Mentira patológica: ele se endividou ao fingir para namorada que era rico
Quem nunca conheceu alguém com a fama de mentiroso? Existem pessoas que não conseguem ficar sem contar uma pequena lorota e algumas se envolvem em situações difíceis por conta disso. É o caso de Grace (que preferiu não se identificar), de 34 anos, conhecido por adorar dizer que é rico para as pessoas a quem acaba de ser apresentado, sem o ser de fato.
Quando entrei em contato para conversar com ele, tive certeza de que ele seria o personagem da matéria, por um acontecimento curioso: ele inicialmente avisou, via Whatsapp, que não teria nenhuma história para contar sobre "mentiras" em sua vida. Em seguida essa mensagem foi apagada. Expliquei que ele poderia contribuir de forma anônima e então ele concordou em falar, mas disse que estava muito ocupado naquele momento e que cuidaria do assunto mais tarde. Só que poucos minutos depois, voltou a escrever e foi então entrevistado.
Desde criança, Grace comia todos os iogurtes na geladeira e apontava o seu irmão como responsável sem a menor culpa, entre outras pequenas mentiras. Mas foi na juventude que ele criou uma história com grandes dimensões e que o prejudicou bastante. "Eu conheci uma mulher e fui para um bar com ela e outras pessoas. Falei que tinha dinheiro, mas morava longe e por isso não estava com muito ali. Era vendedor, ganhava salário mínimo e disse que era um empresário cheio da grana", lembra. Ele sustentou essa mentira por quase seis meses. O problema é que para levar a então namorada para lugares caros, começou a pedir empréstimos e se atolou em dívidas.
Grace inventava reuniões, contava detalhes e agia realmente como um empresário muito envolvido com seu trabalho. Ele terminava o seu serviço verdadeiro na metade do dia, mas ficava em um bar esperando o horário que dizia fechar a empresa para se encontrar com a namorada. Até que ele não tinha mais como conseguir mais dinheiro e foi obrigado a contar a verdade. Como estava apaixonada, ela aceitou e ficou com ele, mesmo cheio de dívidas —estão casados até hoje. Quando questionado se ainda mente muito, Grace responde: "eu já melhorei bastante, não minto como antes, mas às vezes a gente se empolga".
Quando mentir se torna uma doença?
Segundo a psicóloga Fabíola Luciano, colaboradora do IPq do HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo), tudo vai depender da intenção. "Quando uma pessoa tem um caráter questionável, a mentira é usada na intenção de se beneficiar, prejudicar alguém ou tirar proveito daquela situação. Já o mentiroso compulsivo não visa um benefício material ou financeiro", diferencia.
Ela explica que normalmente quem mente nesses casos quer se sentir amado e admirado. "O desejo maior é agradar ao outro e se dar ao máximo, mas depois ele mesmo acaba se enrolando", coloca a especialista, o que vimos no exemplo de Grace —que oficialmente nunca foi diagnosticado como um mentiroso patológico, apesar de ser famoso pelas histórias que inventa.
O psiquiatra Marco Antonio Abud Torquato Júnior ressalta a importância de diferenciar o mentiroso comum de quem tem mitomania —o nome dado ao quadro de mentira patológica ou compulsiva. "No segundo caso, a pessoa mente de forma repetida, o que interfere no seu julgamento racional sobre as situações e causa prejuízos profissionais e, principalmente, na área familiar e social", destaca.
Luciano destaca que quem tem mitomania não necessariamente é mais frio ou egoísta, inclusive é comum que eles ganhem estigmas sociais que não correspondem ao seu caráter. "Em geral são pessoas que tem o sentimento muito grande de inferioridade, de baixa autoestima e insegurança", coloca. Segundo ela, na verdade, esse indivíduo está tentando construir uma imagem positiva.
Muitas vezes, o mentiroso compulsivo cria um universo que não é real e acaba gerando outras mentiras para sustentar a primeira. "É um hábito profundamente cristalizado, sendo que, para o mitômano, falar a verdade pode ser altamente estranho e desconfortável. Vale ressaltar que a maior parte dos mentirosos compulsivos não são necessariamente manipuladores e, sim, vítimas de seu hábito de mentir, sofrendo muitos prejuízos nas relações sociais.", completa Torquato.
O que fazer quando se tem esse problema?
Assim como todos os transtornos psicológicos existe o controle e não uma cura. "Quando a mentira é patológica, o quadro não diminui à medida que a pessoa tem mais experiência ou mais idade. Pelo contrário, isso se torna até um modo de se relacionar com o outro. Em geral, a pessoa consegue desenvolver mais estratégias para administrar melhor as mentiras", diz a psicóloga.
Por isso, é necessária uma intervenção de tratamento para a pessoa aprender a gerenciar as frustrações que a levam a mentir. De acordo com Torquato, a mitomania não é um diagnóstico por si só, na realidade ela pode ser um sintoma associado a um transtorno psiquiátrico, seja de personalidade ou de humor.
Assim, não existe uma única causa para ela, mas um conjunto de fatores associados que podem levar ao desenvolvimento do quadro, como história de vida, relação com os pais, predisposição genética e experiências precoces. Nesses casos, o tratamento com um psiquiatra se faz importante para melhorar as mentiras compulsivas. Contudo, a psicoterapia é abordagem mais efetiva para o tratamento da mitomania. O objetivo do trabalho psicoterápico é de ajudar o indivíduo a desenvolver novos repertórios, reforçando relatos verdadeiros e ignorando os falsos.
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