; veja como
Resumo da notícia
- A resposta para uma das piores crises de saúde pública do mundo foi o auxílio e a compreensão ao outro
- Em situações de grandes vulnerabilidades, é natural que se colabore com o próximo, pois nos sentimos obrigados a minimizar os prejuízos existentes
- Muitas transformações surgem por meio do sofrimento e após a experiência a tendência é que haja novas reflexões e ressignificação de propósito
Não está fácil pra ninguém. Guardadas as devidas proporções (conforme os recursos que cada um dispõe), a maioria de nós foi impactada com a pandemia do novo coronavírus. E diante do agravamento das desigualdades sociais e do desequilíbrio vivido pelo coletivo, ficamos tocados e sensibilizados com o outro. Uma das respostas a uma das piores crises de saúde pública do mundo foi o auxílio e a compreensão ao próximo.
Só que além desse olhar atento para fora, tivemos a chance de encarar a nós mesmos de forma mais generosa. Dessa vez não à procura de resultados ou de melhorar a produtividade, e sim de alternativas simples e prazerosas, em busca de um pouco de bem-estar ao longo dos difíceis meses de isolamento.
Mas será que essas atitudes lúdicas e solidárias vão ser mantidas na pós-pandemia? O VivaBem ouviu especialistas para entender as motivações dos comportamentos até agora e as tendências daqui para frente.
Ajuda nunca é demais
O pernambucano Joaquim Antônio, mais conhecido como Barruada, foi um entre vários comerciantes que conseguiu apoio financeiro após apelo divulgado nas redes sociais. A história do vendedor de cachorro-quente comoveu tantas pessoas que ele pediu para que parassem com o auxílio, pois já tinha recebido um valor suficiente. Porém a atitude gerou ainda mais admiração e só fez crescer o envio de novas doações.
O episódio é um belo exemplo para lembrar que somos seres coletivos e interdependentes, que vivemos em sociedade e somos capazes de nos sensibilizar com as necessidades e sofrimentos alheios. Quando ocorrem situações de crise e de grandes vulnerabilidades, é natural que ser humano tente colaborar com o próximo, pois nos sentimos obrigados, enquanto parte da sociedade, a minimizar os prejuízos existentes.
Seja por empatia, ao buscar se colocar e aproximar da experiência do outro, ou para satisfazer e minimizar a própria ansiedade, as ações de solidariedade podem salvar vidas, principalmente em realidades tão desiguais quanto no Brasil. São atitudes que individualmente dão sensação de conforto, já que trazem uma perspectiva de atuação pelo todo, e coletivamente preenchem certas deficiências na garantia de direitos básicos aos cidadãos, como acesso à água potável e à alimentação.
Por causar boa impressão e impacto positivo, as iniciativas solidárias podem ser vistas também como uma reação compensatória para lidar com os incômodos gerados pela pandemia. Mas acima disso, é uma forma de sair do estado de insensibilidade, o que num mundo de respostas imediatas e velocidades exageradas, é um avanço significativo no reconhecimento do outro.
Respeito à vida: minha e de outras pessoas
Além de contribuir com o próximo, ser generoso também traz benefícios pessoais. Isso porque emoções positivas influenciam na produção de neurotransmissores como a serotonina e dopamina, que ajudam a regular os níveis de ansiedade. Junto com a endorfina e a ocitocina, que são os hormônios que promovem sensação de prazer e bem-estar, obtidos com comportamentos prazerosos e preferências que variam conforme a fase da vida.
O ponto é que muitas vezes adiamos ou ignoramos essas atitudes de cuidado ou de lazer devido uma sobrecarga de tarefas e demandas de trabalho, que geralmente é acompanhada pela cobrança por produtividade elevada. Faz parte de uma lógica de entrega excessiva de retornos e resultados, para sermos bem considerados nas relações interpessoais e valorizados pelas instituições nas quais temos vínculos.
Até chegar a quarentena. Diante das várias restrições durante o confinamento social, muitos de nós tivemos a chance de reencontrar um velho conhecido, quase esquecido: o tempo. Além dele, também nos deparamos com vários casos de dor e sofrimento, e a ameaça constante de morte por causa do coronavírus. Isso fez com que práticas e referências que davam sentido ao mundo ficassem suspensas, abalando os recursos para identificar a realidade.
A posse de objetos, a capacidade de consumo, o esforço por uma aparência padronizada e o produtivismo no modelo 24/7 para atingir o sucesso deixaram de ter o mesmo valor e importância, criando espaço para descoberta de hábitos e atividades mais saudáveis e prazerosas. Parte de uma abertura para encontrar formas de perceber a si e aos outros de um jeito mais natural e intuitivo, a fim de estabelecer novas configurações no nosso modo de existência.
Ocupações manuais, artísticas e lúdicas, tidas como hobbies e passatempos, são fundamentais para chegar num equilíbrio entre corpo e mente, tanto quanto pausas, silêncios e momentos para a autorreflexão. Por mais que seja difícil se desligar das telas e achar brechas diante necessidades primárias, exercitar a introspecção é parte do processo para ter uma rotina mais feliz e satisfatória.
Depende de nós
Bordar, escrever uma história, brincar com jogos de tabuleiro ou preparar o próprio alimento foram algumas das novidades vividas por muitas pessoas durante o isolamento social. Apesar de parecerem banais, essas práticas aguçam a criatividade e fortalecem os laços com os outros, sendo essenciais para constituir uma vida sensível e generosa.
Como são as ações que dignificam o ser humano, praticar o cuidado e autocuidado são maneiras de efetivar e expressar as mudanças que desejamos manter passado o surto do coronavírus. Muitas transformações surgem por meio do sofrimento, e após a experiência de dor e angústia, a tendência é que haja novas reflexões e até a ressignificação do propósito dos nossos dias.
Assim, é muito comum repensar o papel que desempenhamos perante a sociedade e como podemos agir para melhorar condições excludentes e desiguais. É justamente a partir de pequenos gestos, como presenciamos ao longo da quarentena, que se propaga a força solidária para configurar movimentos maiores, ou ainda dar visibilidade e amplificar as causas de quem está mobilizado e engajado em afirmar que o fundamental é a vida digna de todos.
Ações potencializadoras na quarentena que valem continuar:
- Preservar a troca afetiva e a aproximação com pessoas importantes, mesmo que por meios digitais;
- Criar vínculos com integrantes, grupos e coletivos que viabilizem a participação nas ações solidárias;
- Manter e ajudar a difundir a conscientização sobre os privilégios vividos por determinadas camadas sociais;
- Valorizar redes de apoio que conectam aqueles que precisam de ajuda e visibilidade com quem está disposto a colaborar;
- Não se esquecer dos nítidos impactos do homem à natureza e seguir com atitudes que colaboram para sua preservação;
- Mentalizar que estar em comunidades de solidariedade permite ampliar os sentidos da existência;
- Cultivar a ideia da prática compartilhada, que vem da premissa de que se unirmos forças, temos capacidade de fazer mudanças mais consistentes.
Fontes: Cristina Borsari, psicóloga da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo; Eleonora Prestrelo, psicóloga, gestalt-terapeuta e professora do Instituto de Psicologia da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro); e João Batista Ferreira, professor e pesquisador do programa de pós-graduação em psicologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
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